sexta-feira, dezembro 29, 2017

Jeito mineiro de amar


Depois de muito tempo em que o verbo esteve no pretérito imperfeito das minhas próprias limitações, volta ao infinitivo do horizonte presente: amar à nossa moda.
Amor que vi nas rútilas ameias nos olhos anciãos dos meus avós, na resignação e na teimosia (cada qual na sua vez) nos olhos dos meus pais, e hei de ver um dia nos verdes olhos de esperança dos meus próprios filhos.
Aqui não há declarações. As palavras valem pouco ou nada quando se trata de um sentimento fundado na própria razão da vida. O que se diz tem de ser com o olhar, e só assim se sabe mesmo se um mineiro ama ou não.
Dá cá a mão - diz o sentimento reservado, a espreitar e a sorrir comedidamente. Anda comigo para além dos grandes arcos da verdade e entra cá para dentro. No âmago daquele ser, um mundo secreto espera pelo visitante que, incauto, distrai-se pelo inusitado do que não vem cá para fora, e deixa de reparar nas pequenas marcas e fissuras que lá dentro fizeram a feição e o temperamento.
O amor mineiro revela-se, portanto, nessa profunda dicotomia entre o sonho e o trágico.
Do alto das suas montanhas, esse puro amor quer proteger e amparar. Os ódios e as injustiças do mundo não são para ele formas naturais, mas sim produtos de sentimentos menores reservados para os cantos escuros da vida e, assim, incapazes de interferir no seu trajeto sobranceiro, a indicar o rumo da vida. Ama com grande liberdade e profundidade: em toda a extensão do seu peito há um nome tatuado no lado de dentro, escrito pelo bater do seu coração apaixonado. Na sua imensa ilusão, dá pancadas torpes e fortes, marcando fundo o seu sonho, exigindo partilhar o seu encantamento pela beleza do mundo, ou morrer de amor.
Do fundo dos brejos das almas, onde a sua ambição comanda e o seu pragmatismo abre estradas onde antes não havia nada, o amor perece à mercê da espera. O mineiro tem um plano: quer vender seus queijos, precisa de apanhar uma condução para Belo Horizonte, fez amizade com um sócio potencial, rezou para que a Virgem Santíssima lhe dê a bênção para fechar o negócio. Quer muito, e de tanto querer deixa à margem de si mesmo o que tem de mais bonito, justamente porque não o divide com ninguém. Amparado na sua inabalável convicção de que é preciso poupar para o amanhã, sacrifica o hoje no altar das certezas frias, as mesmas que lhe negarão beijos e abraços, e que irão de mão dada com outro, conforme o seu jogo de oferta e procura.
Fosse o visitante mais avisado, compreendendo essa brutal circunstância que nem toda a gente tem o cuidado de entender, talvez ele pudesse fazer o caminho sinuoso que leva até o coração do mineiro.
Qual o veio sonhado, esse coração abre-se à ilusão de pés fincados no chão, e o sonho se realiza.
Penso que para tanto colaboram alguns cuidados e atitudes. Primeiro, há que ter em conta o seu arrepio às precipitações: nada de rompantes por capricho, ou palavras inopinadas: a ponderação, ou melhor, o seu primo aparente, o silêncio, valem ouro (e todos sabemos como o mineiro gosta de ouro). Depois, é fundamental trazer um tanto de encanto, de deslumbramento pela vida, de ilusão um tanto feita de ambição - quem não acredita em si mesmo e não sente a necessidade de se pôr à prova não pode amar à mineira. Por fim, há que escolher com o coração aberto, sem medos, quem nos possa amar. A coragem é ingrediente essencial à mistura. Medo, toda a gente tem... se não tem não é gente. A diferença está no que se faz com o medo e é aí que esse amor exigente pede a sua maior prova, a necessidade de se acreditar e de dar de si incondicionalmente.
Passados pelos arcos dos olhos, visitados os sonhos e as tragédias, testado este nobre e complexo coração, resta ao visitante deixar de o ser para, afinal, ir morar lá dentro do mineiro.
Convém que escolha o seu lugar entre as coisas belas e os tesouros, entre amor à terra, à família e a Deus. Familiarizado com essa tríade sagrada, sossegado quanto às limitações desse espírito sempre pronto para vencer com o carisma dos seus gestos simples e a pujança do seu trabalho discreto, o agora residente vai se dar por satisfeito ao descobrir dentro do outro, ponderado e resiliente, um correspondido amor, também ele, à mineira.