terça-feira, janeiro 17, 2012

Estranhas sombras

Todos os ais são meus quando a questão é olhar para lá da gigantesca poça atlântica, como os ingleses se referem ao nosso oceano.
Ainda ano passado foi o casamento de um bom querido amigo e lá fui eu àquelas antigas paragens da vida para ser padrinho do casal.
Deus sabe o que custa trazer à tona (e à realidade) as faces daqueles que foram o passado com tal intensidade que nem poderia imaginar outra vida possível. É literalmente outra vida, é como ser outra pessoa.
Atravessar a poça é visitar este estranho mundo, é ver por entre um vidro envelhecido o que remanesce do desgaste do tempo, já que muitas têm sido as voltas da terra.
O tempo e a distância vão reservando para mim surpresas e encontros comigo mesmo. Sempre me surpreende ver os pais e os tios tão envelhecidos, entristece ver a frágil saúde dos avós, assim como constatar do distanciamento daquela boa e vívida amizade com os primos.
Os amigos, ah, estes continuam lá como valentes e destemidas sentinelas a velar pelo meu retorno - ao menos os meus bons amigos. Assim como eu, guardam e acarinham na memória o melhor das lembranças e dão-me o seu tempo e o seu pensamento sempre que estamos juntos, com uma generosidade que por vezes é difícil de perceber quando não se tem amigos verdadeiros.
Mesmo estes meus bons e queridos amigos, meus amados familiares, todos eles, a que eu junto as terras em que nasci e vivi, tudo isso parece-me terrivelmente perturbador.
Quando verto os olhos para lá e meto dentro da alma aquelas faces que dizem tanto vejo então que por imenso tempo têm estado mudas, surdas e cegas em mim.
Contam-me histórias de um valente destino que eu escolhi e explicam as minhas escolhas mais facilmente que a minha argumentação.
Lembro-me com algum assombro da minha adolescência desamparada nas manhãs frias da avenida Rio Branco quando ia a pé para o meu colégio. Quanta impressão não havia naquele ar novo que eu traguei para dentro do peito com tanta fome? Assumi para mim próprio um destino que não poderia se conformar com o caminho pisado pelos que vieram antes de mim e que teria inevitavelmente que libertar-se do que sempre me pareceu naquela altura desarrazoado e fatalista.
Um caminho novo, eis o que o meu coração comandou e eu tentei com todas as forças realizar. Tal qual os meus antepassados que traçaram também eles novos caminhos para a então jovem e intocada terra das Minas Gerais.
Olho o caminho velho que percorri e as belas alamedas da vida não assustam e nem amedrontam. Mas parecem turvas vertingens da vida de um rapaz que por vezes eu mal reconheço em mim mesmo.
É o tempo a passar, e a embranquecer a memória...