terça-feira, abril 26, 2005

O coração em segredo

Minha prima Lívia me lembrou que não quer ter ainda um namorado, que não vai em festas à procura de um e que não acha que seja a hora. Ela tem 15 anos. Se a vida pode ser realmente algo a se lamentar, algo que me aborrece, ela o é quando me dou conta do quanto estou longe das pessoas que estimo: dor negra e inexprimível, mas deixemos essa mágoa um pouco de lado.
Acontece que sugeri que ela se apaixonasse por rapazes que têm o coração em segredo, expliquei que esses rapazes, se não tiverem um bom amor nessa idade, tornam-se muito covardes e vingativos do gênero feminino, justamente porque estão dispostos a amar muito e sinceramente, mas quase nunca tem sucesso, na verdade não são entendidos. Crescem com uma mágoa grande e na sua vida desgraçada só encontram prazer se puderem magoar, como se achassem que distribuindo mal ficariam com menos para si do que receberam, mas não é assim.
Como adolescente que é, descobridora do mal de ver tudo de um só jeito, tendo descoberto as mentiras da infância, diz que não, que nem sempre é assim e emenda sua boa de que 'toda generelização é um erro', doce priminha. Disse que generalizar é útil para evitar discussões cheias de evasivas tolas, mas o melhor mesmo foi ter argumentado que 'corações em segredo estão dispostos a se expor, mas somente uma vez na vida' e assim consegui sua atenção.
Chega a ser curioso como isso de conseguir a atenção dos outros é questão de manejar as palavras, não que me traga satisfação manipular minha prima, mas é precisamente o fato de que alguns argumentos são mais aprasíveis que outros, enfim, é a grande dialética dos adolescentes que se tem de driblar às vezes!
Falei das boas horas em que esses rapazes passam na mais absoluta solidão querendo para si um amor que valha a sua imaginação, tanto mais folclórico e cheio de fantasia quanto a cabeça de um rapaz de 15 anos que realmente queira um, assim mesmo um amor bem perto do impossível, mas talvez por conhecer muito bem minha prima, sabia com alguam tranqüilidade que ela poderia dar um amor folclórico e cheio de fantasia e talvez ao menos um rapaz fosse salvo da sina da adolescência de decepções e provas de masculinidade à custa do sangue de outras moças.
Com grande doçura e suavidade, expliquei o processo que conhecia sobre amar uma menina, falei até do que senti da primeira vez e fui tão sincero e tão preciso que impressionei a minha prima, mas ela não ficou mais impressionada que eu mesmo com aquela inscursão à intimidade do envolvimento amoroso, com descrições engraçadas de beijos, flertes e encontros marcados com amigos e a tal pessoa.
Acho que podemos chegar ao concenso de que, quando chegar a hora, Lívia terá um namorado com o coração em segredo para ela, acho mesmo que ela não se apaixonaria por outro tipo de rapaz. Só mesmo a surpresa de descubrir-se apaixonado fascina uma mocinha tão cheia de romantismo justificado como ela, só mesmo a vergonha de amar de repente e não ter medo poderia levantar-lhe além do chão para a camada atmosférica onde os olhos brilham mais e as razões ganham nova projeção, seja lá de que forem.
Que o felizardo tenha paciência, minha prima tem só 15 anos e acha que ainda não é hora de namorar.