segunda-feira, abril 25, 2005

Vida submarina

Os peixes tem uma vida breve e arriscada em geral. Vê bem como um peixinho tem chances de morrer comido por outro maior, por uma baleia ou qualquer bicho dos mares que precisa comer dezenas de quilos de peixes por dia! Imagina então se não viver no litoral do Brasil (que é mais que sub-aproveitado para pesca) e der o azar de nascer no do Japão ou do Chile: vai parar num restaurante sem nem mesmo ter crescido o suficiente... Mas em compensação à essa vida de ser caça dos pequenos peixes do oceano, há duas compensações que penso serem sublimes: a liberdade de nadar pra outros rumos quando a temperatura muda e a grande paz de silêncios que há no mundo submarino.
Sem dúvida adoraria ir para o norte quando chega o inverno aqui. Todos os dias terríveis de secura e frio passo imaginando o maravilhoso verão que os do norte aproveitam! Em compensação, no nosso verão, desejava ir mais para o sul, para aproveitar a amenidade do verão às altas latitudes do hemisfério sul. Mas das duas vantagens, essa primeira pode ser contornada se houver férias de 3 meses e algum dinheiro para pagar a mordomia, a segunda vantagem é que me seduz, sem dúvida alguma, a paz silenciosa do fundo do mar.
Envolve-me nos momentos de atordoamento sonoro o desejo absurdo daquela imensidade de água sem som, da grandissíssima paz que reina entre os cardumes a vagar com as correntes adoráveis, em meio à luz que vem de cima e dá cores ao mundo silencioso. Desejo imenso o que tenho de ser peixe nessa hora! Sem mais buzinas, nem vozes estúpidas, nem reclamações, nem fofocas, nem mesquinharias, nem promiscuidade sonora aos indefesos ouvidos de quem não pode escolher não ouvir (aqui talvez a única vantagem dos surdos que escutam com aparelhos auditivos: a glória de poder desligá-los). O bom peixinho cumpre sua parte no cardume que vaga pelas correntes marinhas, indo e vindo atrás de alimento, fugindo de algum predador eventual, colorindo com suas escamas multicor o cenário para poucos e bons e tudo isso sem escutar quase nada!
Tenho que confessar que não sei da audição dos peixes, mas deve haver alguma. Sei também que vibrações sonoras viajam bem em meio aquoso e com velocidade superior à propagação no ar! Imaginem as comunicações entre as baleias, ou entre golfinhos ou focas! Tomara que os peixes sejam mesmo um pouco surdos! Ainda sim tem o consolo de não identificar o significado dessas ondas sonoras que vez ou outra lhes perpassam os frágeis corpos ao insabido destino.
Nós entretanto, convivemos com animais menos discretos que as baleias, golfinhos ou focas e o estímulo sonoro é um dos favoritos dos nossos convivas sonoramente indiscretos. Não é preciso lembrar aos leitores sobre os rapazes que instalam amplificadores no porta-malas dos carros para que num raio de 3 quilômetros todos saibam do seu péssimo gosto musical - péssimo sim, porque ninguém que tenha carro com esses equipamentos coloca samba antigo para ser ouvido. Talvez também falte lembrar das empresas que fazem 'homenagens' com declarações no meio da rua, por aniversário ou outra coisa assim, uma grande falta de vergonha na cara isso, já que os transeuntes não conhecem a moça e sinceramente não se importam se é seu aniversário de casamento ou não, querem continuar indo ao trabalho, voltando do almoço, indo ao hospital, voltando da casa da namorada, sempre com pensamentos pessoais e suas vidas a tratar, de modo que esse silêncio nos caminhos entre os lugares é praticamente sagrado! Por fim, falta falar do trânsito, que é o ordinário, mas acho que todos entendem bem sobre isso: sempre os impacientes e mal-educados a afundar os punhos na buzinha para tentar apressar os outros, e o mais curioso é que essa fúria é endêmica - ao ouvir um buzinando, os outros acham que podem, ou são mesmo estimulados, ou ainda ficam chateados com aquilo e resolvem avacalhar a coisa toda...
Sorte tem os peixinhos na sua vida submarina, escutando apenas o trânsito das ondas sonoras das baleias, golfinhos e assemelhadas a falar uma língua que não percebem e o suficiente apenas para lembrar-lhes do precioso silêncio de que dispõe quase todo o tempo.