Num só dia pisei a rampa do Palácio do Planalto e o calçadão da praia de Ipanema. Essa grande jornada das minhas férias de páscoa, se custou ao corpo a sua taxa, ao menos entreteu o suficiente para que o peso das longas horas de viagem não me deixassem chateado.
Depois de quase dois anos, cá estou eu novamente, no seio desta terra onde nasci e que guarda, ainda hoje, a aventura e o mistério, a paixão e o sonho, estas lindas Minas Gerais da minha vida, com seus mil veios de ouro puro a deslumbrar os meus olhos e tornar mais rubro o meu sangue.
Trouxe o meu grau académico para mostrar, porque afinal é pela formalidade das razões que as coisas se explicam mais facilmente, mas o que eu trouxe mesmo vai muito além de uma dissertação de mestrado.
Comigo vieram também o fado e o sol da primavera, a maneira educada de abordar que ao mesmo tempo pode parecer bruta, os olhos postos firmes naquele pré-sorriso que o copo de vinho ajuda um pouco a formar. Um coração cheio de Portugal. Como uma queda d'água bruta no peito, faz-se notar para mim mesmo.
Talvez por isso as coisas do Brasil pareçam tão diferentes agora. Depois de tanto e tão profundo aportuguesamento, tudo parece um pouco fora de sítio: o calor, as roupas das pessoas, o modo de tratar, as confianças não dadas e que os brasileiros sempre acham que podem tomar - embora de boa-fé.
Se cá fosse ficar uns 2 meses, acho que pela quarta semana já estaria adaptado novamente a essa bossa nova daqui. Como não é o caso, quase me sinto estrangeiro no meu próprio país, onde as lembranças dos usos e dos costumes parecem sempre visões turvas de algo que no passado eu conheci, mas que hoje é diferente.
Vejo um país a levantar-se com uma força imensa. Uma nação de braços dados, quase sem religião e com valores confusos, doida para ter e se fazer notar. Uma nova América? Não, não será nunca o que os Estados Unidos são porque não fomos formados naquele protestantismo revanchista, nem temos clara a noção do nosso destino manifesto.
O Brasil se levanta com ambição. Nisso os brasileiros estão todos juntos. Mas a gênese da riqueza lhes escapa covardemente por entre os dedos: ignoram que a prosperidade anda de mãos dadas com os valores que a sociedade defende acima de tudo. Sem os valores (cristãos - na minha humilde e devota perspectiva), o que sobra é uma geleia de interesses a se devorarem uns aos outros para serem no fim enlaçados por um terceiro oportunista que lhes aproveita os esforços mal intencionados, para mais à frente também ser vítima de alguma emboscada vil.
Portugal anda melhor? Não, sinceramente não acho que os portugueses sejam anjos da providência, mas ao menos os valores ainda se fazem sentir com mais força: há o respeito pela propriedade alheia na medida que se quer que a nossa seja respeitada, há recato, há alguma sensatez e muita sobriedade nos discursos das gentes - o que às vezes passa por pessimismo, mas não é. Ninguém mais que o português deseja que as coisas corram bem, o que custa é ver a realidade e sonhar... Mas Portugal sonha e eu também sonho.
De frente para o Palácio do Planalto ou na calçada da praia de Ipanema, um mesmo e grande país a fazer-se ao mundo sem ter clara a razão dessa pretensão toda. Em Portugal, um rosto a mirar o infinito, à espera de que o gigante conte o segredo da sua pujança e desfaça o nevoeiro que há tantos séculos cobre todos os corações lusitanos.