domingo, fevereiro 12, 2006

Vem comigo a Ouro Preto

Assombrada pela sua praticidade frustrada, a capital mineira sob a chuva constante é quase como um assassino sem sua arma: fica um pouco confusa antes de encontrar outras opções. Confusão bonita de se ver e de se sentir, por instantes a marcha do mundo e das coisas é outra: "mas tá a chover..." argumentam todos nas conversas. Eu em casa, também à circunstância da chuva, aproveitei para verter pra dentro compreensões destas coisas bonitas daqui, lembrei das devoções que contemplei, ainda de uns espetáculos da natureza humana.... da comédia desta natureza... ouvi "Dora" e fiquei sorrindo uns minutinhos, depois outras também queridas daquela época, metade dos anos cinquenta ao fim dos sessenta, em que música popular e poesia andavam casadas em comunham universal de bens. Agradeci à chuva.
Surigiram lembranças, feitas não da má nostalgia de não as ter vivas, mas da contemplação da beleza. A meiga tarde de domingo no outono de Ouro Preto, meu Deus, que ar mais puro e doce, que composição plena das cores, das formas geográficas, do acaso da fortuna que ao pé da "Pedra Menina" edificou a matriz do Pilar e deste ponto, a sempre jovem condição de sofrer da paixão e conter-se.... mineiridade. Quis ir até lá talvez só pra ser molhado pela chuva de Ouro Preto, já então diria "felizmente está a chover" e o vagar pelas tortuosas ruas de pedra seria o exercício desta fé maior, crescida do esforço, justificada pelo encontro.
Abrir a porta de casa e dar de frente com essas coisas, a paz de sentir-se no lar que lhe cabe, disso iria muito bem mais uns poemas. Não desses que se escreve com o pensamento fixo num prêmio de concurso, mas dos feitos à mansidão do rio dos sentimentos.
Enturmei-me com uns versinhos novos, fiquei a ler umas palavras neles: "charutos", "noiva", "sanguinário", "tesouros"... talvez tenha sido esse poema um acelerador destas conclusões, pois a poesia nova aproxima-nos da mais cara e mais justa das certezas pessoais, a de que a terra arrasada ainda guarda embaixo das cinzas o adubo verde da esperança. Um gole de conhaque, um velho amigo a relatar aventuras, a redenção da justiça, a paixão discreta da condição ouropretana.
Rezei baixinho uma oração de devoção e piedade, fui tomar um café recém passado e comi um pedaço de queijo minas olhando a chuva insistente, apertei o queixo com o polegar e indicador direitos, enfim havia muito sentido em ir a Ouro Preto, e tanto mais quando está a chover.