Entro no tribunal às 9:15hs de uma quinta-feira, cumprimento os colegas que também estão à espera da primeira audiência do dia. Vestindo caríssimos sobretudos e as mais finas gravatas italianas, nenhum deles têm menos de 45 anos. Via-me então, já numa idade em que não posso ser chamado de rapazito, o mais novo de um grupo. Onde andam os jovens advogados? Perguntei-me logo a seguir, não pelo incómodo de estar no lado oposto ao decano do grupo, mas sobretudo porque era suposto haver renovação, mas onde está?
Quase no mesmo dia recebi uma carta da presidente do Instituto de Apoio aos Jovens Advogados. Na missiva cheia de energia, própria dos que acabam de assumir um cargo, havia múltiplas razões plausíveis para explicar as minhas dúvidas acima expostas.
Fala a dra. Ana Sá Pereira de uma campanha silenciosa dos Poderes Públicos contra a advocacia e principalmente contra os jovens advogados, iniciativa que se faz sentir sobretudo através da pasta responsável pelo ensino superior que, a despeito da razoabilidade e do critério da necessidade, deixou crescer desproporcionalmente o número de cursos jurídicos no país no fim dos anos de 1990 e nos anos 2000. O resultado dessa expansão irrealista é que milhares de jovens licenciados em direito vêem-se ao fim de 4 ou 5 anos de estudos sem perspectivas.
Incapaz de absorver o excedente de novos advogados, o mercado de trabalho tem aplicado também na nobre profissão a regra que rege todo o resto do seu mecanismo marcial: quanto maior a oferta, menor o preço. Na advocacia, como nas outras profissões liberais, essa lógica tem consequências terríveis, pois deprecia um serviço altamente especializado e que envolve um elevado grau de responsabilização. Vêem-se jovens advogados plenos (notem bem, não falo dos advogados estagiários) a receber 1000€ por mês em sociedades que os fazem responsáveis por centenas de processos, e por conseguinte, uma jornada de trabalho de 60 horas semanais.
A outra variante da degradação da advocacia é, como não podia deixar de ser, o desprestígio da profissão, pois uma vez que as saídas são de pouco ânimo aos que não tem a perspectiva de herdar um escritório ou participar numa sociedade de advogados, a grande maioria dos estudantes de direito e recém-licenciados têm virado os olhos para as outras profissões jurídicas, como a magistratura, o poder judiciário e toda a sorte de concursos públicos que exige essa formação - tudo, menos a advocacia.
Chegamos, então, à resposta às minhas perguntas iniciais: resta a advocacia aos velhos advogados e aos que, ao arrepio de tudo que se era de esperar, perseveram no caminho difícil e apaixonante que aos seus reserva a advocacia.
Mas não pensem que sinto gozo em estar "sozinho" na minha faixa etária profissional. A sua decadência não ajuda a mim e nem a nenhum outro. O seu desprestígio é o nosso desprestígio na medida em que a luta fraticida pelos honorários é a depreciação nua e crua dos nossos longos anos de estudo e experiência profissional. Uma escalada que, em última instância, significará a ruína da nossa excelência jurídica, da qualidade do ministério privado e público e também da função judiciária, e, por conseguinte, da distribuição da justiça, impondo-se abusos e ilegalidades à custa do interesse dos que apelam aos nossos serviços em busca de redenção contra as opressões que sofrem na vida.
Advogo por gosto e porque acredito que tenho a personalidade e o feitio que a profissão pede. Também assim deveria ser com todos os que escolhem os estudos que conduzem ao exercício da profissão.
Tanto mais por essa razão, a abundância de vagas no ensino superior para os cursos de direito é uma tragédia nacional que tarda em ser denunciada, pois vitimiza não só os jovens que, sem ter a aptidão necessária marcham para dentro das faculdades de direito sem saber onde estão a ir, tornando-se a seguir profissionais desmotivados e altamente nocivos para os que lhes confiam serviços, mas principalmente para a dignidade e função social das profissões jurídicas que não podem ficar à mercê das opiniões dos plutocratas de Lisboa e suas decisões políticas tomadas nos seus campos de golfe do Algarve, procurando cumprir a todo custo as metas europeias de nível de escolaridade da população, sem pensar nas consequências.
Se a sociedade reclama maior agilidade aos tribunais, se pretende um Ministério Público mais actuante e imparcial, se quer os advogados devidamente preparados para sua nobre função, é de se levantar contra esses múltiplos crimes de planeamento educacional e pedir aos que nos representam que o façam no melhor interesse de Portugal e dos portugueses, e só.