quinta-feira, março 06, 2008

Sou aquilo que se vê

The toilet of Venus, Diego Velázquez, The National Gallery

A força que se esconde no aspecto das coisas fala também às pessoas as suas silenciosas palavras. Diz do que pode ser, especula. Uns ouvem a essa voz e admiram-se com formidáveis olhinhos de fome a miserável condição humana que tem, essas cenas de amor, de esperança, de confiança, de respeito à fluida parte de nós que podemos tocar com as mãos e que ocupa com covardia a grande parte dos nossos pensamentos.
Um visível cansaço apoderou-se desses olhos frente ao espelho, olhos vindos de ver a maldade e o triunfo dos impulsos estúpidos, agora mais voltados para si mesmo, agora a ver para além das retinas e dos tempos da vida e a baixar quase que com constrangimento, envergonhado pelos outros.
No vale secreto das montanhas, lá onde eu nasci, no frio do momento prestes à aurora, onde o nevoeiro está a desfazer-se e a intimidade ganha contornos de ser abraçada e vibrar com entusiasmo, lá é que eu vivo inteiramente, nesse mero instante.
Celebra no segredo desse recanto, a paz de não haver expectativas a cumprir, de não fazer ninguém sofrer, de não ter que ser agressivo ou permissivo, de não ter que amar. E há tanta compreensão, há tanta comtemplação desse mistério de Deus, que era de bom proveito extender esse instante do dia para sempre, não fossem as correntes que trago no pescoço e as estacas que me espetam o coração e me reduzem a um escravo de paixões e ambições vãs.
Assim resta-me conversar com esse mal aspecto das coisas aparentemente belas, tentar levar com bom humor essas tretas todas e ter uma infinita paciência com toda gente, ou ao menos com os que merecem.