segunda-feira, janeiro 31, 2005

Para viver um grande amor

Nesse fim de semana recebi uma notícia triste sobre meu exemplar de um dos livros que tenho maior estima, o 'Para viver um grande amor' de Vinicius de Moraes.
Sentindo saudades imensas do livro que comprei na adolescência e emoldurou os sonhos que eu tinha, resolvi cobrá-lo de volta da pessoa para quem o emprestei voluntariamente: uma amiga que precisava muito dele. Há um ano e meio deixei com ela o meu 'companheiro', na esperança de confortá-la pelas saudades do seu amor, no fogo maior de uma paixão. Acreditava que estava em boas mãos, mas a realidade não foi essa, bom ao menos houve um desencontro: eu esclareço. Minha amiga achou que eu tinha lhe dado o livro, mas lembro-me bem de ter dito: "fica então com o 'companheiro' para não sentires tantas saudades". Ela por isso entendeu um presente e certo dia na sala de aula, na classe de literatura brasileira, a professora a viu lendo e pediu emprestado, daí já pode-se concluir o que aconteceu e o motivo do meu aborrecimento. Ela emprestou o livro para sua professora e essa uma, muito gentilmente, não lhe devolveu. Da professora sabe-se que foi fazer o curso de mestrado no estado de Santa Catarina. Moral da história: fiquei sem meu 'Para viver um grande amor', sem dúvida, o melhor livro de Vinicius.
Mas não vou me deixar dominar pela frustração contra minha amiga ingrata e sua desídia para com meu livro, quiçá talvez pior foi a atitude de sua professora igualmente desidiosa, mas que não tem a interpretação de doação a favorecer-lhe.
Faço essa birra toda porque trata-se de um livro único e insubstituível para qualquer adolescente apaixonado. Eu tinha uma relação de cumplicidade com o Vinicius através desse seu livro e conhecia muito bem cada página. Tinha por hábito, no início da paixão, Mergulhar efusivamente no poema 'Teu nome' e mudar o verso que daria na última rima para adequar ao nome da namorada, e conforme mudava a namorada o novo desafio era achar o verso certo! Depois, com um sentimento mais profundo, lia 'Um beijo' e meditava sobre a benesse de amar em comparação à tristeza do mundo inteiro e enchia o peito de ideal e desprendimento. Nas crônicas, como na 'Namorados públicos', 'Química orgânica' ou mesmo na que deu título ao livro, mergulhava na elegância de cada parágrafo, na composição inteira como algo sempre gentil e cheio de convicção que fazia meu coração mais feliz.
Melhor é imaginar de outra maneira, no prazer que é doar. Tenho nesses pensamentos de generosidade um conforto ao fato de perder o livro que tive em minhas mãos todas as vezes em que me apaixonei e procurei ingenuamente nas suas páginas versos e razões pra ir adiante com tudo aquilo e ainda fui imensamente feliz debulhando cada poema e crônica.
Imagino minha amiga quando chegou em casa e cada vez que abriu esse livro e pensou em mim e na minha generosidade, em como o nosso afeto foi multiplicado pelo fato dela ter consigo que era mesmo parte da minha alma... sim, isso tem mais valor. De quebra ainda posso supor que a sua professora vai escrever uma dissertação defendendo a genialidade da inequivocamente ilustrada obra do poeta maior com base naquele livro. Sim, isso é bom de imaginar.
Agora que sei perdido meu livro na distante Santa Catarina, conforto-me por tê-lo tido no momento certo, por tê-lo lido e me apaixonado tantas vezes tendo esse livro debaixo do braço. Não é bom mesmo ser egoísta. O poeta não gostaria disso. Fatalmente outros adolescentes acharão aquele livro e viverão o que eu vivi com ele e os donos anteriores também cada qual a seu modo. Afinal, o amor sempre continua.

quarta-feira, janeiro 26, 2005

Profundidade para escrever

Com a ausência da minha principal leitora, é meu dever informar que a redação das crônicas futuras ficará irremediavelmente prejudicada. Mas não vou parar e não seria produtivo para minha técnica e nem justo com os outros leitores.
Deste modo, compete agora externar aqui o quanto é bom ser lido.
Essa minha querida amiga que está de férias no litoral costuma vir sempre discretamente a esse meu espaço e ler minhas crônicas curtas e humildes com o coração cheio de um afeto tão cheio dela que me deixa sem graça às vezes, uma coisa linda mesmo. Sinto falta dela já que temos sempre conversas bem longas e ela dá-me boas idéias para colocar aqui, nomeadamente sua paixão e força deixam-me a olhá-la bem feliz de conhecer suas idéias.
Nem todos os leitores são assim tão participativos, mas considero que no caso desse veículo especificamente, todos os leitores são bons.
Imagine quem viria para cá para ter de fazer uma resenha, ou estudar para uma prova? Os que cá vêm, vêm por amizade e por gosto de ler essas coisas que escrevo e assim está muito bem para mim.
Digo a todos que tenho mesmo imaginado a grande nação de cronistas que no exato instante em que bato minhas teclas estão imaginando sua próxima crônica. Admito que eu mesmo gasto horas deliciosamente lentas nessa percepção do que seria interessante de ser lido. Pergunto a mim mesmo: 'afinal, isso eu gostaria de ler?' e daí penso nos assuntos que estão sendo discutidos, ou mesmo que não estão no ápice das discussões mas que, por uma razão ou outra, estão na minha mente. Aqui mora um grande perigo: coisas privadas em privado devem ficar. Essa máxima da boa crônica é relativamente verdadeira. Há coisas que não são do interesse de ninguém a não ser de si próprio na sua intimidade, outras têm de ser preservadas por uma questão de bom senso e umas ainda secretas por questão de tornar as coisas mais interessantes. Dosando uma situação em relação à outra é possível escrever dando suas impressões pessoais sem parecer enfadonho e estúpido.
Normalmente nos fotologs é isso o que acontece: pessoas postam fotos com textos falando de coisas particulares que não são muito interessantes para quem não está na foto. Tudo bem, vão argumentar comigo: 'um fotolog é para expor fotos particulares de alguém!', mas há maneiras e maneiras de fazer isso, dois exemplos são meu amigo de colégio e uma amiga portuguesa de Lisboa: ambos postam suas fotos mas com textos refletindo sobre aquilo, de modo que a coisa toda ganha um corpo de conteúdo, até quem não está na foto adora ir visitar justamente porque acrescenta algo ao seu cotidiano! Entretanto, é difícil exigir que todos tenham sensibilidade para compreender que divulgar fotos ou textos exige um mínimo de conteúdo para não ser algo superficial e cansativo. Meu amigo de colégio posta fotos do seu dia-a-dia: da universidade, do ônibus que pega todos os dias de manhã, até uma foto da namorada conversando com ele pela internet ele postou (essa aliás foi a mais linda de todas). De modo que seu pai que mora noutro continente com alguns irmãos ou sua mãe que mora apenas noutra cidade poderão acompanhar sua vida mesmo não estando ao seu lado, meu amigo, assim, faz um uso social do fotolog que muitos nunca imaginaram ou procuraram entender que ele tem. Minha amiga lisboeta vai ainda mais longe, publica poemas inspirados em fotos, dela mesma ou de pessoas que ama ou até de lugares, o resultado é muito profundo, já que depois de ver a foto e ler o poema sabe-se exatamente como ela se sente e minha amiga aprecia dividir isso com todos os seus amigos, mesmo os que não tem tanta intimidade assim.
O resultado desses esforços é justamente um uso mais inteligente e mais atraente desses instrumentos de divulgação eletrônica de texto e imagem e eu, com meu humilde cantinho de crônicas curtas, procuro exercitar essa arte e quem sabe um dia chegar a escrever algo realmente e profundo e minha querida leitora tem me ajudado muito por isso não exagero nada quando digo que eu tenho saudades imensas dessa mocinha linda! :D

terça-feira, janeiro 25, 2005

As frígidas intelectualóides

Algumas mulheres desinteressantes de olhar provam que a personalidade influencia a forma (no caso delas negativamente) transportando ao físico aquilo que impera na cabeça.
É o caso em especial das frígidas intelectualóides. Mulheres que desprovidas de afeto e sensibilidade, especializaram-se em derramar o que leram sobre os outros de uma maneira estrategicamente pensada para impressioná-los ou humilhá-los.
Seus longuíssimos discursos cheios de erros crassos tem de ser agüentados em silêncio, pois interrompê-las para discutir significa prolongar um diálogo estéril. Ademais seus argumentos não obedecem tão bem à lógica, à construção de idéias já discutidas antes. Atualizações de debates para elas são opiniões que defendem interesses escusos e não merecem ser interpretadas muito longe disso!
Mas a grandissíssima variedade de assuntos com que sua volúpia as impele mostra até para elas mesmas que o exagero está na beira! Ora permeiam o campo da polêmica, ora do impossível, sempre balançando para cair nas redes de proteção falsas da mentira.
Transparece mais triste o desejo de defender suas idéias a noção clara de que as defendem como que se defendessem a si próprias. Num desatino leve do olhar, no parco equilíbrio ao mover o braço, na linguagem calibrada de raiva de um momento, vislumbra-se o mundo inteiro por trás de suas expectativas e anseios. Mas são tão feias, tão feias de pureza e ainda assim mais feias pelas pretensões de estar certas no que ninguém devia fazer questão de estar ou não, que a feiura de seus olhares e a falta de formosura em seus corpos é só um complemento a tudo isso.
Precisamente sua falta de paixão e sensibilidade são a raiz do asco todo.
Chega de descrevê-las aqui, não quero incentivar as fogueiras nas praças com seus corpos ardendo. Não conclamo ninguém também a ter pena delas, por favor, nada disso. Mas é meu dever advertir meus leitores a não lhes dar muita confiança. É tudo que peço, não caiam numa discussão com uma mulher dessas, concordem com tudo, não retruquem, se ela o chamar de 'estúpido' concorde efusivamente e não duvide de que está dando a melhor das respostas, já que ela estaria armada para um ataque verbal ainda mais poderoso!
Quantos amores essas mulheres tiveram de sufocar no peito para ficar assim? É a dúvida que passeia pela minha cabeça entre uma coisa e outra...

segunda-feira, janeiro 24, 2005

Reengenharia dos sentimentos

Minha amiga Diana tem uma péssima mania de explicar todos os eventos da vida com a simplista visão de que "o destino mágico encontrou seu fim agora".
Como o bordão dos locutores esportivos depois de gols, como por exemplo de Sílvio Luís com o seu "é mais um gol brasileiro, meu povo!", ou ainda desse personagem ímpar da imprensa desportiva brasileira quando da perda de um gol feito: "pelas barbas do profeta", todos sabem que ele vai dizer isso. Com Diana é o mesmo no aspecto da predestinação de todas as coisas e seu bordão com pretensões poéticas: "o destino mágico encontrou seu fim agora".
Os espíritas têm uma opinão parecida da sua máxima de que 'o acaso não existe'. Da mesma maneira, milhares de pessoas compartilham da opinião quase mágica de que tudo está escrito.
Mas eu não acho isso. Na verdade fico mesmo incomodado com essa visão de predestinação de tudo. Como é triste imaginar que quem vamos amar foi colocado no nosso caminho pelo destino e o mesmo destino nos fez magoá-lo, fez com que o amor acabasse, fruisse para alguma greta e se perdesse, ou mesmo fazer apaixonar para depois assentar seu imenso "não" com uma traumática separação, imagine ainda quantas noites de insônia, quantos pensamentos de desespero, quantas ameaças veladas cheias de fúria de todas as pessoas do mundo e tudo isso já está programado!
Não, é triste demais pensar assim. Digo pra minha querida amiga: "ora, não é assim... onde fica o livre-arbítrio?" e ela secamente responde: "no mesmo lugar em que fica a vontade, ou seja no campo das coisas submetidas às circunstâncias e essas circunstâncias é que estão já predestinadas, ou seja, está tudo montado como numa perfeita engenharia".
Uma perfeita engenharia de não haver como fugir! Como a mais perfeita das penitenciárias, onde nem o mais astuto e bem relacionado dos detentos poderia sonhar em escapar! Mas eu já agora tenho bolado meu plano de fuga, sim, é o que tenho feito! E garanto a todos que plano melhor não poderia haver nesse mundo de predestinação e circunstâncias armadas: vou promover uma lenta, gradual e progressiva reengenharia de todos os sentimentos! Sim, pois sem as circunstâncias o que será do destino que teria? Ele será outro, oras, é uma conclusão lógica e simples e para mim basta, não vou entrar em circunstâncias que influenciaram a reengenharia, paramos no primeiro degrau que já basta para ser suficiente para alguém que segura-se aos seus sentimentos como um trapezista segura-se num trapézio. Pois com a reengenharia vamos retirar as redes de proteção! Sim, não mais esse dispositivo de segurança que é para quem acha que no fim não vai dar certo! Eu sei que vai dar certo, sim, do fundo do coração tem de dar certo, não vou mais pensar na morte, mas na glória!
Minha reengenharia irá além do amor (mas não muito além) e compreenderei que afinal não vale a pena desconfiar tanto e me importar tanto: no fim quase tudo acaba do mesmo jeito e à grande partida que há no fim sobra o grande socialismo estéril que a morte promove!
Não mais vou apostar em cavalos que descendem de campeões, a partir de agora vou dar uma chance a quem parece ser menor, mas que eu nunca acreditei que pudesse superar a falta de credenciais de procedência.
Vou perceber que além das burocracias cansativas e monótonas que cercam todas as coisas da vida há um toque humano em todas elas, um toque de alguém que ama, sofre, sonha e se angustia.
Por fim vou amar não para mim, mas para o mundo inteiro e vou, com esse gesto, desprender todas as expectativas egoístas que eu tenho dessa instituição chamada 'amor'. Não quero um amor para me fazer feliz, isso é um fim em si mesmo... agora quero um amor que seja feliz por si mesmo, que de tão contente contagie o mundo inteiro e quem sabe me faça com esse efeito do meu amor, um sujeito que sorria antes de dormir e sem ninguém ver.
Pois vou começar a fugir agora! Vou iniciar a grande reengenharia de tudo e não vou querer mais as velhas circunstâncias: que venham as novas, cheias das surpresas que amanhã eu não vou conseguir prever (ah! grande sonho da minha vida!) Chega da prisão do destino, quero trapacear para enganar esse inimigo injusto e pouco criativo! A vida merece menos tédio e mais copos de vinho caseiro! :D

sexta-feira, janeiro 21, 2005

Mar Portuguez

Ontem fui a uma exposição de artesanato português que está aberta no Fórum da Cultura da UFJF. As peças vieram de Portugal especialmente para a mostra e foi trazida com intermediação da Sociedade Portuguesa, o grêmio dos lusitanos aqui em Juiz de Fora.
As peças sacras tinham uma tristeza tão grande nos olhos. Santas Maria com os olhinhos cheios de tristeza e Sãos Sebastião com expressão de desfalecimento (esse daí também não é para menos, tinha umas duas dúzias de flechas atravessando o corpo).
O artesanato também é bem expressivo nas roupas típicas de aldeias de pescadores no argarve ou de pastores de trás-dos-montes. Sempre nas cores laranja, verde, vermelha, daí uma alegria discreta. Também chamam a atenção a cerâmica e os azulejos, esses são fenomenais. Havia uma peça em azulejo que trazia a imagem de uma mocinha de uns 13 anos colhendo flores com seu vestido de camponesa sendo observada por um homem a cavalo que parecia suplicar por um olhar seu, uma sutileza e uma sensibilidades nos detalhes que me deixou emocionado.
A tristeza é tão típica do povo português que eu sinto no meu sangue muitas vezes esse chamado à melancolia. Muitos dizem que a razão dessa tristeza vem do tempo das navegações, quando milhares se lançavam aos mares em busca de rotas comerciais, ou de novas terras. Inclusive o famoso poema "Mar Portuguez", de Fernando Pessoa lembra bem esse sofrimento nos versos: "Por te cruzarmos, quantas mães choraram,/Quantos filhos em vão rezaram!/Quantas noivas ficaram por casar/Para que fosses nosso, ó Mar".
Também, dizem uns, serviu a ditadura salazarista que durou 30 anos para embrutecer os espírito do povo português. Com uma doutrina fascista e de censura às liberdades, prevalecia a máxima autocrática de "manda quem pode, obedece quem tem juízo", um deboche contra o poder do povo do mais ridículo gosto.
A verdade é que há nos olhos uma saudade velada que não pode ser nunca admitida. Saudade de onde? Saudade de quem? Por que saudade? São perguntas que não tem resposta, é um sentimento tão natural e típico que ninguém fala dele, está expresso, é uma reação natural à vida.
Em mim mesmo já percebi muito clara essa tendência em ver essa saudade imemorial, veladamente escondida nalgum canto, de repente desperta. Saudade mesmo, das grandes e verdadeiras, é bom sentir, pois mostra que o coração é fiel e não fugaz, se o amor faz falta é porque existe. É preciso não confundir com a nostalgia, que é a apologia do passado, imortalizada na expressão que muitos idosos adoram e que é um clichê consagrado 'ah, no meu tempo é que era bom', como se hoje também não fosse seu tempo! Nosso tempo é sempre o tempo atual, o outro é memória, se for tanto. A boa tristeza de saudade é um sentimento muito quieto e muito particular.
No artesanato em mostra no Fórum da Cultura percebe-se muito bem que não se trata de uma tristeza de remorso, vingativa ou desesperada, mas conformada, que em muitos momentos é feliz. Sim, uma tristeza que tem momentos de felicidade, como que o artesanato tivesse materializado essa verdade da vida de que ninguém é feliz todo o tempo, nem triste todo o tempo, mas há épocas mais felizes e outras mais tristes.

quinta-feira, janeiro 20, 2005

Senhorita Gisele Bündchen

A senhorita Gisele Bündchen esteve desfilando pelas passarelas da Semana de Moda de São Paulo, ontem à noite com sua indefectível presença, a bem ou a mal, atraindo os olhares de todos.
À parte do apagão que ocorreu pouco antes do início dos desfiles de ontem (obrigando maquiadores a terminar o trabalho com a luz do visor do celular), o evento tem sido um grande sucesso e contado com a presença de personalidades nem sempre do mundo da moda, como a apresentadora Daniela Cicarelli e o cantor portoriquenho Rick Martin. Sem dúvida vieram dar ao evento um pouco mais da sua tônica veladamente promocional.
Mas dominando todos os holofotes, surge a senhorita Bündchen. Pouco antes tinha concedido uma entrevista a um repórter e deixado o pobre rapaz todo embaraçado com seu comportamento tão pouco gentil. Num certo momento ele tentou deixá-la mais relaxada e perguntou como se sentia com as pessoas perguntando todo o tempo sobre sua vida particular, bem, não foi uma boa idéia. A modelo tomou o microfone das mãos do repórter e disparou: 'bem, vamos ver como você se sente' e começou a fazer perguntas sobre a vida particular do entrevistador numa atitude típica de quem não sabe onde está nesse mundo. O repórter teve de embarcar na brincadeira de mal gosto e encabulado respondeu às perguntas. Ela não entende que por ser famosa desperta curiosidade de milhões de pessoas e a mídia quer essas respostas como veículo de informação. Ninguém se interessa pela vida particular do repórter a não ser a sua família.
Mas isso foi uma pura impertinência? Não, de uma maneira agressiva ela respondeu ao que ele havia perguntado. O problema é esse grande paradoxo que essa supermodelo representa. Considerada pelo mundo da moda como uma beldade, uma mulher ideal para desfilar seu modelo de corpo e imagem, ela não passa disso. Mais de uma vez, e essa última foi a melhor de todas, a senhorita Bündchen mostrou muito bem que é uma forma, que sua personalidade não a salvaria de ter de trabalhar numa fábrica de calçados ou num frigorífico, mas para sua sorte, nasceu com um nariz curiosamente bonito, emoldurado pelo padrão germânico.
Grossa, deselegante e antipática, ou na definição de um jornal inglês quando da especulação para ser uma Bond girl : chata.
Gisele é fruto da futilidade em que vive, de um mundo em que a imagem realmente é tudo. O choque acontece quando essa imagem abre a boca, bem, daí é um desastre completo. Outras pessoas foram muito destacadas por seus talentos não verbalizados que não necessitavam de muita sensibilidade, como Pelé e Einstein, esse último tinha a vantagem de ser inteligente e sarcástico.
Nossa brazilian supermodel é uma mulher perfeita com a boca fechada e sem chocar os outros com a sua falta de carisma e sensibilidade para lidar com a fama.
O fato é que Gisele (uma mulher na qual não vejo beleza, sinceramente) não é uma miss no quesito simpatia e personalidade, mas tudo bem, o que vale é a imagem e afinal, os concursos de miss estão mesmo, muito apropriadamente, em baixa.

quarta-feira, janeiro 19, 2005

Trapaceiros

Li no jornal de hoje que Carlos Bilardo, o técnico da Argentina da Copa do Mundo de Futebol de 1990, realizada na Itália, trapaceou para vencer o Brasil na partida que valia uma vaga nas quartas-de-final.
Por ordem dele, o massagista argentino misturou sonífero à água que foi oferecida aos jogadores do Brasil. O fato interessante é que o meia brasileiro Branco deu uma entrevista na época dizendo que se sentiu mal disposto depois de tomar dessa água e que um argentino quis tomar da mesma garrafa e foi impedido pelo massagista.
Episódio melancólico da história desportiva do Brasil, a eliminação da Copa de 90 foi também um episódio emoldurado por um churrasco de família.
Lembro-me claramente de todos festejando, felizes, bebendo e, depois do fim, todos indo embora chateados, homens chorando e garotinhos pequenos sem entender direito porque a festa tinha acabado! Nesse churrasco houve também um bolão para ver quem acertava o resultado do jogo. Evidentemente, a grande maioria apostou numa vitória brasileira, alguns com o entusiástico placar de 5x0 e até 7x2 como foi a aposta do meu pai. Mas o resultado final foi favorável à Argentina, com um único gol marcado após um passe de Diego Armando Maradona e um chute colocado com o pé canhoto do atacante Caniggia. A única vencedora do bolão foi minha tia Célia, que ganhou o equivalente a 500 reais por apostar solitariamente na derrota brasileira pelo placar mínimo, a única a sorrir e pular alegremente com o fim da partida quando uns poucos a cumprimentavam com um riso amarelado e frio.
A revelação de Bilardo, em uma entrevista a um periódico desportivo portenho, deixa o ranço de tristeza de ter perdido essa copa ainda mais melancólico já que a Argentina venceu trapaceando. Desde a guerra das duas rosas em que o Brasil queria anexar o Uruguai e a Argentina defendia sua independência, temos nos portenhos o estigma maior do inimigo que ronda. Ao fato histórico da rivalidade, soma-se a presunção argentina de considerar-se um país 'melhor' que o nosso, pretensão digna de risos, no mínimo, mas que demonstra o despreso pelo Brasil e a ignorância da realidade sulamericana onde fazer questão de ser melhor que o vizinho não significa muita coisa: somos cidadãos de um continente sem países ricos.
É visível que os brasileiros fazem um grande esforço para gostar da Argentina e se aproximar dos costumes e cultura daquele país, visto que é essencial para o sucesso da união da América do Sul, entretanto a lendária traquinagem argentina vem à tona em episódios como esse e reacendem intrigas e desconfianças seculares.
De todo jeito, continuo gostando da Argentina. :D

segunda-feira, janeiro 17, 2005

Diplomatas analfabetos

Por influência direta do Ministro das Relações Exteriores, o exame de admissão ao Instituto Rio Branco, academia de formação da diplomacia brasileira, não terá a exigência de domínio do inglês.
Numa velada posição antiamericanista, o ministro Celso Amorim justificou a nova posição chamando o inglês de 'idioma elitista'.
Qualquer um que já estudou inglês, sim, qualquer um mesmo, sabe que é um idioma fácil de se aprender, com uma estrutura gramatical muito simples e um vocabulário restrito se comparado a idiomas modernos e mais desenvolvidos, como o português ou o alemão.
Elitista, portanto, não seria o melhor advetivo para a língua de Shakespeare. Mais apropriado seria chamá-lo de 'pouco sofisticado'.
Diplomacia significa precisamente a arte ou empresa de conciliar interesses e amenizar conflitos visando beneficiar discretamente quem se representa, mas a posição que o Itamaraty adotou com essa medida trái a própria natureza da atividade que se propõe a desenvolver.
Sem fazer menção à defesa dos Estados Unidos, o inglês é usado internacionalmente em substituição ao francês desde a segunda metade do século passado e seria ignorância não reconhecer isso.
O Itamaraty considera que retirar o inglês do concurso de admissão é torná-lo mais justo, mas é preciso lembrar que a função de diplomata tem de ser exercida por pessoas preparadas. Não pode-se admitir um diplomata que não fale inglês, ou seja, a medida é um tiro no pé: o país terá de gastar no treinamento desses futuros diplomatas que ainda não falam inglês, uma habilidade que não pode ser encarada de outra maneira senão como pré-requisito para a profissão.
Mas, como diz a máxima diplomática que 'a restrição dos efeitos danosos é o primeiro e mais importante passo para sanar o problema', o Itamaraty não irá se pronunciar mais sobre o fato e deve manter esse exame por mais um ano e depois disso, discretamente como exige a profissão, voltar a exigir conhecimentos avançados em inglês.
A única inadequação no exame do IRB não é precisamente a exigência de inglês, mas a não exigência de espanhol, já que participamos de uma comunidade sulamericana de nações na qual apenas o Brasil não tem o espanhol como língua oficial. Além disso, somos cercados de países de fala hispânica sobre os quais a população sabe muito pouco. Essa sim, a questão do monopólio de influência cultural americana é grave, afinal, quais são as bandas de rock chileno que são conhecidas no Brasil? E os filmes argentinos? Talvez saibamos sobre os grandes cantores uruguaios de tango, como Carlos Gardel? Se a resposta para todas essas perguntas for 'não sei', então meu amigo, você compreende melhor que o ministro Celso Amorim que o inglês não é o problema no exame de seleção do Instituto Rio Branco.

sexta-feira, janeiro 14, 2005

Comentários

Numa pintura do século XIX, sim, um quadro de Monet, está bem descrita a imagem de Daniel.
Medindo 1,80 e pesando quase 90 quilos, esse rapaz de 24 anos, bacharel em Direito tem tristes e pequenos olhos verdes.
Hoje ele já se desfez daqueles horríveis óculos garrafais com aquelas armações pretas e grossas que faziam a sua expressão ainda mais carregada e fazia a corrente sugestão de que ele estava mascarado. Sim, as lentes de contato são mais confortáveis e não machucam o nariz, nem as orelhas, mas não muda o fato de que o mundo continua bem diferente do que ele vê.
Daniel quer o melhor para todos, o bem comum. Seu idealismo é tão maduro e tão determinado que não é nem admitido. Sei muito bem que a vontade de tornar melhor está lá com ele nas manhãs em que se levanta ávido de leitura, ávido de pensar, de ver noticiário, e essa gana, um verdadeiro 'vício virtuoso', não é sequer percebida, mas existe forte.
Mais de uma vez senti as mesmas angústias que ele. Dramas comuns, já que somos muito parecidos nesses aspectos. Angústias sobre ter de corresponder às expectativas dos outros, sim isso sempre foi o pior. "Como você é inteligente". Acho que nem todo mundo compreende como isso significa quase um chingamento para uma criança que é realmente inteligente, isso porque ela sabe que aquilo significa também "não seja um paspalho e me desaponte, continue parecendo inteligente, é o que eu espero de você". Outra angústia nossa na adolescência era a de agüentar e respeitar gente estúpida e vulgar. Quase todas as agressões que sofríamos era porque não suportávamos conversas plenas de idéias vulgares. "Intelectual não gosta de pagode?!" Claro que não, isso é subcultura da pior espécie e dá dor de ouvido também.
Enfim, esse verniz elitista que nós tivemos quando mais jovens, fonte de tormento e de orgulho, uniu-nos como irmãos verdadeiramente.
Foi precisamente sendo mais humildes, melhorando e dialogando com as pessoas que crescemos, mais uma vez, juntos e partilhamos conquistas maravilhosas, fizemos amigos, demos a quem não teria outras oportunidades a chance de desenvolver a liderança e a iniciativa sob virtudes puras, materializamos o ideal num trabalho verdadeiramente braçal e que dava tanto prazer que o maior dos esforços era apenas outro passo em direção ao objetivo.
Além de tudo, Daniel também escreve os seus poemas. Tenho de confessar que fui cruel com ele quando ele me mostrou suas primeiras composições. Pelo que me lembro delas, os versos eram muito fantasiosos e não tinham lirismo, pareciam muito desapaixonados e as rimas eram bem ruins também. Isso fez com que o Daniel tomasse medo de mim e ficasse um bom tempo sem me mostrar nada que ele escreve. Há poucos meses, entretanto ele tomou corarem e me mostrou um poema recente que era mesmo bom. É verdade que de início ele não afirmou que era de sua autoria, deixou subentendido, mas enfim, ele tinha medo e não era para menos, fui bem direto naquela primeira crítica e disse frente a frente que era muito ruim.
Sempre tímido e se achando deslocado, Daniel não parece nada com o que é de verdade: um amigo leal, pronto para lutar pelo que acredita, apaixonado pela namorada e envolvido nos seus projetos pessoais com uma garra impressionante.
Só agora que estamos próximos de nos separar é que me dei conta de que nunca tinha refletido mais profundamente sobre essa personalidade tão curiosa que meu amigo tem e o quanto compartilhamos.
Bem, é só um comentário.

quinta-feira, janeiro 13, 2005

Conhaque para acordar

Ontem fez muito frio e eu acordei tremendo. Fui à janela olhar a rua e estranhamente tive a impressão de que tudo esperava aquele olhar de surpresa: surgiram gatos correndo de trás de latas de lixo e bem-te-vis revoando de repente naquele céu cinza escuro e prestes a amanhecer: eram 4:45hs.
Fui à cozinha e do armário retirei uma garrafa de conhaque, sim a famosa composição de água-ardente com gengibre num copo ordinário e novamente aquele olhar sobre a rua e o horizonte pouco acima dela.
De repente foram surgindo luzes novas e eu reparei nas flores no quintal da minha vizinha, hortências e margaridas e uma multidão de insetos que transitava: tudo muito vivo e muito bem disposto naquela quase manhã.
Vivo dentro de mim esse conflito sobre tudo... e goles de conhaque para diluir esses pensamentos, no fim eles ficam engraçados e eu arrisco um riso, como um patético espantalho que contempla o milharal com aquele sorriso e cara pintados com graxa, eu sorri também para assustar alguém.
O dia vem construindo-se devagar, vem nascendo o sol, a claridade aumenta, mais pássaros, os primeiros trabalhadores que acordaram às 4:30hs vão indo para sua labuta com satisfação de contemplar aquele espetáculo que é para poucos.
Lindo dia, inspiro aquele ar frio de quase manhã como inspirando a vontade maior de beijá-la, e tenho dentro de mim esse pouco ar preso por alguns segundos com a mesma persistência que tenho em querê-la tão bem e no fim expiro do peito essa respiração como que descansado por saber que ela está melhor. Novo dia, novo suspiro, nosso sorriso, cães em matilha por uma fêmea no cio, a vida segue independente de qualquer objeção raivosa.
Volto à cama, agora aquecido pela bebida e pelos pensamentos vagando pelas grutas mais secretas e fundas das minhas reflexões descontraio todo o corpo, e nesse exercício mental faço séries ininterruptas e seguidas com carga cada vez maior e maior interesse, mas sempre me escapa essa razão de não ficar para sempre a madrugada intacta.

quarta-feira, janeiro 12, 2005

Mais uma canção

Acontece sempre de um jeito parecido essa história de apaixonar-se. Um sorriso torna-se rapidamente uma afinidade natural e aflora daquilo a percepção de que aquele mistério é algo quase transcedental às coisas ordinárias: é mais uma canção.
Tantos suspiros depois, tantas afindades e tanto carinho, o capricho de negar: 'não, não é nada disso', 'acho que está tudo fora de lugar', 'sim, mas se não fosse por isso, até que seria bom'. E sobrevivendo à toda sorte de execuções prematuras, vem a paixão.
Como um gatinho novo que chega à casa e pára na sala olhando com seu olhar fluorescente para as pessoas no sofá apenas virando a cabeça e em seguida segue o percurso.
Sim, como um gatinho é a nova paixão. Aninha-se no pensamento qual um gatinho no colo e o maior prazer do mundo é alisar suas costas, acariciar as orelhas e dar beijinhos que o fazem se contorcer de estranheza com tanto afeto.
Nos seus pulos instantes de aventura e suspense, nas curiosidades e atropelos grandes risadas, na sua luta contra um mosquito gargalhadas ininterruptas: ele é tão inocente e tão sincero.
Um gatinho que se deita preguiçosamente no canto do sofá dormindo aquele sono de quem sabe que é amado, e ele sabe tão bem que antes de dormir olha pra mim e parece dizer que vai dormir um pouco, que é para não me preocupar que ele vai sonhar comigo e que o coração dele está calmo.
Sim, seu coração calmo. Bizarramente na paixão os corações batem no mesmo ritmo. Bizarramente a alteração de batimento de um é a do outro mas normalmente ninguém confessa isso. Imagine o seu terror diante de um bulldog na rua, um desses monstros instintivos e sem nenhuma compaixão com um pequeno gatinho! Pois é a minha mesma aflição por ele.
Esse gatinho tão doce, que toma seu leitinho sossegadamente de manhã é tão atencioso aos detalhes! Repara nas vírgulas, nas exclamações, vê sem precisar de muito estímulo quando as coisas não estão bem e depois dispõe seus olhinhos imensos pra dizer 'isso passa, não se preocupe'.
Eu olho dentro daqueles olhos refletindo fluorescentes alguma luz da noite e, como que num espctro sobrenatural que muda o desfecho combinado, vejo tudo de um jeito diferente... e dependente, ao som de mais essa canção.

terça-feira, janeiro 11, 2005

Do alto das Américas

No alto do pico Aconcágua, na Argentina, ponto mais alto das Américas com quase 7.000 metros de altitude, morreu no último fim de semana o dentista Eduardo Silva, de 40 anos. Eduardo escalava o pico aconcágua com sua mulher, a jornalista Rita Bragatto, de 34 anos.
Profissionais liberais afetos à aventura e à emoção, alcançaram o topo das Américas no quinta-feira à noite.
Depois de terem atingido o pico na quinta-feira às 23 horas, perceberam sinais de congelamento, e decidiram descansar, descendo 200 metros até um local conhecido como 'canaleta'. Lá montaram a barraca e Eduardo, percebendo que a mulher estava em choque, abraçou-a e tentou reanimá-la por toda a madrugada, partilhando o calor do seu corpo.
Ela com certeza nunca se lembrará das palavras que ele disse naquela noite, visto que estava em estado de choque, mas imagino que foram palavras de fé, de esperança, quem sabe uma prece a Deus.
Eles que eram casados há mais de 10 anos tinham a vida em risco e com certeza Eduardo sabia que as condições não eram nada favoráveis.
Na manhã de sexta-feira os brasileiros foram encontrados por um guia norueguês e resgatados pela equipe de salvamento, Eduardo entretanto veio a falecer pouco depois.
Segundo os médicos, Rita também teria morrido se não fosse o socorro do marido que expôs-se para salvá-la, debilitando seu estado de saúde.

segunda-feira, janeiro 10, 2005

Salame cozido com água e sal

Aos 59 anos morreu antes do natal meu vizinho Juarez. Sabendo da notícia apenas há poucos dias, eu rezei um pai nosso pela sua alma e pensei em como deve ter sido traumática a sua partida.
Inquilino do meu pai por 20 anos, eu cresci indo à sua banca de jornais e revistas e comprando ali muito da cultura infantil que eu consumi, gibis principalmente.
Sempre muito discreto, Juarez nunca se casou, era um solteirão convicto que adorava freqüentar prostíbulos e voltar pra casa à pé.
Levando a vida de uma maneira simples e sem preocupações, era comum ouvir dos demais vizinhos: 'o que eu mais queria era uma vida igual a do Juarez' e essa era uma afirmação corrente, ouvia-se pra cima e pra baixo, tornando esse homem quase uma lenda.
Bom bebedor de água-ardente, trazia consigo um violão muito bem afinado e uma voz grave que transformava-se rapaidamente em aguda se a canção lhe pedia. Lembro-me de uma vez que compôs para o partido que venceu as eleições municipais um hino de vitória muito engraçado que obviamente era humilhante para o lado contrário e que caiu no gosto popular virando referência de sua personalidade: "Olha lá Nanando", muito bem tocado por ele não deixava nenhum cidadão indiferente.
Mas numa dessas, no cenário ideal para o fim de um homem como ele, cambaleou e virou os olhos sentado à mesa de um bar, subtamente afligido por um ataque cardíaco. Levado para o hospital, não resistiu, vindo a morrer dessa maneira abrupta. Os vizinhos, inclindo minha mãe, já vinham comentando que ele estava muito vermelho e isso talvez fosse pelo fato de estar com algum problema de saúde que agora sabemos: tinha as artérias entupidas.
Morto num sábado às 10:40hs da noite, coube aos seus vizinhos cuidar dos procedimentos fúnebres e o senhor Cloves Botelho tirou do bolso das calças do defundo a chave de sua casa. Lá chegando, encontrou um ambiente nojento: uma sujeira imensa por todo canto, na cozinha uma única palena com um pedaço de salame cozido com água e sal, no quarto uma única peça de roupa: uma bermuda e nada mais. Aquela visão absurda mostrou muito bem que Juarez vivia mal na sua solidão e a bebida era uma boa amiga contra pensamentos ruins.
Cloves voltou ao hospital com roupas suas e vestiu o cadáver. Os parentes contatados só chegariam 2 horas mais tarde, já que moravam na cidade vizinha.
Naquele velório da sala de necrotério do hospital, ele relatava sua expedição aos amigos e demais vizinhos, inclusive à minha mãe que me reportou a estória. Cloves, incorporando o inconsciente coletivo arrematou olhando para o morto: "e eu que invejava a vida do Juarez!"

sexta-feira, janeiro 07, 2005

O melhor do mundo

Tão querida a minha menina. Abraçava-me cheia de estrelinhas no cabelo, com aquele perfume sempre tão sutil que serve bem pra dizer que ela está la.
A cada dois dias ela toma seu banho às 6 da manhã pra ir para o seu plantão de 48hs na residência. Vê menininhos tão lindos queimados, mães explicando que o filho caiu da escada, enfermeiras namorando no almocharifado: entre maços de algodão e seringas descartáveis uns beijos maravilhosos, cheios de paixão.
Cuida dos seus doentinhos como se cuidasse de mim! Olha a evolução de cada um e pergunta se sentem-se bem com aquele sorriso que ilumina o mundo inteiro, com certeza eles melhoram sensivelmente logo depois, tantas vezes funcionou comigo, por que não funcionaria com eles?
Nas olheiras dela de tanta paixão por essa profissão tão cheia de desapego e tão plena de exigências contra a vida particular de seus exercentes, vejo esse tempo todo em que não falamos, acho que meses...
Eu sempre penso nela, como que cumprindo um ritual de abertura de uma cerimônia de fantasia, como que entrando no mundo do fantástico e do absurdo onde a memória prefere a sinuosa certeza de que ela é outra agora e eu também sou outro. Assim eu inverto o mundo inteiro e penso em como o namorado dela consegue corresponder aquele amor todo... inexplicável, sinceramente, gasto horas inteiras pensando na felicidade que esse rapaz tem nas mãos e em como ele provavelmente é só mais um filho de burguês, com seu carro e sua mulher linda e promissora pra exibir... inveja minha? Nem por isso, sei que para amá-la seria preciso uma sensibilidade maior e se ele a tivesse ela teria comentado comigo, fatalmente.
Invariavelmente, lembro-me em como a tristeza dela agora ganhou uma dimensão de angústia em mim. Penso nas horas de solidão no hospital, nos pensamentos vagos sobre seus desejos secretos, no pânico de encarar a tristeza da vida e de saber a verdade. Imagino suas mãos espremendo seus joelhos quando ela suspira e põe pra dentro do peito essa espera sem fim de encontrar um pouquinho de paz que seja, sobrando desavisada perto do banheiro do quarto.
Tão linda a minha amiga. Tem uma beleza tão tranqüila, um riso tão cheio de infância e de romantismo que quase me apaixono por ela.
Naquele céu de baunilha de inverno eu a abracei pela última vez, como entregando nos braços do mundo a amiga por quem tenho tanto carinho, naquele segundo muito da minha esperança foi desossada e partiu com ela.
Nesse exato instante sei que o coração dela bate bem devagar, perdida num banho de 80 minutos, calada frente a um prato de sopa que esfria, inerte na cama a ver o teto, ou sonâmbula nos corredores de casa pedindo água e abrigo!
Quero o melhor do mundo para ela, mas é que ainda não amanheceu completamente. Não há luz suficiente pra ir viver e sorrir lá fora.

quarta-feira, janeiro 05, 2005

Pragmatismo

Não há porquê evitar perguntas e respostas necessárias quando o coração decide bater mais rápido. Precisamente ser franco e pragmático encurta caminhos, seja por bem, seja por mal.
O caso é que no pragmatismo por vezes vai muito juízo de valor, ou seja, a franqueza pragmática é encarada como um desabafo nunca agradável.
Tenho lido poemas encantadores nesses últimos dias de uma garota portuguesa. Um talento, sem dúvida. Versinhos tão carinhosos que lembram os meus nos melhores momentos de poesia que tive. Docemente ela levanta bem alto seu romantismo e mergulha num mundo de imagens inteligentes e envolventes que parecem interagir com o leitor. Às vezes ela imagina um verso rimado e o espantoso é que a graça da composição toda cresce muito. Eu queria muito alertá-la, dizer a ela 'não faz isso', 'dá meia volta', mas minha sede daqueles versinhos dela não deixam.
Pragmaticamente, ela terá uma vida de frustração e tristeza, como todas as suas antecessoras. Levando em conta a história de vida de Florbela Espanca e de como as duas projetam suas expectativas nos versos. Não que toda poetisa lusitana seja uma potencial Florbela, (infelizmente sob o ponto de vista da qualidade da produção), mas essa menina tem em si um astro que flameja e que iluminou os meus olhos críticos com aquela leveza despretensiosa e completa de beleza.
Lembra muito um encontro de rios a poesia dela. Como as estrofes magicamente se irmanam sem nenhuma obrigação e até quando a técnica impede uma completa interação, no fim dão as mãos e se desculpam com o leitor e eu quase babando sou obrigado a elogiá-la sem qualquer pudor.
Noutro dia, compulsoriamente mostrei um poema dela para a Potes que ficou deslumbrada, com os olhinhos a brilhar e naquele instante eu vi que não estava subvertendo nada. Potes chegou a agrader-me por mostrar-lhe o poema! Fato inédito, admito.
Faço votos que muitos rapazes quebrem o coração dela, francamente. O amor reprime os sentimentos bruscos.

terça-feira, janeiro 04, 2005

Queimando mais alto

Ontem conheci uma colega que passa por mim nos corredores há quase um ano. Apesar de ser uma mulher interessante e bonita, nunca tinha me preocupado em abordá-la visando a cordialidade no trabalho que fosse.
Nas frases curtas e curiosas dela lembrei-me bem depressa que meninas assim falam cifrado, adoram enigmas. Eu, em frases mais longas e não menos curiosas, conduzi amenamente a conversa toda a um bom termo, deixando minha caricata impressão de ser um bom rapaz, evitei convidar para beber qualquer coisa, ainda viva portanto minha antissocialidade.
O prazer de conquistar é imenso, mas quase sempre não vale o esforço. Bom é conquistar o coração da mulher que se ama várias vezes e ver seu amor diferente em cada vez, buscando nos meus olhos o mistério andarilho e pedinte de ser outro noutro dia sem deixar de ser eu mesmo.
E o amor renovado dela queima mais alto e ascende aos céus de poesia o ideal de que foi racionalizado, na minha esperança pobrezinha e tola.
Percebe-se que o amor é racional quando aos beijos seguem-se sorrisos, mas o mundo ainda gira e nem tudo fica inanimadamente paralisado para assistir ao carinho. Mas também não defendo beijos de olhos abertos, uma descarada demonstração de absoluta falta de paixão, o que o ciúme natural de todo amor não admite sem sofrimento.
Seria absurdo propor um amor racional talvez porque a razão está muito longe do sentimento no mais das vezes quando o sentimento é inflamado. Mas é tão bom abraçar sem projetar naquele abraço uma vida inteira com o peso indestritivelmente bruto de sustentar o sonho alheio de felicidade perene.
Naquele instante perfeito foi o amor quem disse: 'sorria pra mim'. Daí valeu ter de aturar as meninas que fazem dúzias de rodeios, insitando para se fazer entender e enquanto isso tentam claramente seduzir, criando os famosos enredos paralelos. Valeu ter de aturar tanto sorriso forçado e outros mais naturais e menos bonitos. Acho que a razão de tantos erros foi fazer do amor presente o melhor de todos, livre de qualquer engano, pronto para ser ainda mais, mais vivo que os vivos desejos dele.
Grito junto com o Belchior: 'eu quero é que esse canto torto feito faca corte a carne de vocês!'.

segunda-feira, janeiro 03, 2005

Existe açúcar

Hoje muitos maldizem a vida enclausurada das freiras, olhando as noviças de longe, mais de uma vez eu mesmo já maldisse o destino de casar com Jesus, privando do matrimônio os rapazinhos apaixonados e essas meninas que tomavam sua vocação com tanta sinceridade e paixão.
Mas essa vida de claustro é também a principal responsável por algumas das mais fascinantes delícias deste mundo.
As freiras reclusas em Portugal durante centenas de anos desenvolveram as receitas dos doces mais apetitosos que se tem notícia. Pastel de belém, arroz dos anjos, colchão de noiva, gargantas de freira, Pudim de Ovos dos Frades do Convento de Alcobaça!
Quantos minutos de prazer indescritível essas freiras enclausuradas não proporcionaram através de suas receitas geniais!
Pois ao menos sobrou-lhes o açucar, a satisfação do paladar. Imagino muitas vezes como teriam feito misturas que antes imaginaram fantasiosamente: 'ai Jesus, como deve ser saboroso se misturar aos figos cozidos o açúcar queimado desse modo e depois cortá-los juntos para servirem de recheio a um fino pastelzinho de nata!'. E depois do orgulho que sentiram com sua descoberta fabulosa: 'Ora, não foi nada, credito o mérito à inspiração divina!', então o determinismo divino também explicaria os insucessos: 'não era pra ser desta maneira, temos de alterar alguns ingredientes'.
Sim, existe açúcar e não venha argumentar quem já tenha provado uma espetacular rabanada no natal! O sabor serve para remediar as tristezas, as privações, os dissabores...
Algumas meninas ganham peso muito por culpa dessa qualidade dos doces de liberar endorfinas de prazer, pois são sua fonte muitas vezes única. O vazio de seus olhares por alguns minutos desapararece para assumir a forma de um brilho especial que trazem também as amadas, mas pouco depois de devorado o docinho volta-se ao ponto de partida.
Então vamos lá: 4 ovos, 14 gemas, meio quilo de açúcar, uma chícara de café de mel, 4 colheres de sopa de manteiga e muita disposição! Leva-se o açúcar ao lume com 2,5 litro de água e deixa-se ferver até fazer ponto de pasta, uma pasta luminosa. Entretanto, misturam-se, sem bater, os ovos inteiros com as gemas. Deixa-se o açúcar arrefecer um pouco e juntam-se os ovos. Mistura-se tudo e deita-se numa forma de buraco no meio muito bem untada com manteiga, mas manteiga feita em casa que unta bem melhor e não corrompe o sabor. Tapa-se e leva-se a cozer no forno em banho-maria durante 1hora ou um pouco mais. Atenção ao fogo, se a brandura falhar, pagar-se-á caro pela brutalidade! Verifica-se a cozedura espetando um palito, o qual deverá sair húmido, mas limpo, nisso percebe-se que o ponto é o ideal é o do desprendimento. Deixa-se arrefecer e desenforma-se, tomando cuidado para que não perca a forma. E assim, temos um pudim, noutro dia uma torta, noutro beijinhos, mas sempre feitos de açúcar.
Santas mulheres as freiras enclausuradas que criando os docinhos imaginaram uma doçura ideal e perfeita, viva e vibrante no seu imaginário, mas que nunca receberam.