terça-feira, agosto 16, 2005

Lêmures suicidas

Depois de um animado almoço familiar no domingo, talvez apenas faltoso na parte de um bom licor para preparar a sesta, resolvi descansar e depois ir andar de bicicleta no calçadão da praia de Camburi.
Trazida de Minas há duas semanas, a "magrela" ficou num canto do quarto à espera desse passeio, quase que me chantageando para conhecer as ruas de Vitória. Embora não seja uma bicicleta de competição, foi uma vencedora nas disputas de montanha e velocidade no circuito universitário de ciclismo. Seu segredo sempre foi uma boa calibragem, o que tanto impedia saltos e descontroles do guidão quanto era eficaz nas arrancadas e aderência. Em Vitória, entretanto, essa boa e gentil amiga não competirá, mas passeará.
Saí de casa às 16hs, com pouco tempo de luz e clima já esfriando, naquela hora do dia em que as cores são mesmo bastante bonitas e fica uma impressão de que o dia não vai terminar, afinal.
Por não conhecer bem a cidade resolvi pegar a avenida dos Navegantes e penei um pouco com o tráfego intenso, mas logo após a ponte de Camburi dei de frente ao início do calçadão e, de um jeito um pouco intromissivo que notei pelo olhar de um velhinho que terminava ali a caminhada, invadi o passeio contornando as pessoas.
Na verdade essas impressões de certo e errado são sempre relativas, andar naquele calçadão, por exemplo, não é errado, pois há placas que permitem, mas as pessoas não gostam de levantar a cabeça para ler placas ou sair da conformidade, daí, "matem o ciclista invasor!"
Após duzentos metros sendo perseguido por velhinhos bravos com essa ironia, encontrava-me no início da ciclovia e daí não tinha mais que me preocupar, a não ser com os vários carrinhos de bebê e crianças de 4 anos atravessando desesperadas a via para encontrar os pais, sem olhar para canto nenhum. Um menininho desses chamado Pedrito (sei porque a mãe o chamou assim com sotaque espanhol) olhou para mim quando estava a 30 metros dele e de repente se lançou na frente da bicicleta pulando com os braços e mãos abertos, pareceu mesmo aqueles lêmures planadores que se jogam do alto das árvores com os membros abertos e planam bastante antes de chegar no chão. O moleque não planou nada, veio direto contra mim e se não tivesse antevisto o movimento dele teríamos caído a bicicleta, o Pedrito e eu pelo calçadão, certamente despertando a ira da mamãe. Não se pode confiar nas crianças, elas não tem paixão nenhuma para mantê-las atadas ao mundo!
Nesse momento considerei voltar, já que essas cenas foram muito bizarras e certamente havia alguma coisa errada, mas como a ciclovia estava vazia, insisti e foram bons quilômetros pedalando sem as mãos e fazendo as curvas suaves apenas com o peso do corpo.
O porto de Tubarão no fundo, roubando eternamente a vista de horizonte de curvatura da terra que se tem na beira do mar, continuava queimando os coques para transformar o minério de ferro em aço, o que fazia com que o céu ficasse mais rosado na beira do mar indo ficar azul mais ao alto, com uma faixa branca separando as duas cores e pensei na hora na Bandeira do Espírito Santo.
Antes que os pensamentos me derrubassem, dei meia volta. Tentei voltar pelos bairros até chegar na Praia do Canto, sem sucesso retomei a Navegantes e cheguei em casa às 18hs15min, e depois de guardar a bicicleta senti um cheiro de saudade e paz. Mais um domingo pleno de fantasias.