Que resta depois da morte senão a memória do que se fez e do que se foi? Pouco ou mesmo nada, diria eu.
Assim sendo, quando muito se faz, mais ainda se justifica que seja lembrado e reverenciado pelo legado de uma vida e de um sonho.
Tenho especial predileção pela memória de Dom Pedro IV de Portugal e I do Brasil. Mais do que um príncipe, por si só, foi mesmo alguém que, tendo a posição e a condição de transformar, o fez sem pensar duas vezes, uma vez consultada a voz da sua consciência.
Libertou o Brasil daquelas pretensões mesquinhas e verdadeiramente estúpidas das Cortes Liberais, indo mesmo ao ponto de separar para sempre o novo país de Portugal. Estabeleceu um novo Estado, deu-lhe a sua feição inicial e, sobretudo, a sua constituição. Na outra parte da sua vida, já de volta a Portugal, libertou o país do absolutismo tirânico que massacrava o reino com intolerância e violência, restaurando (ou mesmo implantando, como alguns defendem) uma ordem constitucional e seus valores intrínsecos.
Mesmo tendo sido um herói de tal grandeza, mesmo tendo atingido, ao cabo de apenas 36 anos, tantas e tão enormes façanhas nunca mais igualadas por ninguém em proporção e significado histórico, mesmo assim, tem a sua memória vilipendiada e o seu legado menosprezado.
A independência acusam-no de tê-la feito por estar sob a influência de José Bonifácio. Esta insinuação de que Bonifácio seria um seu mentor sempre o perturbou imenso. Pedro tinha um génio muito forte e foi educado para ser um homem honrado e leal - por toda a vida viveu por estes princípios. É óbvio que não era somente a vontade dele, era a vontade de todo um povo que ele soube ouvir. Bonifácio teve influência? Sim, claro que sim, era dos homens mais influentes daquele momento. Porém, não cabe apontar para qualquer indecisão por parte de Pedro quanto a isso. Romper com Portugal era para ele uma questão muito difícil, pois significava romper com o seu pai, o Rei de Portugal, pessoa a quem jurara lealdade e estava afeto por fundos vínculos de amor filial.
Recebeu, no entanto, com ânimo sereno os abaixo-assinados de milhares e milhares de brasileiros de São Paulo e do Rio de Janeiro de que não se cumprissem contra a vontade do Regente as ordens das Cortes, o que por si só insinuava o grito popular pela independência. Quando decidiu ficar no Brasil no famoso 9 de Janeiro, penso que já estava na antessala da libertação do Brasil, então decidida no seu coração. Sentia-se amado e querido pelos brasileiros, e pelo amor que lhe era dado, nunca deixou de corresponder.
Fez a independência e cunhou, ele próprio, a expressão "independência ou morte". As cores verde e amarela, consideradas as cores nacionais do Brasil, foram também por ele acolhidas em representação da sua Casa de Bragança com o verde, e da Casa de Habsburgo de dona Leopoldina com o amarelo.
Tomou para si a Nacionalidade Brasileira, rejeitando a sua nacionalidade de origem, facto que perdurou por toda a sua vida, mesmo quando estava à frente do governo de ditadura para restaurar a ordem constitucional em Portugal e como regente em nome da sua filha a Rainha D. Maria II - nunca negou a nacionalidade brasileira.
Causa-me grande tristeza que venham aí uns professores de história (sabe-se lá onde obtiveram as suas licenciaturas!) que dizem que Pedro era português. Pedro foi português até a independência do Brasil, depois disso e, repito, para o resto da sua vida, foi brasileiro, condição que nunca negou.
As condições para que tivesse a nacionalidade brasileira são claras e justificadas: tendo vindo de Portugal ainda na infância, aos 8 anos, foi no Brasil que cresceu e se tornou homem. Foi no Brasil que fez as suas cavalgadas e conquistou, pela primeira vez a montanha do Corcovado do Rio de Janeiro onde hoje se encontra o Cristo Redentor. Foi no Brasil que Pedro amou e sofreu por amor. Foi no Brasil que se casou, e teve quase todos os seus filhos (a única filha nascida fora do Brasil - não em Portugal, mas sim na França - foi a princesa Maria Amélia). No Brasil apoiou seu pai contra as brutais pressões das Cortes Liberais, ganhando aí sua confiança e começando desde então a participar nos assuntos do governo do Reino Unido. No Brasil viu o sentimento nacional aflorar frente às imposições abusivas e prepotentes das Cortes Liberais em Lisboa, tendo então tomado para si a condição de verdadeiro herói ao desafiar a guarda que o acompanhava, também ela leal ao Rei de Portugal, e a desafiá-la a matá-lo ou a morrer pela espada dele, ali junto ao Ipiranga, caso não se fizesse naquele momento a independência do Brasil.
E assim, como fez Alexandre, o Grande, com o nó górgio, Pedro de um só golpe libertou o Brasil e criou um novo Estado, ao qual dedicou-se completamente para que realizasse o designo que acreditava ser o dele: mantê-lo unido e feliz, sob o signo da Justiça.
Por ímpetos das juventude e pela mesma força de caráter que lhe serviu bem em momentos críticos, não foi unânime sempre, é bem verdade.
Por conta desses rompantes, no entanto, querem imputar-lhe uma outra inverdade que é a da imposição da Constituição brasileira de 1826.
Não há disputa de que esta Carta foi outorgada, ou seja, dada ao povo pelo poder executivo, e não promulgada, oferecida pelo seu poder legislativo. Porém, não se queira com isso dizer que a Constituição do Império do Brasil foi imposta aos brasileiros, pois aí reside uma profunda injustiça com o seu processo histórico e com o seu valor enquanto diploma legal.
Antes de mais, é preciso perceber que o parlamento do Império no período que se seguiu à independência vivia ainda um momento de convulsão política que já vinha deste o tempo em que se preparava a independência. Um novo país surgiu e era tempo de dar-lhe feição. Esta oportunidade única por vezes distraia os legisladores do verdadeiro objetivo, que era promulgar a Carta Constitucional, e assim perdiam-se em discussões, por vezes comezinhas, que em nada dignificava a grandeza da função que lhes tinha sido confiada. A discussão de fundo, no entanto, tinha que ver com o conflito entre a ideologia liberal do anteprojeto e a posição radical de alguns constituintes.
Assim sendo, observando uma demora completamente injustificada e prejudicial para a elaboração e votação da Carta, o Imperador considerou que deveria intervir. Dissolveu a assembleia e formou uma comissão a que encarregou de terminar os trabalhos.
Uma vez que a Constituição ficou pronta, não coube ao Imperador impô-la sem mais aos brasileiros. A Carta foi submetida à plebiscito em todas as Câmaras Municipais do Brasil, com destaque para a do Rio de Janeiro, onde foi aprovada com elogio.
Nenhuma outra Carta constitucional deste período foi aprovada com tamanha participação dos representantes do povo.
Cabe comentar ainda de outros episódios da vida de Pedro que parecem por vezes enevoados, como as rebeliões contra a união do Império e a forma como reagiu às mesmas, ainda quanto aos seus muitos amores (uma feição que é objeto de frequente caricatura e flagrante exagero quanto à sua vida sexual).
Cabe aqui dar uma palavra sobre dona Leopoldina e uma outra sobre dona Amélia.
Dona Leopoldina foi uma princesa com valores e ideais verdadeiros. Amava o Brasil e acreditava em todos os sonhos de construção de um novo país. Foi uma das pessoas mais importantes para a independência, pois também influenciou Pedro à sua medida.
Tinha, porém, um traço que fazia com que Pedro não fosse apaixonado por ela, embora a amasse: não tinha uma personalidade forte. Dizia sempre que sim e não se levantava contra nada. Não havia nela nenhuma réstia de conflito e, para Pedro, a falta de paixão acesa era algo que não lhe ascendia o fogo do espírito.
Assim foi que Pedro se aproximou de outras, em especial Domitila, uma mulher calculista e manipuladora e que, sem o amar verdadeiramente, quase arrastou Pedro para uma espiral de destruição.
Depois da morte de Leopoldina, em alguma proporção causada pelos desgostos com Pedro, o Imperador sofreu um bom bocado. Primeiro porque realmente amava (sem no entanto nunca ter estado apaixonado) Leopoldina, por outro, tinha conseguido para si tão má fama, que nenhuma princesa queria se casar com ele.
Depois de muito esforço, lá se arranjou uma linda princesa para consorte do Imperador. Veio dona Amélia da Baviera com a sua personalidade delicada e decidida, pronta a unir o seu destino ao de Pedro.
Dizem as crónicas da época que o Imperador, ao ser avisado da chegada no porto do Rio do navio que trazia a noiva, não aguentou ter que esperar no cais e tomou um barco para ir à bordo do navio. Lá chegando, ao ver a princesa pela primeira vez, desmaiou, dizem alguns, pelo encantamento da beleza de Amélia.
Jurou-lhe fidelidade e amor infinito e pode-se dizer com franqueza que não se portou mal por todo o tempo em que estiveram casados, até a morte de Pedro.
Continuo a escrever aqui qualquer coisa sobre o nosso Pedro numa segunda crónica.
Reservo para esta próxima a grande aventura de Pedro para libertar Portugal do absolutismo e da tirania, contra a crença do falhanço da empresa por parte de todo o mundo.