sábado, fevereiro 05, 2011

A menina e os olhos

Estava a espera do autocarro. Estava também um colega de gorro e barba por fazer. Era feio o rapaz, mas metia-se com ela e ela até parecia gostar daquilo, embora coibisse os abusos quando ele a agarrava pela parte de trás do pescoço e a puxava para junto de si.
Era bonita a miúda. Tinha uns olhos cinzentos que pareciam ser castanhos e o cabelo, esse sim castanho, mas brilhante e cumprido. Umas maçãs do rosto bem lusitanas e boca bem feita davam-lhe o aspecto de moça das Beiras, mas sem ter a pele propriamente morena.
Fiquei a observá-los quando eu próprio me encontrava naquele insólito de depender do autocarro para ir de um lado para o outro. Mas foi um curioso parar para observar a vida.
Os dois falavam de outros colegas e de coisas um bocado tolas, do que não vale vir aqui colocar ou reproduzir. No entanto, faziam uma figura engraçada aqueles dois. Eram uma decadência muito colorida, mas ainda assim não propriamente decadente. Pensava onde é que o autocarro os iria levar: se era para casa, se era para um outro encontro, se ainda tinham esperanças de desligar daquelas tolices e ver a beleza daquela idade, daqueles poucos anos que eles tinham ali e que vai desaparecer amanhã numa forma mais madura, embora também possa ser bela.
Chegou o meu autocarro primeiro. Ela ficou a olhar-me nos olhos e o rapaz acabou por reparar no meu passar por eles. Quase sorri, mas não, não o cheguei a fazer. Ficaram lá os dois em meio aquelas brincadeiras idiotas de adolescentes.
Ainda fiquei a pensar naqueles dois por um bocado. Revi os meus momentos de rapazito pateta na procura das coisas novas, mas mais bem comportado que aqueles dois, acho eu. Hoje se calhar as coisas que eram novas naquela altura já são as do costume e as euforias manifestam-se de outras maneiras.
Faz-me falta, entretanto, aquela despreocupação com o resto do mundo, com os olhos e palavras do resto do mundo, ante o nosso maravilhar pela vida, o nosso encanto e a nossa descoberta, a nossa alegria pela liberdade e pelo sonho. Tendo que tudo isso não é exclusividade dos adolescentes, ao menos, cabe invejar-lhes o inocente desleixo com as aparecências, por vezes sem sentido, e que nos conformam a vida para dar tão pouco de volta.
É capaz que quando eu voltar a ver aqueles dois também eles já tenham desaprendido essa liberdade irresponsável que ninguém nos deixa manter quando se quer, ao mesmo tempo, ser levado a sério.