Antes não ligava muito às mortes dos meus parentes. Rezava e ficava triste, mas não pensava muito, não entrava nos meandros do tempo que tinha passado. Todavia, algo neste concluir do livro da vida acaba por fazer sentido para a minha vida, sobretudo quando quem se vai fá-lo ainda na juventude.
O Fabrício, o meu primo de 2.º grau que faleceu no sábado, tinha apenas 37 anos de vida.
Dele, falam-me as lembranças de infância quando o meu primo mais velho capitaneava as brincadeiras na quinta do bisavô. O rio que contornava aquela península da manhã da vida era a fronteira e o destino preferido das pescarias e brincadeiras. As longas tardes a caçar nas altas mangeiras à beira do rio as mais doces mangas da vida - pequenas e cheinhas, como cá em Portugal se diz que tem de ser as sardinhas e as raparigas.
Ele avançou para dentro da vida adulta antes que eu. Começou já com o divórcio dos pais e a partir daí, uma adolescência de rebeldia e insubordinação. Afrontado pela vida, restou-lhe também afrontar de volta. Virou homem assim de uma maneira algo estúpida, com os sentimentos contorcidos num mar de confusões e alguma tristeza escondida.
A força e a juventude encontraram boa expressão naquele rapaz bonito e sorridente. Gostava da bola, como todo rapaz da sua idade, e era afixionado pelo Flamengo - predileção que não é a minha, mas que tem alguma popularidade na família da minha mãe - e pelas raparigas bonitas, com as quais teve sempre muita popularidade.
Nem força, nem juventude e nem beleza foram capazes de confortar aquele coração solitário e aquela mente perturbada pelas tristezas com que fora obrigado a crescer.
No ímpeto da rebeldia, foi fácil às más companhias encontrarem nele alguém que lhes desse ouvidos e ele próprio, se calhar, passou a ser chamado pelos outros de "má companhia". Todavia, nunca fez mal à ninguém deliberadamente, senão a si mesmo.
A indisciplina, a rebeldia e a falta de orientação lançaram-no para uma vida de mediocridade em que, por pura sorte, acabou por esbarrar na futura esposa, talvez a pessoa que mais tenha verdadeiramente acreditado nele. Deu-lhe uma filha linda e viveram juntos até que ela também já não conseguia aguentar mais os abusos daquela alma atormentada.
Depois desta separação, perambulou pelo mundo mais uns poucos anos, provavelmente ainda mais triste, até encontrar a doença e a morte numa cama de hospital.
Lembro-me vivamente da última vez que o vi. Graças às cunhas da mãe, estava na altura a trabalhar na câmara da nossa terra, fora designado para um dos espaços públicos de recreação, numa função subalterna. Via-se tão envelhecido e tão triste, que custou-me muito sorrir-lhe e ir apertar-lhe a mão. Não estava desgostoso de cumprimentá-lo, mas sim triste de vê-lo naquele estado, era umas sobras do homem rijo e bem feito que um dia fora. Parecia, desde então, acabado para a vida. Mesmo naquele dia pensei com todo o coração o que poderia fazer por ele, o que estava ao meu alcance... mas a viver aqui tão longe e a cuidar também eu das minhas coisas, não pudia fazer muito a não ser dar-lhe ali uma palavra de amizade e o meu sorriso com carinho. Assim fiz ao meu primo, despedi-me daquela vez sem pensar que poderia ser a última, mas foi mesmo.
Uma vida interrompida guarda sempre o mistério da questão: e se tivesse sido diferente? E se quando pequeno não tivesse sofrido com os pais que teve? E se tivesse tido melhor orientação na adolescência? E se tivessem lhe aconselhado emigrar e deixar aquelas coisas da terra que o chateavam para trás? Ora, ele próprio também escolheu os seus caminhos, isto é válido para todos nós, chama-se livre arbítrio, todavia, muitos outros também ajudaram a empurrar-lhe para a avenida dos dias contados.
Tenho rezado pela alma deste meu primo. Desejo que possa descansar em paz e que a sua filhinha cresça para uma vida feliz que o pai, mesmo a amando muito e de coração, nunca poderá ver.
sexta-feira, setembro 13, 2013
sábado, junho 29, 2013
Aos que tripudiam da vossa memória
Que resta depois da morte senão a memória do que se fez e do que se foi? Pouco ou mesmo nada, diria eu.
Assim sendo, quando muito se faz, mais ainda se justifica que seja lembrado e reverenciado pelo legado de uma vida e de um sonho.
Tenho especial predileção pela memória de Dom Pedro IV de Portugal e I do Brasil. Mais do que um príncipe, por si só, foi mesmo alguém que, tendo a posição e a condição de transformar, o fez sem pensar duas vezes, uma vez consultada a voz da sua consciência.
Libertou o Brasil daquelas pretensões mesquinhas e verdadeiramente estúpidas das Cortes Liberais, indo mesmo ao ponto de separar para sempre o novo país de Portugal. Estabeleceu um novo Estado, deu-lhe a sua feição inicial e, sobretudo, a sua constituição. Na outra parte da sua vida, já de volta a Portugal, libertou o país do absolutismo tirânico que massacrava o reino com intolerância e violência, restaurando (ou mesmo implantando, como alguns defendem) uma ordem constitucional e seus valores intrínsecos.
Mesmo tendo sido um herói de tal grandeza, mesmo tendo atingido, ao cabo de apenas 36 anos, tantas e tão enormes façanhas nunca mais igualadas por ninguém em proporção e significado histórico, mesmo assim, tem a sua memória vilipendiada e o seu legado menosprezado.
A independência acusam-no de tê-la feito por estar sob a influência de José Bonifácio. Esta insinuação de que Bonifácio seria um seu mentor sempre o perturbou imenso. Pedro tinha um génio muito forte e foi educado para ser um homem honrado e leal - por toda a vida viveu por estes princípios. É óbvio que não era somente a vontade dele, era a vontade de todo um povo que ele soube ouvir. Bonifácio teve influência? Sim, claro que sim, era dos homens mais influentes daquele momento. Porém, não cabe apontar para qualquer indecisão por parte de Pedro quanto a isso. Romper com Portugal era para ele uma questão muito difícil, pois significava romper com o seu pai, o Rei de Portugal, pessoa a quem jurara lealdade e estava afeto por fundos vínculos de amor filial.
Recebeu, no entanto, com ânimo sereno os abaixo-assinados de milhares e milhares de brasileiros de São Paulo e do Rio de Janeiro de que não se cumprissem contra a vontade do Regente as ordens das Cortes, o que por si só insinuava o grito popular pela independência. Quando decidiu ficar no Brasil no famoso 9 de Janeiro, penso que já estava na antessala da libertação do Brasil, então decidida no seu coração. Sentia-se amado e querido pelos brasileiros, e pelo amor que lhe era dado, nunca deixou de corresponder.
Fez a independência e cunhou, ele próprio, a expressão "independência ou morte". As cores verde e amarela, consideradas as cores nacionais do Brasil, foram também por ele acolhidas em representação da sua Casa de Bragança com o verde, e da Casa de Habsburgo de dona Leopoldina com o amarelo.
Tomou para si a Nacionalidade Brasileira, rejeitando a sua nacionalidade de origem, facto que perdurou por toda a sua vida, mesmo quando estava à frente do governo de ditadura para restaurar a ordem constitucional em Portugal e como regente em nome da sua filha a Rainha D. Maria II - nunca negou a nacionalidade brasileira.
Causa-me grande tristeza que venham aí uns professores de história (sabe-se lá onde obtiveram as suas licenciaturas!) que dizem que Pedro era português. Pedro foi português até a independência do Brasil, depois disso e, repito, para o resto da sua vida, foi brasileiro, condição que nunca negou.
As condições para que tivesse a nacionalidade brasileira são claras e justificadas: tendo vindo de Portugal ainda na infância, aos 8 anos, foi no Brasil que cresceu e se tornou homem. Foi no Brasil que fez as suas cavalgadas e conquistou, pela primeira vez a montanha do Corcovado do Rio de Janeiro onde hoje se encontra o Cristo Redentor. Foi no Brasil que Pedro amou e sofreu por amor. Foi no Brasil que se casou, e teve quase todos os seus filhos (a única filha nascida fora do Brasil - não em Portugal, mas sim na França - foi a princesa Maria Amélia). No Brasil apoiou seu pai contra as brutais pressões das Cortes Liberais, ganhando aí sua confiança e começando desde então a participar nos assuntos do governo do Reino Unido. No Brasil viu o sentimento nacional aflorar frente às imposições abusivas e prepotentes das Cortes Liberais em Lisboa, tendo então tomado para si a condição de verdadeiro herói ao desafiar a guarda que o acompanhava, também ela leal ao Rei de Portugal, e a desafiá-la a matá-lo ou a morrer pela espada dele, ali junto ao Ipiranga, caso não se fizesse naquele momento a independência do Brasil.
E assim, como fez Alexandre, o Grande, com o nó górgio, Pedro de um só golpe libertou o Brasil e criou um novo Estado, ao qual dedicou-se completamente para que realizasse o designo que acreditava ser o dele: mantê-lo unido e feliz, sob o signo da Justiça.
Por ímpetos das juventude e pela mesma força de caráter que lhe serviu bem em momentos críticos, não foi unânime sempre, é bem verdade.
Por conta desses rompantes, no entanto, querem imputar-lhe uma outra inverdade que é a da imposição da Constituição brasileira de 1826.
Não há disputa de que esta Carta foi outorgada, ou seja, dada ao povo pelo poder executivo, e não promulgada, oferecida pelo seu poder legislativo. Porém, não se queira com isso dizer que a Constituição do Império do Brasil foi imposta aos brasileiros, pois aí reside uma profunda injustiça com o seu processo histórico e com o seu valor enquanto diploma legal.
Antes de mais, é preciso perceber que o parlamento do Império no período que se seguiu à independência vivia ainda um momento de convulsão política que já vinha deste o tempo em que se preparava a independência. Um novo país surgiu e era tempo de dar-lhe feição. Esta oportunidade única por vezes distraia os legisladores do verdadeiro objetivo, que era promulgar a Carta Constitucional, e assim perdiam-se em discussões, por vezes comezinhas, que em nada dignificava a grandeza da função que lhes tinha sido confiada. A discussão de fundo, no entanto, tinha que ver com o conflito entre a ideologia liberal do anteprojeto e a posição radical de alguns constituintes.
Assim sendo, observando uma demora completamente injustificada e prejudicial para a elaboração e votação da Carta, o Imperador considerou que deveria intervir. Dissolveu a assembleia e formou uma comissão a que encarregou de terminar os trabalhos.
Uma vez que a Constituição ficou pronta, não coube ao Imperador impô-la sem mais aos brasileiros. A Carta foi submetida à plebiscito em todas as Câmaras Municipais do Brasil, com destaque para a do Rio de Janeiro, onde foi aprovada com elogio.
Nenhuma outra Carta constitucional deste período foi aprovada com tamanha participação dos representantes do povo.
Cabe comentar ainda de outros episódios da vida de Pedro que parecem por vezes enevoados, como as rebeliões contra a união do Império e a forma como reagiu às mesmas, ainda quanto aos seus muitos amores (uma feição que é objeto de frequente caricatura e flagrante exagero quanto à sua vida sexual).
Cabe aqui dar uma palavra sobre dona Leopoldina e uma outra sobre dona Amélia.
Dona Leopoldina foi uma princesa com valores e ideais verdadeiros. Amava o Brasil e acreditava em todos os sonhos de construção de um novo país. Foi uma das pessoas mais importantes para a independência, pois também influenciou Pedro à sua medida.
Tinha, porém, um traço que fazia com que Pedro não fosse apaixonado por ela, embora a amasse: não tinha uma personalidade forte. Dizia sempre que sim e não se levantava contra nada. Não havia nela nenhuma réstia de conflito e, para Pedro, a falta de paixão acesa era algo que não lhe ascendia o fogo do espírito.
Assim foi que Pedro se aproximou de outras, em especial Domitila, uma mulher calculista e manipuladora e que, sem o amar verdadeiramente, quase arrastou Pedro para uma espiral de destruição.
Depois da morte de Leopoldina, em alguma proporção causada pelos desgostos com Pedro, o Imperador sofreu um bom bocado. Primeiro porque realmente amava (sem no entanto nunca ter estado apaixonado) Leopoldina, por outro, tinha conseguido para si tão má fama, que nenhuma princesa queria se casar com ele.
Depois de muito esforço, lá se arranjou uma linda princesa para consorte do Imperador. Veio dona Amélia da Baviera com a sua personalidade delicada e decidida, pronta a unir o seu destino ao de Pedro.
Dizem as crónicas da época que o Imperador, ao ser avisado da chegada no porto do Rio do navio que trazia a noiva, não aguentou ter que esperar no cais e tomou um barco para ir à bordo do navio. Lá chegando, ao ver a princesa pela primeira vez, desmaiou, dizem alguns, pelo encantamento da beleza de Amélia.
Jurou-lhe fidelidade e amor infinito e pode-se dizer com franqueza que não se portou mal por todo o tempo em que estiveram casados, até a morte de Pedro.
Continuo a escrever aqui qualquer coisa sobre o nosso Pedro numa segunda crónica.
Reservo para esta próxima a grande aventura de Pedro para libertar Portugal do absolutismo e da tirania, contra a crença do falhanço da empresa por parte de todo o mundo.
Assim sendo, quando muito se faz, mais ainda se justifica que seja lembrado e reverenciado pelo legado de uma vida e de um sonho.
Tenho especial predileção pela memória de Dom Pedro IV de Portugal e I do Brasil. Mais do que um príncipe, por si só, foi mesmo alguém que, tendo a posição e a condição de transformar, o fez sem pensar duas vezes, uma vez consultada a voz da sua consciência.
Libertou o Brasil daquelas pretensões mesquinhas e verdadeiramente estúpidas das Cortes Liberais, indo mesmo ao ponto de separar para sempre o novo país de Portugal. Estabeleceu um novo Estado, deu-lhe a sua feição inicial e, sobretudo, a sua constituição. Na outra parte da sua vida, já de volta a Portugal, libertou o país do absolutismo tirânico que massacrava o reino com intolerância e violência, restaurando (ou mesmo implantando, como alguns defendem) uma ordem constitucional e seus valores intrínsecos.
Mesmo tendo sido um herói de tal grandeza, mesmo tendo atingido, ao cabo de apenas 36 anos, tantas e tão enormes façanhas nunca mais igualadas por ninguém em proporção e significado histórico, mesmo assim, tem a sua memória vilipendiada e o seu legado menosprezado.
A independência acusam-no de tê-la feito por estar sob a influência de José Bonifácio. Esta insinuação de que Bonifácio seria um seu mentor sempre o perturbou imenso. Pedro tinha um génio muito forte e foi educado para ser um homem honrado e leal - por toda a vida viveu por estes princípios. É óbvio que não era somente a vontade dele, era a vontade de todo um povo que ele soube ouvir. Bonifácio teve influência? Sim, claro que sim, era dos homens mais influentes daquele momento. Porém, não cabe apontar para qualquer indecisão por parte de Pedro quanto a isso. Romper com Portugal era para ele uma questão muito difícil, pois significava romper com o seu pai, o Rei de Portugal, pessoa a quem jurara lealdade e estava afeto por fundos vínculos de amor filial.
Recebeu, no entanto, com ânimo sereno os abaixo-assinados de milhares e milhares de brasileiros de São Paulo e do Rio de Janeiro de que não se cumprissem contra a vontade do Regente as ordens das Cortes, o que por si só insinuava o grito popular pela independência. Quando decidiu ficar no Brasil no famoso 9 de Janeiro, penso que já estava na antessala da libertação do Brasil, então decidida no seu coração. Sentia-se amado e querido pelos brasileiros, e pelo amor que lhe era dado, nunca deixou de corresponder.
Fez a independência e cunhou, ele próprio, a expressão "independência ou morte". As cores verde e amarela, consideradas as cores nacionais do Brasil, foram também por ele acolhidas em representação da sua Casa de Bragança com o verde, e da Casa de Habsburgo de dona Leopoldina com o amarelo.
Tomou para si a Nacionalidade Brasileira, rejeitando a sua nacionalidade de origem, facto que perdurou por toda a sua vida, mesmo quando estava à frente do governo de ditadura para restaurar a ordem constitucional em Portugal e como regente em nome da sua filha a Rainha D. Maria II - nunca negou a nacionalidade brasileira.
Causa-me grande tristeza que venham aí uns professores de história (sabe-se lá onde obtiveram as suas licenciaturas!) que dizem que Pedro era português. Pedro foi português até a independência do Brasil, depois disso e, repito, para o resto da sua vida, foi brasileiro, condição que nunca negou.
As condições para que tivesse a nacionalidade brasileira são claras e justificadas: tendo vindo de Portugal ainda na infância, aos 8 anos, foi no Brasil que cresceu e se tornou homem. Foi no Brasil que fez as suas cavalgadas e conquistou, pela primeira vez a montanha do Corcovado do Rio de Janeiro onde hoje se encontra o Cristo Redentor. Foi no Brasil que Pedro amou e sofreu por amor. Foi no Brasil que se casou, e teve quase todos os seus filhos (a única filha nascida fora do Brasil - não em Portugal, mas sim na França - foi a princesa Maria Amélia). No Brasil apoiou seu pai contra as brutais pressões das Cortes Liberais, ganhando aí sua confiança e começando desde então a participar nos assuntos do governo do Reino Unido. No Brasil viu o sentimento nacional aflorar frente às imposições abusivas e prepotentes das Cortes Liberais em Lisboa, tendo então tomado para si a condição de verdadeiro herói ao desafiar a guarda que o acompanhava, também ela leal ao Rei de Portugal, e a desafiá-la a matá-lo ou a morrer pela espada dele, ali junto ao Ipiranga, caso não se fizesse naquele momento a independência do Brasil.
E assim, como fez Alexandre, o Grande, com o nó górgio, Pedro de um só golpe libertou o Brasil e criou um novo Estado, ao qual dedicou-se completamente para que realizasse o designo que acreditava ser o dele: mantê-lo unido e feliz, sob o signo da Justiça.
Por ímpetos das juventude e pela mesma força de caráter que lhe serviu bem em momentos críticos, não foi unânime sempre, é bem verdade.
Por conta desses rompantes, no entanto, querem imputar-lhe uma outra inverdade que é a da imposição da Constituição brasileira de 1826.
Não há disputa de que esta Carta foi outorgada, ou seja, dada ao povo pelo poder executivo, e não promulgada, oferecida pelo seu poder legislativo. Porém, não se queira com isso dizer que a Constituição do Império do Brasil foi imposta aos brasileiros, pois aí reside uma profunda injustiça com o seu processo histórico e com o seu valor enquanto diploma legal.
Antes de mais, é preciso perceber que o parlamento do Império no período que se seguiu à independência vivia ainda um momento de convulsão política que já vinha deste o tempo em que se preparava a independência. Um novo país surgiu e era tempo de dar-lhe feição. Esta oportunidade única por vezes distraia os legisladores do verdadeiro objetivo, que era promulgar a Carta Constitucional, e assim perdiam-se em discussões, por vezes comezinhas, que em nada dignificava a grandeza da função que lhes tinha sido confiada. A discussão de fundo, no entanto, tinha que ver com o conflito entre a ideologia liberal do anteprojeto e a posição radical de alguns constituintes.
Assim sendo, observando uma demora completamente injustificada e prejudicial para a elaboração e votação da Carta, o Imperador considerou que deveria intervir. Dissolveu a assembleia e formou uma comissão a que encarregou de terminar os trabalhos.
Uma vez que a Constituição ficou pronta, não coube ao Imperador impô-la sem mais aos brasileiros. A Carta foi submetida à plebiscito em todas as Câmaras Municipais do Brasil, com destaque para a do Rio de Janeiro, onde foi aprovada com elogio.
Nenhuma outra Carta constitucional deste período foi aprovada com tamanha participação dos representantes do povo.
Cabe comentar ainda de outros episódios da vida de Pedro que parecem por vezes enevoados, como as rebeliões contra a união do Império e a forma como reagiu às mesmas, ainda quanto aos seus muitos amores (uma feição que é objeto de frequente caricatura e flagrante exagero quanto à sua vida sexual).
Cabe aqui dar uma palavra sobre dona Leopoldina e uma outra sobre dona Amélia.
Dona Leopoldina foi uma princesa com valores e ideais verdadeiros. Amava o Brasil e acreditava em todos os sonhos de construção de um novo país. Foi uma das pessoas mais importantes para a independência, pois também influenciou Pedro à sua medida.
Tinha, porém, um traço que fazia com que Pedro não fosse apaixonado por ela, embora a amasse: não tinha uma personalidade forte. Dizia sempre que sim e não se levantava contra nada. Não havia nela nenhuma réstia de conflito e, para Pedro, a falta de paixão acesa era algo que não lhe ascendia o fogo do espírito.
Assim foi que Pedro se aproximou de outras, em especial Domitila, uma mulher calculista e manipuladora e que, sem o amar verdadeiramente, quase arrastou Pedro para uma espiral de destruição.
Depois da morte de Leopoldina, em alguma proporção causada pelos desgostos com Pedro, o Imperador sofreu um bom bocado. Primeiro porque realmente amava (sem no entanto nunca ter estado apaixonado) Leopoldina, por outro, tinha conseguido para si tão má fama, que nenhuma princesa queria se casar com ele.
Depois de muito esforço, lá se arranjou uma linda princesa para consorte do Imperador. Veio dona Amélia da Baviera com a sua personalidade delicada e decidida, pronta a unir o seu destino ao de Pedro.
Dizem as crónicas da época que o Imperador, ao ser avisado da chegada no porto do Rio do navio que trazia a noiva, não aguentou ter que esperar no cais e tomou um barco para ir à bordo do navio. Lá chegando, ao ver a princesa pela primeira vez, desmaiou, dizem alguns, pelo encantamento da beleza de Amélia.
Jurou-lhe fidelidade e amor infinito e pode-se dizer com franqueza que não se portou mal por todo o tempo em que estiveram casados, até a morte de Pedro.
Continuo a escrever aqui qualquer coisa sobre o nosso Pedro numa segunda crónica.
Reservo para esta próxima a grande aventura de Pedro para libertar Portugal do absolutismo e da tirania, contra a crença do falhanço da empresa por parte de todo o mundo.
quinta-feira, fevereiro 28, 2013
Fé e doutrina
De certeza que a beleza e a fatalidade da vida está nas surpresas que o correr dos dias nos apresenta. Qual não foi a minha surpresa quando vi na TV a notícia da resignação do Papa Bento XVI, talvez um perfeito misto de belo e trágico. Senti-me triste, senti-me órfão na fé, pois o Papa é para o católico o seu líder espiritual. Tinha especial carinho pelo Papa Bento XVI que, ainda que tenha tido um brilhante percurso académico e de doutrinador, falava sempre com serenidade, simplicidade e amor, indo ao foco das questões. Falava-me sempre ao coração e eu ouvia com muito gosto.
A voz fatigada daquele que conduziu por oito anos a nossa Igreja denunciava a frustração pela impotência em enfrentar os desafios ao seu futuro.
A inversão de valores que corrompe o mundo não deixa de fora os fiéis e nem mesmo o clero. Cabe à cabeça da Igreja, cada vez mais, ter que lidar com denúncias de abusos sexuais de crianças, casos de vazamento de informações e documentos da Santa Sé e corrupção no banco do Vaticano, além de conspirações de uma suposta ala homossexual nos mais altos quadros da Igreja.
Se isso já não seria pouco para ser combatido por um jovem no pleno de suas forças, que se dirá de um ancião que percorre as últimas milhas do seu caminho na terra?
Joseph Ratzinger é, logo a seguir à qualificação de sacerdote, um académico. Ama o pensamento e o raciocínio puro e, portanto, odeia a mentira e a especulação perniciosa.
O rigor do seu escrutínio pessoal quanto ao valor e da substância da doutrina cristã é, por si só, uma prova substancial da grandeza, da verdade e do significado da obra da Igreja no mundo.
Nunca como nos tempos que correm o homem precisou mais da Igreja: há carência de amor, há carência de compreensão, há carência de caridade, há carência de humildade e de perdão.
Se a grandeza da civilização ocidental assenta maciçamente na fé cristã, sobretudo na fé católica, os efeitos do ateísmo aliados à estupidificação do pensamento e dos valores pela sociedade de consumo tem produzido indivíduos arrogantes, religiosamente ignorantes e intolerantes, que são apressados em julgar e condenar a Igreja sem se aperceberem que todos seus valores morais e mesmo o seu pensamento foram moldados pela doutrina cristã - que lhe chegou como um reflexo da versão original, mas ainda assim poderoso o bastante para se impor onde nada mais há.
Penso sinceramente que o Santo Padre resignou porque sabe que a Igreja precisa de atravessar estes tempos difíceis com a sua mensagem de amor, paz, caridade e perdão. A nossa fé na Igreja é o que nos dá a nobreza de sermos seres humanos, e não meros animais soltos na selva à mercê dos seus instintos. Acreditamos em uma força maior que nós próprios e que nos faz ser melhores do que já somos, leva-nos, assim, a ver para fora de nós mesmos, a pensar nos outros, no bem dos outros, a nos colocarmos na condição dos desfavorecidos, dos doentes, dos desesperados, dos abandonados, dos excluídos por este mundo onde o valor do caráter parece contar sempre menos do que o valor do poder económico, onde a fortaleza moral esmorece frente ao consumo de um bem que dê conforto ou, ainda mais fútil, um estatuto social mais elevado.
Eis a luta que se trava nos dias que correm, como antes também já se travava em outros domínios: as liberdades contra as igualdades.
Sabe o Santo Padre que há que haver equilíbrio, o que só se alcança com o desenvolvimento espiritual, com a prática de uma fé. A ambição verdadeira, portanto, é convidar o homem para nascer para a religião conhecendo o mundo que está para além de si mesmo - eis o chamado de Deus.
Foi grande Papa Bento XVI ao ter a coragem de resignar colocando a Igreja à frente de si mesmo, como já o fizera diversas vezes antes. Que o seu exemplo lance sobre o seu sucessor uma poderosa determinação em cumprir com o destino da Igreja: ser sempre e genuinamente a irredutível defensora da mensagem cristã do amor, da caridade e do perdão.
terça-feira, janeiro 22, 2013
E o vento levou... Será?
As grandes chuvadas da noite anterior não podiam adiantar com verdade o que se passaria no dia a seguir. Uivos longos e perniciosos do vento logo de manhã tiraram da cama no fim de semana quem precisava de descanso após uma dura semana de trabalho. Os que tinham de sair para trabalhar de certo que enfrentaram alguma resistência por parte da natureza para chegarem ao posto de trabalho.
Mais intenso no norte e centro do país, a ventarra correu o país inteiro e causou danos variados, como milhares de árvores tombadas (aqui em Coimbra a tempestade levou ao chão árvores plantadas no tempo da expansão ultramarina e trazidas das antigas colónias na Índia e na África), placas de sinalização de trânsito também foram abaixo, e mesmo a morte de um senhor de idade que tentava resgatar o gato que tinha fugido em pânico dos uivos horripilantes do vento (o pobre animal devia pensar que era o juízo final e devia ter lá as suas culpas a apurar!). Isso sem falar nos postes de eletricidade tombados e nos cabos que se partiram e assim deixaram às escuras metade do país no sábado e no domingo.
Segundo os cientistas, os ventos de até 130km/h registados em Portugal continental são resultado de mudanças na pressão atmosférica, assim como das condições típicas do início da transição do inverno para o outono. Todavia, custa acreditar...
Ouvimos muitas pessoas mais velhas, algumas com 80, 90 e mesmo centenária a dizer em uníssono: nunca cá tínhamos visto uma tal tempestade! E não é de se duvidar.
Os ventos do furacão Katrina que passou por Nova Iorque tinham ventos de 130km/h! Vejam lá que nos falta talvez o protagonismo mundial da Big Apple, mas em termos da brutalidade da natureza, pudemos ver bem do que foi capaz.
De tudo em tudo, parece-me que este dia em que os portugueses ficaram nas próprias casas, reféns deste constrangedor mal tempo, serviu para compreender melhor aqueles que vivem em terras distantes e sofrem regularmente com os desastres naturais, como as populações das Caraíbas com os furacões e os Japoneses com os terremotos.
Esta esmagadora força que está na natureza e que nos acostumamos a desconsiderar está latente no significado destes desastres. Por mais tecnológica e avançada que seja a nossa civilização, não vamos nunca escapar à verdade natural de que estamos à mercê das forças da natureza. A regra da vida e da morte lembra-nos isso, mas quando esta imposição de poder é demonstrada no exterior fica ainda mais clara esta verdade.
Antes de conformar a natureza, moldá-la, domá-la, procurar modificar o seu código genético à nossa conveniência, talvez fosse mesmo melhor (e mais inteligente) saber respeitá-la na sua condição de parâmetro universal. A própria ciência o faz! Vejam lá: científico é o que é desafiado vez após vez em relação às forças e condições naturais e prova-se sempre verdadeiro. Ora, também daí deveríamos tirar uma regra preciosa, mas esta de cunho das ciências sociais aplicadas, de que é também pela natureza que devemos medir o respeito a ela própria pelo parâmetro que somos parte de um ecossistema: afinal, também o homem é um animal, um animal racional, mas ainda assim um animal.
Esta simples verdade salvaria milhões de pessoas de vidas em vão, desperdiçadas na crença irrefletida de que são únicos e especiais e de que nunca nasceu e nem voltará a nascer alguém tão especial quanto elas. Todavia, se ouvissem às regras universais da natureza (e também se soubessem um bocadinho de história!) saberiam que todas as milhares de gerações que existiram para lhe dar a vida, cada uma delas, também acreditou na mesma falácia.
Carpe diem, pois as forças naturais estão vigilantes e nunca falham.
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