terça-feira, março 27, 2007

O poema encontrado

Trouxe potentes versos de lirismo e sentimentalidade pensada, a condição de intimidade e de desejo ainda a desprender fumaça, ainda a convocar à sua verdade, a lança afiada contra o meu pescoço: eis o meu poema que encontrei por acaso. Escrito não sei bem quando, tinha me esquecido dele tão completamente que quando li pareceu um alienígena entre os escritos. Estava errado. Não se pode nunca fugir dos próprios versos.
Assim também não fugi dos teus olhos. Nunca me deixaste ir e eu também nunca quis ir de ti. Ficou assim o desejo de amor: à mercê dos factos da vida, sendo cruelmente objecto de comparação com outros valores... posto à balança como um pedaço de carne embalada no plástico - no mais cretino dos julgamentos não há culpado nenhum... há contingências que nos pedem respostas e temos de dá-las.
Vagando pela magnífica constelação que se encarnou nos teus olhos, eu conheci os mundos que criaste na tua ternura, tornei-me o teu sol para aquecer e iluminar e não me intimidei com a responsabilidade, não vale ter timidez quando a esfinge lança o enigma.
Assim percebeste os meus sonhos, as minhas aflições, beijaste-me pelo minuto que vale a vida e encaixaste o teu corpo morno como parte do mundo material que se comunica com meus pensamentos: enfim era gente de novo, tinha de novo propósito, via no mundo alegria e queria dar-te tudo. Da minha vez também percebi bem os teus sonhos de menina e amarguei como minhas as tuas aflições querendo apaixonadamente para mim as farpas que rasgariam a tua carne, sem saber das tantas que a minha ausência lhe impingiria, sem nunca mencionar as dores de saber-me de alguma maneira o teu algoz.
Cresceste em mim, pequena flor cheia de perfume, com o rubror da paixão. Floreceste quando eu disse que te amava e quando o meu abraço conseguiu guardar-te inteira.
Tu me guardaste entre as tuas coisas queridas. Eu morei ali muito bem, lutando para nunca te ferir com a minha indissociável solidão e tu magistralmente me respeitaste como nenhuma outra. Permitiste que eu calasse o meu remorso e a minha saudade inúteis, deste-me o teu amor sem pedir confidências e naturalmente dei-te o meu.
Vivemos assim nossa cândida troca de afinidades, de mínimas impressões, da minha condução e da tua obediência, da alegria simples pelas coisas mais simples... da infinita complacência que sempre houve entre nós, amiga minha. Com que lealdade eu te preferi à qualquer outra...
Eis então que encontro o poema, como um cálice que transborda, ele não se contém... das profundezas de onde eu quis tanto tê-lo destruído - a tola esperança de querer ver algum sentido na ausência, na saudade e na separação - ele surgiu para substituir a língua vulgar que se fala nas esquinas e dizer-nos em verso.
Desconsolo, angústia, medo... não há porquê destes sentimentos agora. Não é preciso martirizar o pensamento com perguntas hipotéticas, nem recorrer à saídas fugidias que não levam a lugar nenhum... é preciso querer um coração calmo e disposto à humildade para que tudo não seja ainda mais difícil, para que saibamos que caminho tomar, para decidirmos juntos.
De qualquer forma, o amor sempre fica, como ficam os nossos sorrisos na memória e é assim que quero-te sempre... amada.

terça-feira, março 20, 2007

Não foi em vão

A minha prima Elza devolveu-me o meu volume do "Romanceiro da Inconfidência", de Cecília Meireles, para minha grande alegria. Não que a Elzinha fosse ficar com o livro para sempre, claro que não, mas é bom rever os amigos e esse um é um amigo e tanto.
Assim se lê contra-capa: "é um dos mais belos livros de poesia da literatura brasileira. Seus admiraráveis versos, dotados de tanta densidade dramática, fazem dele um poema de poderoso sentido coletivo. Desentranhado da história e regado pela sensibilidade apurada de Cecília Meireles." Bem, depois duma descrição dessas ficava difícil não comprar o livro! Se bem que do que é seu não se fala mal, mas mesmo assim sabia que o auto-elogio não era pra vender, era pra valer mesmo.
Em consideração ao tema, é sempre bonito ler boa leitura sobre a Inconfidência Mineira, tema pelo qual tenho mto carinho, afinal, foi uma revolução que se deu na minha terra e que lançou luzes para todo o país e para sempre. A lição da coragem contra a tirania, da honra contra a vilania, do herói que fez-se assim sem matar, apenas pela postura de luta pelo ideal, essa povoa o imaginário e os sentimentos do povo mineiro com muita intensidade.
Na poesia fica ainda mais bonita a história do Tiradentes e de seus sequazes na tenaz empreitada de fazer da terra do ouro uma terra independente, assim também é escrachada com mais vigor, a ponto de termos vergonha pelos outros, a traição de Joaquim Silvério, o traidor. Ainda hoje é comum chamar a um traidor de Joaquim Silvério dos Reis, inclusive é uma espécie de grave chingamento, pela sutileza histórica do nome. Os mitos permanecem vivos entre nós e são mesmo a nossa própria identidade.
Imagino a indignação que moveu aqueles homens a ponto de tramarem uma revolução para libertar Minas Gerais de Portugal, o que equivaleria a ter para si todo o ouro que os portugueses levavam com a derrama (a cobrança de 25% de tudo o que era encontrado nas minas), além de terem poder para conduzir com liberdade a política da terra, o que equilvaleria a instaurar a democracia e abolir a escravidão, fazer reforma agrária e promover o conhecimento como valor superior a uma fé fanática, estavam inspirados pelos ideais iluministas que varreram as mentes do mundo de então.
Embuídos de tantos ideias, foram avante encontrar o seu destino e é pena terem sido traídos e impedidos de fazerem real o sonho, era mesmo curioso se Portugal tivesse perdido o Brasil naquela altura, de certeza que as coisas não ficariam muito bem lá no Reino, sempre dependente da riqueza da sua mais abastada colônia. E por aqui era a oportunidade de começarmos mais cedo uma história ditada por nós mesmos, mas não vale lamentar, é preciso ver que os feitos grandiosos são engendrados de tentativas assim: sinceras.
Hoje em dia, deparamo-nos com muita gente que faz as releituras da história e vêem a Inconfidência como uma mentira, mas o dizem por opinões e conclusões infundadas antes de o fazerem pelos factos, o que torna uma tolice, uma grande tolice desacreditar por desacreditar como fazem. Deviam antes ler o "Romanceiro da Inconfidência" e aprenderem que os sonhos valem a vida porque dão sentido a ela, como bem sabiam aqueles que nos deram o nosso país, e por serem de todo coração justos e honestos é que não foram, bem como não são nunca, em vão.

quinta-feira, março 15, 2007

Dia da mulher

Passou-se há pouco o dia da mulher, dia 8 de março. Eu nunca gostei desse dia, não por a mulher não merecer, mas porque acho que é muito pouco um só. Nesse mesmo raciocínio, todos os outros são nossos, são dias do homem, o que serviria apenas para demonstrar um brutal machismo: 364 X 1.
Brincadeiras ocasionais à parte, o 8de março é homenagem às operárias americanas que, por protestarem por condições de trabalho e salário através de uma greve, foram trancadas, portas e também janelas, e queimadas vivas na própria fábrica onde dia a dia despendiam de 12 a 16 horas de labuta para ganharem o pão. Isso no longínquo ano de 1857.
Talvez aí o início de um processo que culminaria na revolução feminina dos anos 1960 e com o alcance de condições iguais entre os sexos.
À parte dessa história política toda, eu curto o dia da mulher porque ele representa o dia em que devemos lembrar com ainda mais carinho de todas as mulheres que fazem parte da nossa vida.
Como eu seria se nunca tivesse tido a candura da minha avó, ou a alegria da minha mãe, ou doçura e compreensão das minhas amigas e namoradas? Não seria o mesmo, com certeza, não sei se mais ou menos sensível ou doce, porque isso é da natureza humana, não de um gênero, mas sem elas eu certamente seria menos feliz, isso não há dúvida.
Alegrei-me da vez que beijei quem me amava de todo coração, e foi também inesquecível quando me abraçaram e choraram sem ter medo do que os outros poderiam pensar ou dizer. Foi a vida propriamente o olhar de amor infinito e dedicação que uma ou duas vezes eu pude ver nos olhos da mulher. É a lembrança que vem fazendo valer todos os sofrimentos o beijo na testa que sempre ganhei da avó por ser bom menino e por ter coragem. É propriamente a minha fé em Deus a certeza dela de que Jesus morreu na cruz para nos salvar e que assim vale respeitar a todos e tentar amar a todos. É propriamente a beleza do mundo o sorriso generoso e sempre jovem da minha mãe, é a semente de toda a minha rigorosa e clássica noção do belo.
Sem amor, sem carinho, sem fé, sem beleza, que triste e duro lugar seria o mundo... e mais, como viver sem o cheiro do cabelo delas, sem a maciez da pele, sem os olhos poderosíssimos a nos atirar torpedos, sem a infinita fragilidade que não deve nunca ser confundida com fraqueza? Impossível considerar.... mas por vezes é a abstinência que nos mostra mais claramente o valor das coisas, daí vale o exercício! Afinal, nem tão irreal assim é essa perspectiva, haja visto a quantidade de mulheres que querem ser homens no comportamento, o que é, para além de feio, muito triste.
Que não seja preciso ficarmos sem as belas, doces, amabilíssimas mulheres que nos fazem ser quem somos para só depois irmos chorar! É por isso que é sempre justo e necessário dar de volta às mulheres tudo que elas nos dão e em nada faltar-lhes, especialmente no amor e na confiança.
Mulheres do mundo: perseverem no carinho, na pureza e na doçura que orbita no seu mito que cá nos cantos perseveramos na crença de um mundo menos bruto, malicioso e hostil.