quinta-feira, novembro 03, 2011
Feitas as contas
Passado o tempo, revejo nas folhas amareladas de mim mesmo o reflexo da minha época e daqueles que me tocaram a alma.
Sou um homem de pensamentos e sentimentos vastos, nunca tive medo deles.
Aventurei-me junto deles para me ver em seguida metido em labirintos de dúvidas, perdido e sozinho no mundo, algumas vezes. Tinha então apenas a convicção pálida de que os meus guias não me iriam trair, de que me orientara por bons propósitos.
É talvez como esta grande centelha de amor que queima em mim. É um perdigão que teima em não perder a pena, não importa o mal que lhe venha. Ama, pobre coraçãozinho iludido, estes tons de dourado e de bege do outono como uns anjos a anunciar a estação da minha vida: não tem o calor e a estupidez do verão, também não traz em si a inexperiência e nem a novidade da primavera, nem tampouco confunde-se com a rudeza e a maldade implacável do inverno, traz em si uma temperança, um desanuviar de preocupações injustificadas, é maduro e forte, impõe-se quando é preciso, mas sabe acolher sem magoar. Mais que tudo: não quer para si, mas quer dar de si.
Com o outono o meu coração encontra-se na estação certa. Ama muito, tem sede e fome, tem necessidades de homem, quer ter em si o mundo inteiro, quer perceber o mundo inteiro e achar razoabilidade nesta incrível selva de medricas, corsários, palhaços, lambe-botas, putas, ladrões e uns poucos tolos que, como ele, insistem em remar contra esta grande onda de indiferença e mediocridade.
Ama muito este meu coração. Ama a Deus como um bom e amoroso pai que muito o mima. Ama as montanhas da sua terra, de um amor louco e feroz. Conhece-as como se as tivesse andado todas, pelo caminho velho e pelo caminho novo. Ama respeitosamente a família e suas heróicas origens, com uma devoção discreta e quase nunca declarada. Ama a mulher, pois nada no mundo reúne tanto mistério, tanto encanto, tanta beleza e tanta treta. Amo até a Eva, que feita da costela do Adão, não hesitou em tentar o pobre homem a comer o fruto proibido. Cada uma delas é uma caminho para a vida de nós homens e qual fez Adão, também nós hoje mordemos a maçã cheios de convicção de que estamos a ir pelo bom caminho. Que culpa têm as mulheres, Deus meu? Eu não lanço culpas, eu prefiro amar.
E de tanto amar, amar assim como um exagerado disfarçado em comedido, já fui até acusado de não amar! Como se fosse possível...
Feitas as contas, deixo na contabilidade muito mais ganhos que perdas. De todo o amor que eu dei, tão grande e tão imenso amor recebi. Um amor que me aquece até às pontas dos dedos, um amor que rasga o peito, que quer acolher, que inspira o risco e a ventura, que leva à frente, que é forte, que compreende e sofre, que quer mesmo é amar, amar até não mais poder.
E se de todas as minhas contas posso ainda deixar um conselho, eu diria para por tudo no amor e de lá não tirar nada, nem que falte o comer. Assim pretendo fazer e que Deus me ajude.
Deste modo, ao fim do exercício da vida, saberei feliz que deixo esta grande fortuna que é o amor daqueles que eu amo.
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