sexta-feira, outubro 30, 2009

C'est bien loin tout ça

Enquanto os jornais de Coimbra criticam o cortejo da latada desse ano pela falta de consistência, perdendo folhas de papel com esses apontamentos ingratos, soube a mim, como a muitos outros, se calhar, um gosto de nostalgia demasiado forte para qualquer observação agressiva.
Já não tive ao meu lado os meus colegas tão queridos, cuja ausência nesse ano ressona tão alto nos meus ouvidos e salta para cima dos meus olhos em momentos como esse.
Daquela vez no ano passado tínhamos corrido as ruas com um grupo de estudantes do segundo ano do curso de direito para arranjar-lhes uns nabos para seus caloiros. Logo passadas umas horas, éramos já nós os que trincavam o legume. Como um rio de carrinhos de supermercado, caloiros de meias-calça rasgadas e sutiens e doutores desbatinados, fomos chegando à baixa para, por fim, dar o banho do baptismo aos novos estudantes, passavam a ser de cá de Coimbra então, se calhar também nós passamos a ser.
Embora houvesse em tudo semelhança, e talvez, é possível, alguma superioridade ao desfile anterior, já não pareceu tão engraçado. A mim faltou-lhe aquela despreocupação para me entreter e sorrir, já agora há tanto por fazer!
De todo jeito o meu coração foi muito alegre nos instantes que lá estive, do que sem nenhum exagero é o meu dia favorito em Coimbra em todo o ano, o do cortejo da latada. E isso explico pelo seguinte: já não há mais eventos como esse, em que o que importa mesmo é a amizade, a integração dos mais velhos e dos mais novos, desprovido de interesse económico. Os concertos no recinto (a preços de 12€ no fim de semana apenas para entrar) infelizmente converteram-se na forma de a Associação Académica de Coimbra fazer bons contratos com as marcas de cerveja e com os que querem lá ter uma lanchonete, para além dos patrocínios dos media e de empresas. Muito há que se dizer desses contratos, tanto nessa altura da latada quanto na da queima das fitas!
De tudo em tudo, o cortejo da latada permanece aquela coisa simples e feita em casa, sem grandes pretensões, embora extremamente bonito e sincero, pleno de alegria e movido cidade abaixo, rumo ao Mondego, pelo coração uníssono de todos os estudantes.

quarta-feira, outubro 14, 2009

Devagar para não faltar amor

Em meio às confusões do início do ano académico, contribuiu para o convívio dos colegas do ano passado a conferência sobre a suprema corte de Israel. Interessante não seria o termo. Digamos que a conferência em si foi informativa e que ri uma ou duas vezes do sotaque do palestrante, magistrado dessa corte.
Mais a mais, aquilo era uma boa centena e meia de alunos da licenciatura, meio sem perceber aquele inglês internacional, meio distraídos em olhar uns pros outros e ninguém de facto muito interessado na imparcialidade da corte maior do estado judeu. Por acaso não vi lá o Francisco, a quem a palestra teria interessado para além do aspecto puramente académico, digamos.
Uns lá, a se fazerem de bravos, levantavam grandes argumentos sobre o tratamento isonómico de todos os cidadãos israelenses, judeus ou não, outros a baterem-se pelo sagrado direito de defesa do estado judeu para justificar acções abusivas contra uma população palestina desarmada e miserável... Se algum dia fechei fileiras com esses, já não é mais assim, não vou mais por esse caminho. É tolice.
Não digo que seja tolice defender uma ideia com ardor, bater-se por ela, querer vê-la ganhar corpo nos corações e mentes dos outros. Se for um propósito digno e justo, ora que belo sentido para se dar à vida! Muito melhor do que viver de maneira leviana e consumista, ao capricho das aparências e dos modelos de carros.
O que acho que não cabe bem é levantar-se para ocupar o silêncio com a voz no sentido de querer ganhar uma atenção fácil e desmerecida... Nesses empenhos, nenhum proveito é colhido pelo ouvinte. Talvez iludido por alguma bela palavra, algum artifício de linguagem, deixa-se levar pelos primeiros minutos, vai confiando por algum desejo secreto de satisfazer a curiosidade de que aquilo faz sentido ou vai dar a algum lado. Não, nem por isso. As pessoas apenas cometem esses crimes contra o silêncio por amor a si mesmas, querem atenção, querem ser notadas, querem os elogios, os olhares, a confirmação de que sua existência tem propósito e sentido. Que débeis criaturas somos nós quando nos deixamos levar pelos valores errados!
Já agora é melhor ir devagar. Ouvir e calar. Não por medo acovardado em levantar a voz, mas simplesmente porque não vale a pena dar combate à bravata e à estupidez. Ambas arruinam-se no seu triste labirinto de véus de vaidade, cansam-se uma da outra e apunhalam-se mutuamente em traição.
Confio, assim, que um caminho de discrição e pouco riso (quando possível, pois é muito difícil) reserva mais doçura, mais proveito para o aprendizado e, certamente, amor para não faltar nunca a ninguém que o mereça.

quarta-feira, outubro 07, 2009

Fim da terra

Como um lento reflexo a se compor sobre a superfície do mar, o dulcíssimo marejar fez vir uma sensação de sentido e de receio que esmiuçava-se no calor.
Desde então - que grande sorriso maroto! - o verão foi doce e pleno.
A visita à Galiza, especialmente ao cabo Finisterra, foi apenas a precursora das indizíveis aventuras desta estação dos suores e das noites curtas...
Umas tantas músicas dos anos 80, bem lamechas, para o fim de tarde a voltar pra casa. Quantas outras passagens não recordam o mesmo sincero beijo? O tempo corre mais depressa desde que se decide pela vida...
Mas agora, sobre a secretária já cobram atenção umas poucas notas que remetem a telefonemas e compromissos para essas primeiras semanas do outono. Logo avoluma-se o trabalho, enche-se os dias com horizontes outros e pensamentos diferentes, preocupações novas. Um mesmo pulsar no coração, no entanto, alimenta-se de uma força destemida que parece sempre tão legítima que merece sempre um sorriso para si.
Acarinhada gema, nas minhas mãos indefesa e contente, que grande beleza nasce a cada seu sorriso.
E assim também eu nasço de novo a cada dia, estranhamente mais jovem e mais bonito, algo envergonhado por ter a si nesse precioso sítio, talvez, como num contínuo verão, fértil e robusto.
Nada mais afortunado que ter um coração puro.