Ontem fez muito frio e eu acordei tremendo. Fui à janela olhar a rua e estranhamente tive a impressão de que tudo esperava aquele olhar de surpresa: surgiram gatos correndo de trás de latas de lixo e bem-te-vis revoando de repente naquele céu cinza escuro e prestes a amanhecer: eram 4:45hs.
Fui à cozinha e do armário retirei uma garrafa de conhaque, sim a famosa composição de água-ardente com gengibre num copo ordinário e novamente aquele olhar sobre a rua e o horizonte pouco acima dela.
De repente foram surgindo luzes novas e eu reparei nas flores no quintal da minha vizinha, hortências e margaridas e uma multidão de insetos que transitava: tudo muito vivo e muito bem disposto naquela quase manhã.
Vivo dentro de mim esse conflito sobre tudo... e goles de conhaque para diluir esses pensamentos, no fim eles ficam engraçados e eu arrisco um riso, como um patético espantalho que contempla o milharal com aquele sorriso e cara pintados com graxa, eu sorri também para assustar alguém.
O dia vem construindo-se devagar, vem nascendo o sol, a claridade aumenta, mais pássaros, os primeiros trabalhadores que acordaram às 4:30hs vão indo para sua labuta com satisfação de contemplar aquele espetáculo que é para poucos.
Lindo dia, inspiro aquele ar frio de quase manhã como inspirando a vontade maior de beijá-la, e tenho dentro de mim esse pouco ar preso por alguns segundos com a mesma persistência que tenho em querê-la tão bem e no fim expiro do peito essa respiração como que descansado por saber que ela está melhor. Novo dia, novo suspiro, nosso sorriso, cães em matilha por uma fêmea no cio, a vida segue independente de qualquer objeção raivosa.
Volto à cama, agora aquecido pela bebida e pelos pensamentos vagando pelas grutas mais secretas e fundas das minhas reflexões descontraio todo o corpo, e nesse exercício mental faço séries ininterruptas e seguidas com carga cada vez maior e maior interesse, mas sempre me escapa essa razão de não ficar para sempre a madrugada intacta.