segunda-feira, janeiro 31, 2005

Para viver um grande amor

Nesse fim de semana recebi uma notícia triste sobre meu exemplar de um dos livros que tenho maior estima, o 'Para viver um grande amor' de Vinicius de Moraes.
Sentindo saudades imensas do livro que comprei na adolescência e emoldurou os sonhos que eu tinha, resolvi cobrá-lo de volta da pessoa para quem o emprestei voluntariamente: uma amiga que precisava muito dele. Há um ano e meio deixei com ela o meu 'companheiro', na esperança de confortá-la pelas saudades do seu amor, no fogo maior de uma paixão. Acreditava que estava em boas mãos, mas a realidade não foi essa, bom ao menos houve um desencontro: eu esclareço. Minha amiga achou que eu tinha lhe dado o livro, mas lembro-me bem de ter dito: "fica então com o 'companheiro' para não sentires tantas saudades". Ela por isso entendeu um presente e certo dia na sala de aula, na classe de literatura brasileira, a professora a viu lendo e pediu emprestado, daí já pode-se concluir o que aconteceu e o motivo do meu aborrecimento. Ela emprestou o livro para sua professora e essa uma, muito gentilmente, não lhe devolveu. Da professora sabe-se que foi fazer o curso de mestrado no estado de Santa Catarina. Moral da história: fiquei sem meu 'Para viver um grande amor', sem dúvida, o melhor livro de Vinicius.
Mas não vou me deixar dominar pela frustração contra minha amiga ingrata e sua desídia para com meu livro, quiçá talvez pior foi a atitude de sua professora igualmente desidiosa, mas que não tem a interpretação de doação a favorecer-lhe.
Faço essa birra toda porque trata-se de um livro único e insubstituível para qualquer adolescente apaixonado. Eu tinha uma relação de cumplicidade com o Vinicius através desse seu livro e conhecia muito bem cada página. Tinha por hábito, no início da paixão, Mergulhar efusivamente no poema 'Teu nome' e mudar o verso que daria na última rima para adequar ao nome da namorada, e conforme mudava a namorada o novo desafio era achar o verso certo! Depois, com um sentimento mais profundo, lia 'Um beijo' e meditava sobre a benesse de amar em comparação à tristeza do mundo inteiro e enchia o peito de ideal e desprendimento. Nas crônicas, como na 'Namorados públicos', 'Química orgânica' ou mesmo na que deu título ao livro, mergulhava na elegância de cada parágrafo, na composição inteira como algo sempre gentil e cheio de convicção que fazia meu coração mais feliz.
Melhor é imaginar de outra maneira, no prazer que é doar. Tenho nesses pensamentos de generosidade um conforto ao fato de perder o livro que tive em minhas mãos todas as vezes em que me apaixonei e procurei ingenuamente nas suas páginas versos e razões pra ir adiante com tudo aquilo e ainda fui imensamente feliz debulhando cada poema e crônica.
Imagino minha amiga quando chegou em casa e cada vez que abriu esse livro e pensou em mim e na minha generosidade, em como o nosso afeto foi multiplicado pelo fato dela ter consigo que era mesmo parte da minha alma... sim, isso tem mais valor. De quebra ainda posso supor que a sua professora vai escrever uma dissertação defendendo a genialidade da inequivocamente ilustrada obra do poeta maior com base naquele livro. Sim, isso é bom de imaginar.
Agora que sei perdido meu livro na distante Santa Catarina, conforto-me por tê-lo tido no momento certo, por tê-lo lido e me apaixonado tantas vezes tendo esse livro debaixo do braço. Não é bom mesmo ser egoísta. O poeta não gostaria disso. Fatalmente outros adolescentes acharão aquele livro e viverão o que eu vivi com ele e os donos anteriores também cada qual a seu modo. Afinal, o amor sempre continua.