Meu querido, maior amigo, neste dia dos teus anos, umas minhas poucas, talvez tolas palavras, em honra a esta tão linda e tão meiga vida que é a tua.
Começaste, como eu, menino da aldeia, em meio à lenda, à beleza e ao afecto, mas não tiveste o conforto que eu tive na minha infância: trabalhaste desde o surgimento de alguma firmeza nos músculos.
Erigiste-te ao pensamento natural de que a vida é uma avenida de significados vagos e que muita contemplação só servia à perda das paisagens que se iam mostrando, sempre devotas dos teus olhares misteriosos.
Cresceste, fizeste-te rapaz entre os rapazes, pois tinhas uma motocicleta. Mas não só. Tinhas o sorriso, o encanto, o mistério de um coração eternamente submergido na nossa mesma melancolia ancestral - o forte comando na raça de que não há como escapar - a compor essa delicada personalidade de herói ignorado.
Fizeste-te homem em tempo nenhum. Eras então quase casado. Tinhas num amor especial esse recanto onde poderias enfim fazer descansar o grande peso do teu fatalismo sem meditação, alguém que pudesse cuidar da embriaguez da sempre acesa disposição em fazer novo, em fazer amigo, em fazer próximo, em fazer lar tudo quanto o que tocasse.
Amaste, é verdade. Amaste no segredo da tua alma, sem declarações e nem sentimentalismos falsos. Amaste com dedicação, como o teu coração podia, na medida das tuas limitações, amaste muito e sem limites.
Casaste, tiveste os teus filhos. A eles, ensinaste o que lhe tinham ensinado: Deus, Pátria, Família, à tua maneira, é claro. Talvez mais Família que os outros dois...
Ainda hoje montas a tua motocicleta de chamar a atenção, não sei quantas cilindradas sempre a alertar a Deus e ao mundo da tua chegada.
Ainda hoje acendes o teu cigarro de desprezo às coisas do mundo, com baforadas serenas, como sereno é o teu espírito antigo.
Ainda hoje olhas com os olhos do menino meigo e discreto, com muito respeitinho por todos, com muita devoção pelas coisas da terra, com o teu imenso, louco amor de não dizer... Um amor que miseravelmente herdamos de ti, no teu lindo, sempre temperado sorriso de herói.
É capaz que seja a nossa jornada no mundo um bocado também da tua: nunca ferir, nunca magoar, sempre seguir, seguir... para onde? Deus proverá um caminho, um sentido, um lugar. Um além d'onde fincar os pés e plantar em covas rasas as sementes da nossa fé em um mundo um pouco à tua maneira, sem pressas injustificadas, sem ódios, sem ganância, sem discriminações.
Um lanço de terra, um espaço no mundo como é a nossa casa. O sítio onde o respirar do teu sono compôs nas paredes a sua condição de generosidade, conciliação, amizade e sossego.
Tu que ensinaste tantos valores sem nunca dizer-lhes o nome. Tu que pelos teus erros nos mostraste os melhores caminhos. Tu que pelo amor não dito mostrou deveras o amor.
Héroi, imperfeito e trágico, que tão grandes saudades tuas.
Feliz aniversário.