Trouxe potentes versos de lirismo e sentimentalidade pensada, a condição de intimidade e de desejo ainda a desprender fumaça, ainda a convocar à sua verdade, a lança afiada contra o meu pescoço: eis o meu poema que encontrei por acaso. Escrito não sei bem quando, tinha me esquecido dele tão completamente que quando li pareceu um alienígena entre os escritos. Estava errado. Não se pode nunca fugir dos próprios versos.
Assim também não fugi dos teus olhos. Nunca me deixaste ir e eu também nunca quis ir de ti. Ficou assim o desejo de amor: à mercê dos factos da vida, sendo cruelmente objecto de comparação com outros valores... posto à balança como um pedaço de carne embalada no plástico - no mais cretino dos julgamentos não há culpado nenhum... há contingências que nos pedem respostas e temos de dá-las.
Vagando pela magnífica constelação que se encarnou nos teus olhos, eu conheci os mundos que criaste na tua ternura, tornei-me o teu sol para aquecer e iluminar e não me intimidei com a responsabilidade, não vale ter timidez quando a esfinge lança o enigma.
Assim percebeste os meus sonhos, as minhas aflições, beijaste-me pelo minuto que vale a vida e encaixaste o teu corpo morno como parte do mundo material que se comunica com meus pensamentos: enfim era gente de novo, tinha de novo propósito, via no mundo alegria e queria dar-te tudo. Da minha vez também percebi bem os teus sonhos de menina e amarguei como minhas as tuas aflições querendo apaixonadamente para mim as farpas que rasgariam a tua carne, sem saber das tantas que a minha ausência lhe impingiria, sem nunca mencionar as dores de saber-me de alguma maneira o teu algoz.
Cresceste em mim, pequena flor cheia de perfume, com o rubror da paixão. Floreceste quando eu disse que te amava e quando o meu abraço conseguiu guardar-te inteira.
Tu me guardaste entre as tuas coisas queridas. Eu morei ali muito bem, lutando para nunca te ferir com a minha indissociável solidão e tu magistralmente me respeitaste como nenhuma outra. Permitiste que eu calasse o meu remorso e a minha saudade inúteis, deste-me o teu amor sem pedir confidências e naturalmente dei-te o meu.
Vivemos assim nossa cândida troca de afinidades, de mínimas impressões, da minha condução e da tua obediência, da alegria simples pelas coisas mais simples... da infinita complacência que sempre houve entre nós, amiga minha. Com que lealdade eu te preferi à qualquer outra...
Eis então que encontro o poema, como um cálice que transborda, ele não se contém... das profundezas de onde eu quis tanto tê-lo destruído - a tola esperança de querer ver algum sentido na ausência, na saudade e na separação - ele surgiu para substituir a língua vulgar que se fala nas esquinas e dizer-nos em verso.
Desconsolo, angústia, medo... não há porquê destes sentimentos agora. Não é preciso martirizar o pensamento com perguntas hipotéticas, nem recorrer à saídas fugidias que não levam a lugar nenhum... é preciso querer um coração calmo e disposto à humildade para que tudo não seja ainda mais difícil, para que saibamos que caminho tomar, para decidirmos juntos.
De qualquer forma, o amor sempre fica, como ficam os nossos sorrisos na memória e é assim que quero-te sempre... amada.