Hoje muitos maldizem a vida enclausurada das freiras, olhando as noviças de longe, mais de uma vez eu mesmo já maldisse o destino de casar com Jesus, privando do matrimônio os rapazinhos apaixonados e essas meninas que tomavam sua vocação com tanta sinceridade e paixão.
Mas essa vida de claustro é também a principal responsável por algumas das mais fascinantes delícias deste mundo.
As freiras reclusas em Portugal durante centenas de anos desenvolveram as receitas dos doces mais apetitosos que se tem notícia. Pastel de belém, arroz dos anjos, colchão de noiva, gargantas de freira, Pudim de Ovos dos Frades do Convento de Alcobaça!
Quantos minutos de prazer indescritível essas freiras enclausuradas não proporcionaram através de suas receitas geniais!
Pois ao menos sobrou-lhes o açucar, a satisfação do paladar. Imagino muitas vezes como teriam feito misturas que antes imaginaram fantasiosamente: 'ai Jesus, como deve ser saboroso se misturar aos figos cozidos o açúcar queimado desse modo e depois cortá-los juntos para servirem de recheio a um fino pastelzinho de nata!'. E depois do orgulho que sentiram com sua descoberta fabulosa: 'Ora, não foi nada, credito o mérito à inspiração divina!', então o determinismo divino também explicaria os insucessos: 'não era pra ser desta maneira, temos de alterar alguns ingredientes'.
Sim, existe açúcar e não venha argumentar quem já tenha provado uma espetacular rabanada no natal! O sabor serve para remediar as tristezas, as privações, os dissabores...
Algumas meninas ganham peso muito por culpa dessa qualidade dos doces de liberar endorfinas de prazer, pois são sua fonte muitas vezes única. O vazio de seus olhares por alguns minutos desapararece para assumir a forma de um brilho especial que trazem também as amadas, mas pouco depois de devorado o docinho volta-se ao ponto de partida.
Então vamos lá: 4 ovos, 14 gemas, meio quilo de açúcar, uma chícara de café de mel, 4 colheres de sopa de manteiga e muita disposição! Leva-se o açúcar ao lume com 2,5 litro de água e deixa-se ferver até fazer ponto de pasta, uma pasta luminosa. Entretanto, misturam-se, sem bater, os ovos inteiros com as gemas. Deixa-se o açúcar arrefecer um pouco e juntam-se os ovos. Mistura-se tudo e deita-se numa forma de buraco no meio muito bem untada com manteiga, mas manteiga feita em casa que unta bem melhor e não corrompe o sabor. Tapa-se e leva-se a cozer no forno em banho-maria durante 1hora ou um pouco mais. Atenção ao fogo, se a brandura falhar, pagar-se-á caro pela brutalidade! Verifica-se a cozedura espetando um palito, o qual deverá sair húmido, mas limpo, nisso percebe-se que o ponto é o ideal é o do desprendimento. Deixa-se arrefecer e desenforma-se, tomando cuidado para que não perca a forma. E assim, temos um pudim, noutro dia uma torta, noutro beijinhos, mas sempre feitos de açúcar.
Santas mulheres as freiras enclausuradas que criando os docinhos imaginaram uma doçura ideal e perfeita, viva e vibrante no seu imaginário, mas que nunca receberam.