quinta-feira, dezembro 09, 2021

Réquiem à minha juventude ou lamento ao teu sofrimento



Numa acepção exagerada do significado da vida, amplio a consideração do pensamento para imaginar os teus dias vazios... e o meu coração rasga-se violentamente, como se fora puxado em simultâneo por diferentes forças... e como Santa Catarina na roda, eu aceito o destino que se abate sobre o meu corpo como uma penitência pelo amor desprendido da identificação com Deus... 
Quantas vezes eu estive embriagado pelos sonhos de sucesso que partilhamos, meu irmão? Que seara maligna prendeu-te nessas mentiras enquanto eu fui libertado, quiçá pela sorte combinada com a coragem e os sacrifícios empenhados para viver os meus próprios anseios de grandeza? Não sei.
Mas sei que esse caminho vincado na mentalidade de validação rima em tudo com danação. Um grande espírito procura os sentidos da transcendentalidade como escopo e relevo, e não facilidades aparentes que nos trazem conforto. 
Há muitos anos, numa tarde de calor em Londres, estive doidamente entretido numa conversa sobre a felicidade. Houve ali quem levantasse o prazer e a liberdade bem alto, o que fez o meu coração saltar e a boca abrir-se num sorriso. No entanto, qual prazer e qual liberdade? Faltou dizer... e faltou pensar. As presunções deixam-nos nus sem que nos apercebamos disso.
Foi-me concedido muito tempo para meditar sobre tudo aquilo. Não foi o tempo o ferreiro que malhou as grades de uma prisão interior em mim! Foi, antes disso, o rio que diluiu o gosto de ferrugem ou morte na minha boca, com as águas a correr no leito da verdade. Então fui capaz de provar novamente os sabores autênticos: eu vi as coisas como efetivamente são, e não conforme os dramas da minha vida achavam por bem apresentá-los de modo a que eu não assumisse as minhas culpas.
O prazer não é senão um momentâneo bem-estar, por muito intenso que seja. É sempre instrumental a algo maior: o prazer da mesa é pela satisfação da fome; o prazer da bebida é o relaxamento das repressões internas; o prazer do corpo é a satisfação de idealizações de corpos... e assim por diante: todos eles servem a algum tipo de preservação ou promoção da vida. Não são esses indícios suficientes para que se veja na vida o verdadeiro valor a impor-se a esses subterfúgios? É preciso ser cego pela vontade para não ver, mas há quem escolha a cegueira!
A liberdade não é apenas a ausência de opressão... Fosse a liberdade a ausência de tiranias, não seria o seu valor um imperativo nos espíritos que nunca foram escravizados. Mesmo esses entendem que precisam de espaço para serem. Nós que crescemos e fomos ensinados a aceitar um mundo que nos conforma de muitas formas, olhamos a liberdade com suspeição... como se fora um instrumento para o abuso! Não é.... isso é a sua contra-face: a opressão. A liberdade é o espaço essencial para que sejamos, é o tempo suficiente para que nos compreendamos a nós mesmos, é o espaço-tempo bastante para que nos encontremos a nós mesmos. Cada um saberá dizer quanta liberdade é preciso para ser e estar. Para mim, é preciso muita! Não porque não me saiba ou me tenha encontrado ainda... mas porque esse encontro é mais que isso: é fundamentalmente um reencontro com os outros, uma forma de vê-los novamente, de percebê-los sem as constrições de validação e mentira que os fazem ser outros, vendo-os como quem são, na nudez despudorada dos seus impulsos e enganos... ridículos como são os nossos próprios.
Daí a vida e a liberdade serem um só elemento, indivisível por quaisquer conveniências ou justificativas. Eis o que eu quero para ti: essa vida plena em liberdade. Abraça-a recusando essas fantasias todas, esses signos do exagero e do mau-gosto... Levanta alto as convicções em quem és: um homem completo e cheio de vigor e inteligência: encontra-te com Deus e forma a tua família. Faz-te útil!
Ainda há tempo, embora não muito. Dá valor à vida. A nossa juventude já lá foi. Tens a oportunidade de fazer-lhe valer aplicando o aprendido, nas salas de aula e na vida vivida. Há manhãs de sol... há tardes em que o arco-íris vai mostrar-se no seu símbolo de redenção! Agarra-o! Lá ao fim há o pote de ouro em que brilhará o teu espírito, finalmente redimido de tantas banalidades, finalmente reunido ao nosso espírito.
A vida e a liberdade não se prestam a receber a validação de babuínos exuberantes. Quem for a esse desfile de vaidades, certamente vai terminá-lo digno de ridicularizações sem exagero... a superar as merecidas pelos seus validadores.