sábado, agosto 27, 2005

Um nome de mulher

Aconteceu de ir à Jardim Camburi, risonho bairro de Vitória, para comprar suprimentos de informática. Bairro grande e de ruas sempre em quadras, perdi-me diversas vezes, até que resolvi pegar um taxi e assim, no conforto do ar condicionado, cheguei num instante para fazer a compra.
A volta foi fácil, não fosse pelo fato de ter tido a bendita idéia de parar num bar em frente à praia para beber uma cerveja, afinal, na sexta-feira é preciso ir aos copos, como dizem os portugueses.
Veio um rapaz de uns 14 ou 15 anos com um avental preto que ia até aos pés e perguntou se queria jantar, disse que não, que me trouxesse uma cerveja. Tão logo a figura do rapaz foi embora, apareceu claramente na parede um nome de mulher pintado "Cristina".
Numa reação sem razão nenhuma, gritei perguntando se tinham conhaque, do que me olhou de soslaio um velho pescador que à porta discutia futebol. Olhou-me atentamente e sorriu voltando a cabeça de volta para quem conversava com ele.
Havia conhaque e bebi apenas duas doses naquela noite. Olhando fixamente para aquele nome, foi vindo mansa a lembrança da minha amiga, não que tivesse aquele nome, mas havia entre o que eu lia na parece e minha amiga uma intimidade perfeita. Tanto assim que o coração começou a bater seu nome e encheu-se com um sangue cheio de arreia e os risos das outras pessoas pareceram um grande deboche contra mim. Instalou-se a imagem do sorriso de amor dela, uma das poucas imagens do céu que meu ceticismo nunca ousou atingir contestando...
Num suspiro, afastei essa idéia tragando o fim da segunda dose, ao que, quando voltei a cabeça a horizontal, soverndo até última gota, apareceu sentado à minha frente um homem vestindo um paletó marrom e com grande barba preta. Devia ter algo como uns 50 anos e parecia irritado. "Olhe bem, rapaz, sei que é você quem está saindo com a minha mulher. Não se assuste, na verdade eu sempre soube. Estou aqui de boa vontade e sendo franco contigo, quero resolver tudo de uma maneira gentil." Pasmei por 10 segundos e resondi "Meu senhor, sou um forasteiro nessa cidade, mal conheço o percurso de casa para o trabalho, menos ainda ando a seduzir mulheres casadas" mas ele resistiu "Mas eu não vou fazer nada contra você, na verdade ela anda muito contente desde que te conheceu... " Ele estava decidido em me dar participação naquilo! Acabei me levantando e excedido na altura da voz disparei declamando:"Meu senhor, por acaso o senhor sabe lá o que é ter uma jabuticabeira no quintal? O senhor sabe lá o que é torcer pelo Botafogo? O senhor sabe lá o que é sofrer de saudades que não tem jeito? O senhor sabe lá o que é conhecer a si mesmo?" Daí vi que ele se deu conta que não era eu o amante e se arrependeu, alguns minutos depois foi a minha vez.
Antes de ir embora perguntei ao garção quem era Cristina, ao que o rapaz disse ser "a filha". Concluí que era a filha do dono do bar e para mim bastava.

quarta-feira, agosto 24, 2005

As noivas do parque Moscoso

Nas segundas-feiras as crianças não tem vez no parque Moscoso, espaço de recreação e belíssimo jardim, com chafarizes, concha acústica e roseiras bem cuidadas.
Tenho a grande impressão que a segunda-feira não é reservada, como dizem as autoridades, à "limpeza e manutenção", mas sim porque, tendo esse descanso das crianças, dos namorados e dos velhinhos com seus jornais, empregadas passeando com cães ou babás e bebezinhos... na segunda-feira as donas do parque são as noivas.
Acho que escolhem o parque Moscoso para tirar as fotos antes do casamento porque é em volta do parque que há a maior concentração de lojas de aluguel de roupa de casamento de toda grande Vitória. Pensando melhor, talvez uma coisa venha da outra... uma alimenta a outra, afinal, sendo o parque um lugar realmente muito bonito e com paisagens lindas, as noivinhas todas preferem esse sítio para as fotos e lá estando, vão ver as novidades nas lojinhas, que sabendo desse público, ploriferaram-se na região.
O que importa mesmo é que o espetáculo é bonito. Nós, que não somos noivas, ficamos do lado de fora do gradiado olhando a moça fazer poses e caras contentes para o fotógrafo que, recebendo pela profissão tantos sorrisos, por mais amargurado ou triste que fosse de nascença, parecia ser um sujeito formidável, muito alegre e muito paciente, já que a noivinha queria uma foto em cada canto bonito do lugar, uma perto do chafariz, outra numa fonte, outra com os lírios azuis no fundo, uma na concha acústica e uma no monumento a algum herói nacional.
Eu, que tinha comprado jornal e uns pães de mel para ler e comer lá antes de ir à Justiça Federal, tive que ficar apreciando pacientemente esse espetáculo que não suspeitava a causa até um guarda do parque negar-me acesso com aquela frase que sem dúvida dispertou o meu interesse: "desculpe doutor, hoje só as noivas".
Esse espetáculo que se dava fora do mundo das coisas, vez por outra também era interrompido por uma criança que querendo jogar bola na quadra de areia ou fazer um pique-esconde com os coleguinhas, mas tinha que dar meia-volta, às vezes praguejando contra a instituição do casamento e imaginei quase tão repentinamente quanto num susto que quando menino pensava exatamente assim como esses mais revoltados e que hoje já vejo tudo isso de uma forma natural.
Na verdade, sem as noivas do parque Moscoso não haveriam crianças, nem mais à frente namorados e no fim nem os velhinhos para preencher o parque nos outros dias da semana e muito menos advogados fatigados procurando refúgio.

terça-feira, agosto 16, 2005

Lêmures suicidas

Depois de um animado almoço familiar no domingo, talvez apenas faltoso na parte de um bom licor para preparar a sesta, resolvi descansar e depois ir andar de bicicleta no calçadão da praia de Camburi.
Trazida de Minas há duas semanas, a "magrela" ficou num canto do quarto à espera desse passeio, quase que me chantageando para conhecer as ruas de Vitória. Embora não seja uma bicicleta de competição, foi uma vencedora nas disputas de montanha e velocidade no circuito universitário de ciclismo. Seu segredo sempre foi uma boa calibragem, o que tanto impedia saltos e descontroles do guidão quanto era eficaz nas arrancadas e aderência. Em Vitória, entretanto, essa boa e gentil amiga não competirá, mas passeará.
Saí de casa às 16hs, com pouco tempo de luz e clima já esfriando, naquela hora do dia em que as cores são mesmo bastante bonitas e fica uma impressão de que o dia não vai terminar, afinal.
Por não conhecer bem a cidade resolvi pegar a avenida dos Navegantes e penei um pouco com o tráfego intenso, mas logo após a ponte de Camburi dei de frente ao início do calçadão e, de um jeito um pouco intromissivo que notei pelo olhar de um velhinho que terminava ali a caminhada, invadi o passeio contornando as pessoas.
Na verdade essas impressões de certo e errado são sempre relativas, andar naquele calçadão, por exemplo, não é errado, pois há placas que permitem, mas as pessoas não gostam de levantar a cabeça para ler placas ou sair da conformidade, daí, "matem o ciclista invasor!"
Após duzentos metros sendo perseguido por velhinhos bravos com essa ironia, encontrava-me no início da ciclovia e daí não tinha mais que me preocupar, a não ser com os vários carrinhos de bebê e crianças de 4 anos atravessando desesperadas a via para encontrar os pais, sem olhar para canto nenhum. Um menininho desses chamado Pedrito (sei porque a mãe o chamou assim com sotaque espanhol) olhou para mim quando estava a 30 metros dele e de repente se lançou na frente da bicicleta pulando com os braços e mãos abertos, pareceu mesmo aqueles lêmures planadores que se jogam do alto das árvores com os membros abertos e planam bastante antes de chegar no chão. O moleque não planou nada, veio direto contra mim e se não tivesse antevisto o movimento dele teríamos caído a bicicleta, o Pedrito e eu pelo calçadão, certamente despertando a ira da mamãe. Não se pode confiar nas crianças, elas não tem paixão nenhuma para mantê-las atadas ao mundo!
Nesse momento considerei voltar, já que essas cenas foram muito bizarras e certamente havia alguma coisa errada, mas como a ciclovia estava vazia, insisti e foram bons quilômetros pedalando sem as mãos e fazendo as curvas suaves apenas com o peso do corpo.
O porto de Tubarão no fundo, roubando eternamente a vista de horizonte de curvatura da terra que se tem na beira do mar, continuava queimando os coques para transformar o minério de ferro em aço, o que fazia com que o céu ficasse mais rosado na beira do mar indo ficar azul mais ao alto, com uma faixa branca separando as duas cores e pensei na hora na Bandeira do Espírito Santo.
Antes que os pensamentos me derrubassem, dei meia volta. Tentei voltar pelos bairros até chegar na Praia do Canto, sem sucesso retomei a Navegantes e cheguei em casa às 18hs15min, e depois de guardar a bicicleta senti um cheiro de saudade e paz. Mais um domingo pleno de fantasias.

sexta-feira, agosto 05, 2005

Preciosismo

Por que o nome de "Los Hermanos 4"? Por que a sina de querer fazer um novo disco de estilo diferente do anterior? Por que retirar os metais das músicas? Por que achar que ser uma banda de rock que tem letras inteligentes e profundas é ter que estar evoluindo pra alcançar a iluminação?
Quem gosta dos Los Hermanos deve estar se angustiando com essas perguntas frente ao seu novo disco, o "Los Hermanos 4".
A crítica permanece bastante dividida: há os que idolatram as 12 músicas do álgum, outros reclamam que Los Hermanos estão muito preocupados em demonstrar maturidade e fizeram um disco cheio de preciosismos.
Hoje ouvi as músicas e sinceramente não parece nada com o que fizeram antes, é diferente sim, há uma unidade no "Quatro". Entretanto senti muito a falta dos metais, fato que deixou as músicas muito próximas de uma bossa nova sem alegria e irreverência que a caracteriza pelo envolvimento com o samba. Há uma preocupação excessiva em usar uma linguagem poética que acaba sufocando a suavidade que as canções precisam ter e que tiveram. Basta lembrar de uma obra prima como "Retrato pra Iaiá" e depois ouvir "Primeiro Andar", ambas de Rodrigo Amarante, para perceber que a qualidade poética é a mesma, mas a canção ficou menos agradável de ouvir: a impressão de um ouvido que não liga para a letra é de um longo pedido de socorro de algum suicida.
"O Vento" parece salvar em parte essa vontade aloprada de ser inovador, dando alguma sensação de semelhança com os discos passados, "Paquetá" também tem ares assim. Mas se comparadas com as canções do próprio "Quatro" fica melhor nele que em qualquer outro. Todos vão pela vereda de canções plenas de poesia e minimalistas a quanto basta ser, o que faz com que, escutando vezes seguidas as músicas, colha-se o cuidado com que foram geradas e aí é outro aspecto em que vejo mal o disco novo: as suas canções não são tão agradáveis de ouvir à primeira vez que as dos discos anteriores e isso significa que quem diz que Los Hermanos são uma banda de esnobes e orgulhosos vai ganhar muitos adeptos em quem for ouvir o "Quatro" antes dos outros discos. Há gente que vai argumentar que nas canções "fala-se demais e canta-se pouco".
Essa questão dos LH serem orgulhosos e terem-se deixado levar pela fama não é verdadeira de todo e nem falsa de todo. Evidentemente que o fato de serem muito conhecidos e terem muitos fãs mudou bastante o seu jeito de tratar os outros e de pensar a música, esse comportamtento diferente é sobretudo na maneira de negociar os concertos. Depois do "Ventura" LH não aceita que bandas desconhecidas ou que eles próprios não conhecem abram suas apresentações, talvez façam isso para evitar complicações, já que não se pode prever como a banda anterior deixou o público ou o provocou ou o que seja, mas a impressão acima de qualquer escusa é que são muitíssimo esnobes. De outro lado, velhos amigos da cena alternativa carioca garantem que LH é o mesmo desde o primeiro disco: bons amigos!
De todo jeito, o "amadurecimento" dos LH parece antes de qualquer coisa envelhecimento no sentido de perder o sopro de adolescência que havia forte no "Los Hermanos", estava presente em canções do "Bloco..." e também no "Ventura". No novo disco entretanto não há alegria nesse sentido e se há em outro sentido, perdoem, mas ainda não percebi pela melodia de nenhuma canção.