sexta-feira, abril 29, 2005

Mar imaginário

Não sei como é classificado esse tipo de pensamento, não acho que seja um momento a acontecer, até porque é fantástico demais, nem acho que seja um sonho, já que tou acordado... mas a imagem de um grande e aberto mar, que se comunica comigo, à altura da minha cintura, aparece de vez em quando se me distraio um pouco.
Lembro-me vagamente de um sonho que tinha seguidas noites na adolescência que lembra muito esse pensamento inusitado sobre um mar que fala comigo em pensamento, como que em telepatia, mas era mais engraçado do que agora, esse mar antigo perguntava se as ondas ou sua temperatura estavam do meu gosto, ou se a cor da água era a que eu gostava, subserviente demais para ser um bom mar. Agora o mar faz outras perguntas, apesar de ter a mesma aparência do velho sonho.
Como que se chegasse à beira da janela do meu quarto para falar com um vizinho, ao pensamento surge um mar aberto a falar com o barulho das ondas. Conta dos navios que o atravessam, diz dos que engoliu no passado durante as tempestades, fala dos náufragos, que sempre que pode tenta constuiur correntes que os levem àlguma ilha, comenta sem sobressaltos que a tecnologia diminuiu o número embarcações de passageiros, que serve de rota para grandes cargeiros, navios de pesca, vez por outra um de turistas, um transatlântico colossal, ou no entanto um humilde aventureiro barco de pesca, procurando cardumes afastados da costa. Depois de um tempo, quando esgota as formalidades sobre a vida de ser mar, fala do abismo que guarda dentro de si, do grande e imenso volume de si mesmo que se rebate entre os pólos da terra sem razão sem proveito de nada, como se ser mar e correntes e rota de navios não fosse ser alguma coisa! Mas esse mar reclama de um sentido para trazer entre as suas ondas e seu chão escuro da profundeza abissal. Eu o consolo um pouco, convido pra entrar, tomar conhaque, ouvir um samba antigo, comento as notícias aqui da terra firme, mas ele anda sempre tão triste e cabisbaixo que só as ressacas do início do outono para agitar um pouco o tédio e a angústia dos seus conflitos.
Disse uma vez que se fosse mar, iria me divertir com a gravidade da lua em relação à terra, que ser puxado por um astro celeste para sumir um pouco numa costa e transbordar noutra seria algo muito interessante, basta pensar nas milhares e milhares, milhões de toneladas de água transportadas de um lado a outro, beijando uma terra, recolhendo-se, beijando outra, voltando, um mar sempre sociável, sempre presente, sempre imenso e sempre útil para servir de símbolo de bom horizonte, de sonho a alcançar, que ser mar é justamente ser algo a se perseguir, ser algo a se alcançar, e se era esse o seu destino, que o fizesse valer de uma vez por todas, que ser mar era muito bom e se faltava algo no imenso e triste vazio do seus sentimentos, era talvez a consciência de ser mar.
Eu me dou conta do absurdo desse diálogo às vezes, na verdade estende-se sempre e apenas até os lamentos marítimos, os meus consolos e idéias dele não partilho nunca, ou partilho envergonhado, sem muita satisfação de convencê-lo de nada...
Aprecio o cheiro e a luz das águas tristes, tristes de não se conformar, de esperar alguma surpresa pra convencê-lo que dentro de si há correntes animadas, cheias de uma alma de motivos e aventuras, que o grande destino de receber os rios da terra e renovar-se e tornar-se maior, como que com essa porção de água doce um pouco de nós que vivemos na terra, e se um dia será mesmo um crime submergir Veneza pela elevação do seu nível, tanto melhor é para o mar, que se acha vazio, mas recebe na sua imensidão os nossos pensamentos, esperanças e motivos secretos.