terça-feira, julho 31, 2012

Há centenas de anos atrás

Ah! minha Dinamene! Assim deixaste
Quem não deixara nunca de querer-te!
Ah! Ninfa minha, já não posso ver-te,
Tão asinha esta vida desprezaste!

Como já pera sempre te apartaste
De quem tão longe estava de perder-te?
Puderam estas ondas defender-te
Que não visses quem tanto magoaste?

Nem falar-te somente a dura Morte
Me deixou, que tão cedo o negro manto
Em teus olhos deitado consentiste!

Oh mar! oh céu! oh minha escura sorte!
Que pena sentirei que valha tanto,
Que inda tenha por pouco viver triste?

                        Luís de Camões

  

Como poucas composições poéticas, este soneto persevera na minha vida como um norte nunca pálido sobre o sentido do amar e do seu sentido reflexo, o amor.

Ainda menino, imaginava o poeta a voltar de Macau com a sua chinesinha Dinamene. E então aquela súbita separação provocada pela tragédia que não poderia ser esperada. Náufrago e sozinho, o pobre poeta recompõe-se a si mesmo para lamentar o fim que tomara de súbito aquela a quem queria consigo, mas já não podia mais ter. Imaginava os seus olhos a lançarem-se para o espaço, em busca talvez de algum sinal, ou no horizonte do mar, a tentar adivinhar nos destroços também aquela pequenina mão a acenar a clamar pela sua ajuda contra a gula do oceano que afinal acabou por sepultá-la para sempre.

De volta à pátria, sobrava-lhe, como tantas vezes na sua vida miserável, a pena e o papel, e lá foi o nosso poeta renascentista enviar-nos a sua mensagem imemorial acerca do amor.

Prefiro muitas vezes esse soneto ao "Amor é fogo que arde sem se ver", não que este último não tenha em si um lirismo e uma qualidade ímpares, talvez possa ser colocado entre os melhores sonetos que buscam definir o sentimento, mas falta-lhe o elemento particular que o localiza no tempo e embora o intemporal seja muitas vezes uma qualidade, para a minha sensibilidade não o é, ao menos não no momento que venho aqui deixar esse relato, caro leitor.

A poesia vivida, a que Vinicius comprometeu-se obsessivamente, convence mais do que os belos discursos abstratos sobre a natureza das coisas. A diferença entre uns e outros, no entanto, não são os pormenores privados que fazem as pessoas de caráter fraco consumirem as revistas sensasionalistas sobre as celebridades, mas antes a compaixão nos versos, a dizer, a forma como se divide um sentimento verdadeiro. Vemo-nos nele e reconhecemos no poeta um ser humano não só capaz de compor a beleza na forma da poesia, mas sobretudo em um ser humano igual a nós mesmos, a sofrer e a sorrir com as desventuras e alegrias da vida.

Ao meu coração fala muito mais alto o lamento sincero do poeta que perante a "dura Morte" da sua amada pode consolar-se um pouco com a poesia e isso parece-me totalmente correto. Afinal, que é a poesia senão a mais doce amiga dos que estão à mercê dos próprios sentimentos? Apenas os seus versos podem falar com intimidade às recônditas partes do nosso ser e assim dar-lhes algum conforto e, sobretudo, libertá-las dos seus íntimos carrascos.

Assim foi com Camões, assim é comigo e contigo, leitor, não duvides, mesmo que a prova venha de centenas de anos atrás.

sábado, junho 30, 2012

Relato aqui os meus estudos

Aprendi, caros leitores, mais alguns bons conceitos, leis e dimensões dos respectivos regimes no meu primeiro ano do curso de doutoramento. Aprendi, sobretudo, a brutal diferença desses estudos para os de mestrado. Não no sentido académico, que por si só também é diferente - no doutoramento há mais responsabilidade com a qualidade dos escritos, há mais profundidade no pensamento (tendencialmente) - refiro-me às condições da vida deste escritor.
Entreguei no fim do mês os meus dois relatórios finais às cadeiras que frequentei como se tirasse de cima dos ombros o peso dos majestosos himalaias. Tamanha carga ganhou peso e volume por conta das outras obrigações da vida que no contrário do tempo do mestrado ainda não haviam. Por agora, foram todas as obrigações juntas - profissionais, académicas e sociais - do que por vezes vi-me literalmente sem saída com relação ao tempo que tinha para dedicar a cada atividade, permanentemente à expectativa de não conseguir fazer tudo bem, como é a norma para esses balabarismos das atividades.
Como antes, todavia, tive muito gosto em estudar, pesquisar e escrever. Sinto viva alegria em aprender, porque acredito que assim alargo os horizontes da minha vida e da minha compreensão. No aspecto da ciência do direito, sinto que torno-me um profissional mais útil aos que vão se servir dos meus serviços, assim como credencio-me a ter opinião em matérias que antes estavam fora do meu conhecimento.
Mas não pensem que não custa. Sempre custa aprender. Não refiro-me às propinas - que para uma universidade pública como é a Universidade de Coimbra, estão nos seus máximos históricos a tirar muita gente do ensino superior por carência económica - falo antes da própria condição de querer aprender, de saber ouvir os que sabem mais que nós, de humildemente apanhar nos livros e ler e ler e ler à procura do famoso conhecimento e depois de tanto lutar para alcançá-lo, saber levar na cabeça os equívocos de não ter feito a jornada na perfeição - eis a fama verdadeira da nossa faculdade de direito que eu muito agradeço, pois desafia-me sempre a ser melhor, mas que também inclui-se no sofrimento da aprendizagem.
Aprendi muito, estou contente (agora que já passou toda a aflição!), mas acho que a melhor lição foi recordar da necessidade de aprender sempre, de ser curioso e corajoso para romper os limites que por vezes nós mesmos levantamos diante do nosso potencial e que trava os sonhos que temos para a nossa visão da vida. Por vezes, não se trata de fazer um curso, mas de querer refletir sobre o que vai mal e ter coragem para escutar quem sabe mais do que nós, de dedicar-se ao estudo informal de qualquer matéria para poder fazer um trabalho melhor, sobretudo, de não se esconder no saber que já se tem por medo de ficar surpreendido com o conhecimento que está além, com o desconforto que poderá trazer, com o novo eu que ele trará consigo.
Não tenhas medo, leitor. Lembra que o medo procura o que há de mau em ti para prevalecer - as inseguranças, o receio, a preguiça até - antes escuta o que há de bom - a curiosidade, o sonho, o encantamento pelo novo e pelas surpresas, e avança com coragem rumo a saber mais e a tornar-te melhor.
Quanto mais souberes, menos temerás, ao menos assim me parece. Portanto, apanha naquele desejo de estudar francês a sério, ou de aprender sobre apicultura ou costura, não importa o tema desde que importe a ti, e mãos aos livros. Não poderás estar em melhor companhia.

quinta-feira, maio 24, 2012

A Deus


Vai-se embora, nessa bem conhecida primavera coimbrã das despedidas de todo ano, mais um dos amigos de muito tempo que tive a sorte de fazer nesta terra.
Pensei deixar aqui um testemunho algo egoísta da falta que vai fazer a todos que até Agosto pelo menos ainda terão a sua presença, mas não, farei algo mais dignificador.
Limitar-me-ei a contar o episódio e dele tirem vocês as suas conclusões como acharem melhor.
Corria o ano de 2008, um tempo de grandes mudanças e desafios pessoais. Vinha da Inglaterra para Portugal e precisava de adaptar a vida a este tempo novo em toda a sua linda e bruta feição.
Esperava-me um país e uma cidade em tudo superiores às minhas expectativas, entretanto já altas.
Fui feliz porque por cá havia gente que soube acolher-me com amizade, gente que viu na minha figura de estrangeiro a de um bom rapaz.
Entre estes que se mostrou particularmente tolerante e bom comigo está este senhor que seguirá para longe de nós já daqui uns mesitos.
Recordo com alguma nostalgia as minhas primeiras tardes no Instituto Universitário Justiça e Paz, a descobrir aquele espaço e as pessoas dali. Lembro-me como ainda hoje o vivo da generosidade e da pureza de intenções das pessoas que ali trabalham. Por um longo tempo estive ali a estudar e mesmo dar explicações. Passava assim no bar longuíssimas horas no decorrer de dois valentes anos. Sempre bem acolhido, a tomar café junto dos meus colegas, a pensar no futuro com o coração sossegado e a desfrutar da linda vista do Jardim Botânico e do rio Mondego que parecem ainda hoje emoldurar estes episódios da vida com a graça e a generosidade com que fui ali aceito e fiz ali amigos leais que tenho comigo e que muito enriquecem a minha existência.
Assim como fora para mim, esta casa é para todos. A forma como funciona, o seu cariz de bondade e de tolerância, a sua inserção efetiva para promover o bem da comunidade académica, muito se deve à direção que, com verdadeiro sentido humano e cristão, responde à indiferença com amor, à estupidez com tolerância, aos que precisam com a atenção preocupada que dão os pais aos filhos que por eles procuram.
Ver partir causa estranheza, mas não podemos ser egoístas. Devemos agradecer ao bem que nos fazem e deixar ir, libertar da nossa conveniência aqueles que procuram outros mundos e outros desafios, aqueles que têm uma alma inquieta e à procura do desconhecido, querendo ventura mais que aventura.
Assim também sou eu e também eu já parti deixando para trás um rio de lágrimas, lamentações e saudades, mas também de conquistas, de amadurecimento e de glória por ter este grande orgulho de ser senhor da minha própria vida e do meu destino.
Deixo assim a Deus, Nosso Senhor, a guarda daquele que por esses quatro anos é ainda o laço do passado que me ajuda a ver sua continuidade no presente com a certeza de que a grandiosa instituição a que ele dirigiu continuará seu caminho de trabalho cristão e dignificador da comunidade agora também em respeito ao seu legado e ao seu trabalho que está à vista de todos.
A Deus, meu bom amigo, é que cabe dizer da nossa vida e dos nossos quereres. Deixemos estas tristezas e dúvidas do porvir para repousar serenos os corações no amor do Nosso Senhor.

domingo, abril 08, 2012

Saudação à primavera

Chegam os dias mais longos, chega ao espírito o cheio do vento e o gozo do toque da maciez da pele.
Lindo tempo de venturas é este de Abril e Maio e um pouco de Junho.
Não fosse tanta chuva e tanto vento, tanta precipitação e tanto engano, seria sempre o tempo mais bonito do ano.
No parque municipal já há passarinhos a voar desorientados, cheios de preocupação com os ninhos e com os alimentos, a cantar muito animadinhos e cheios de vida, exatamente como em um antigo poema meu sobre a sua pureza a que hoje recordo como se o tivesse escrito ontem.
Falava então daquele sossego do ninho em que o filhote é acolhido, de todo o esforço dos pais, de todo o empenho, daquela circunstancia especial em que as condições são favoráveis ao prolongar da vida em outro novo ser.
E nesse sonho bonito que o instinto natural põe o seu determinismo nos progenitores para ajudarem as crias, não há mal nenhum em ver nisso amor. Também o nosso amor é determinado pelos nossos mais básicos instintos que são condicionados pela nossa personalidade e educação em partes proporcionais.
Entretanto, algo se intromete nesse meio. Um indesejado miudinho, cujo tamanho não lhe permite investigar o ninho que foi sabiamente construído no alto da árvore. Utiliza-se de uma fisga para lá chegar e no seu ímpeto de curiosidade e indiferença típicos de quem nunca experimentou sentir dor, tenta trazer o ninho ao chão sem se arriscar muito, evitando assim o risco de despencar do alto da árvore ou de, nessa escalada, ser atacado pelos guardiões do ninho.
Do chão, aponta a arma e dispara tantas vezes quanto a falta de precisão pedir. Lá no alto, um fim do mundo abate-se sobre os habitantes da casa pequenina, com a morte certa que se aproxima para as crias.
Tudo a custa de uma curiosidade vã de um miúdo.
Muitas outras crias, no entanto, irão vingar e estarão prontas para ir aos jardins cantar e dar continuidade ao puro e nobre destino dos passarinhos.
Eu por cá recordo a lembrança do poema, da minha recusa infantil em participar dessas caçadas tolas e covardes, da alegria de criar poesia a partir de uma situação algo trágica, mas que serviu para trazer de volta ao mundo a maneira de ver dos meus olhos.
Surpreendentemente, já naquele poema havia os componentes todos da cena poética da vida que teimam sempre em se repetir. Havia os passarinhos na sua constituição familiar como a pureza, as crias como a esperança no futuro, o miúdo como os terceiros que mesmo contra a nossa vontade interferem nas nossas vidas e a sua ação destrutiva como a estupidez que por vezes conduz-nos a caminhos ruinosos. Nem sempre os desfechos da vida são assim tão maus, é preciso que se diga, o conteúdo surpreendente da vida, no entanto, mantém-se.
Cada primavera serve para lembrar que a nossa sensação de ter o controle sobre as nossas vidas por vezes não passa mesmo disso, uma sensação. Todavia, onde termina uma vida não termina a vida. Tudo segue, por vezes com indiferença, às glórias e tragédias que marcam as nossas existências privadas.
Serve para lembrar-nos dessa verdade a bonita primavera que já por aqui passou muitos milhares de milhões de vezes e ainda vai retornar quando formos apenas lembrança, se tanto.

sábado, março 31, 2012

Um novo sorriso para ti



Vai, corre por esse campo aberto que é a vida. Há mil caminhos, basta apontar o nariz e querer muito que se há de chegar ao destino. E à nossa espera, o destino parece sempre perguntar "por que demoraste tanto? Era tão claro, desde cedo, que virias para cá ao pé de mim."
E por odiar esse fatalismo tão certo das nossas vidas, eu invento dentro de mim, usando o cariz faceiro e apaixonado da minha alma, um sorriso novo para ti.
Sorrio assim de lado, o meu riso mais bonito. Encontras nele o destino certo das coisas incertas? Não, não vais achar isso. Se veres bem, com olhos e coração, encontrarás meiguice e timidez, verdade e paixão, perdão e temperança. Tudo num sorriso que, dedicado e sincero, não pode ser nada menos que novo a cada instante que nasce.
Um sorriso novo que não é apenas a resposta à alegria que me causa o mundo, mas que é a alegria que queria dar ao mundo. Não de um modo tolo, mas com confiança, não sem porquê, mas com convicção na alegria pois, como bem disse o poeta, a alegria "é assim como a luz no coração".
São abertos os campos da vida, mas o meu caminho é reto, não faço curvas e nem busco atalhos. Vejo no horizonte, a querer levantar-se para estar no alto do céu, uma estrela vespertina. Esta doce classe de estrelas que aparece já ao fim do dia e que, por ter o brilho tão singelo, é engolida pela noite escura que já não a deixa aparecer.
Tão bonita, tão cintilante a estrelinha. Comunica o brilho que damos à nossa jornada: por simples que seja encontra-se na perspectiva de crescer e subir aos céus do que uns chamam felicidade, outros paz de espírito e que eu prefiro referir como "o incondicional amor" por tudo que o mereça.
Sorri-me a estrelinha vespertina, luz tão distante, perdida na vastidão estelar do que o olho humano a nu pode distinguir. De onde vem o teu brilho, amiguinha? Ela responde-me a brilhar em um código secreto que eu consegui decifrar: "do teu novo sorriso para mim".
Ela continua, continuo também eu. Não digo adeus, pois para mim essa palavra é sombreada pela tristeza do que é definitivo - eu sei, não se justifica. Digo "Boa noite! Brilha sempre!" Alguém cá da terra quer muito que continues a brilhar por dentro da grande noite escura. No meu sorriso novo há também o brilho deste doce encantamento.