sexta-feira, janeiro 14, 2005

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Numa pintura do século XIX, sim, um quadro de Monet, está bem descrita a imagem de Daniel.
Medindo 1,80 e pesando quase 90 quilos, esse rapaz de 24 anos, bacharel em Direito tem tristes e pequenos olhos verdes.
Hoje ele já se desfez daqueles horríveis óculos garrafais com aquelas armações pretas e grossas que faziam a sua expressão ainda mais carregada e fazia a corrente sugestão de que ele estava mascarado. Sim, as lentes de contato são mais confortáveis e não machucam o nariz, nem as orelhas, mas não muda o fato de que o mundo continua bem diferente do que ele vê.
Daniel quer o melhor para todos, o bem comum. Seu idealismo é tão maduro e tão determinado que não é nem admitido. Sei muito bem que a vontade de tornar melhor está lá com ele nas manhãs em que se levanta ávido de leitura, ávido de pensar, de ver noticiário, e essa gana, um verdadeiro 'vício virtuoso', não é sequer percebida, mas existe forte.
Mais de uma vez senti as mesmas angústias que ele. Dramas comuns, já que somos muito parecidos nesses aspectos. Angústias sobre ter de corresponder às expectativas dos outros, sim isso sempre foi o pior. "Como você é inteligente". Acho que nem todo mundo compreende como isso significa quase um chingamento para uma criança que é realmente inteligente, isso porque ela sabe que aquilo significa também "não seja um paspalho e me desaponte, continue parecendo inteligente, é o que eu espero de você". Outra angústia nossa na adolescência era a de agüentar e respeitar gente estúpida e vulgar. Quase todas as agressões que sofríamos era porque não suportávamos conversas plenas de idéias vulgares. "Intelectual não gosta de pagode?!" Claro que não, isso é subcultura da pior espécie e dá dor de ouvido também.
Enfim, esse verniz elitista que nós tivemos quando mais jovens, fonte de tormento e de orgulho, uniu-nos como irmãos verdadeiramente.
Foi precisamente sendo mais humildes, melhorando e dialogando com as pessoas que crescemos, mais uma vez, juntos e partilhamos conquistas maravilhosas, fizemos amigos, demos a quem não teria outras oportunidades a chance de desenvolver a liderança e a iniciativa sob virtudes puras, materializamos o ideal num trabalho verdadeiramente braçal e que dava tanto prazer que o maior dos esforços era apenas outro passo em direção ao objetivo.
Além de tudo, Daniel também escreve os seus poemas. Tenho de confessar que fui cruel com ele quando ele me mostrou suas primeiras composições. Pelo que me lembro delas, os versos eram muito fantasiosos e não tinham lirismo, pareciam muito desapaixonados e as rimas eram bem ruins também. Isso fez com que o Daniel tomasse medo de mim e ficasse um bom tempo sem me mostrar nada que ele escreve. Há poucos meses, entretanto ele tomou corarem e me mostrou um poema recente que era mesmo bom. É verdade que de início ele não afirmou que era de sua autoria, deixou subentendido, mas enfim, ele tinha medo e não era para menos, fui bem direto naquela primeira crítica e disse frente a frente que era muito ruim.
Sempre tímido e se achando deslocado, Daniel não parece nada com o que é de verdade: um amigo leal, pronto para lutar pelo que acredita, apaixonado pela namorada e envolvido nos seus projetos pessoais com uma garra impressionante.
Só agora que estamos próximos de nos separar é que me dei conta de que nunca tinha refletido mais profundamente sobre essa personalidade tão curiosa que meu amigo tem e o quanto compartilhamos.
Bem, é só um comentário.