quinta-feira, fevereiro 28, 2013

Fé e doutrina


De certeza que a beleza e a fatalidade da vida está nas surpresas que o correr dos dias nos apresenta. Qual não foi a minha surpresa quando vi na TV a notícia da resignação do Papa Bento XVI, talvez um perfeito misto de belo e trágico. Senti-me triste, senti-me órfão na fé, pois o Papa é para o católico o seu líder espiritual. Tinha especial carinho pelo Papa Bento XVI que, ainda que tenha tido um brilhante percurso académico e de doutrinador, falava sempre com serenidade, simplicidade e amor, indo ao foco das questões. Falava-me sempre ao coração e eu ouvia com muito gosto.
A voz fatigada daquele que conduziu por oito anos a nossa Igreja denunciava a frustração pela impotência em enfrentar os desafios ao seu futuro. 
A inversão de valores que corrompe o mundo não deixa de fora os fiéis e nem mesmo o clero. Cabe à cabeça da Igreja, cada vez mais, ter que lidar com denúncias de abusos sexuais de crianças, casos de vazamento de informações e documentos da Santa Sé e corrupção no banco do Vaticano, além de conspirações de uma suposta ala homossexual nos mais altos quadros da Igreja.
Se isso já não seria pouco para ser combatido por um jovem no pleno de suas forças, que se dirá de um ancião que percorre as últimas milhas do seu caminho na terra?
Joseph Ratzinger é, logo a seguir à qualificação de sacerdote, um académico. Ama o pensamento e o raciocínio puro e, portanto, odeia a mentira e a especulação perniciosa.
O rigor do seu escrutínio pessoal quanto ao valor e da substância da doutrina cristã é, por si só, uma prova substancial da grandeza, da verdade e do significado da obra da Igreja no mundo.
Nunca como nos tempos que correm o homem precisou mais da Igreja: há carência de amor, há carência de compreensão, há carência de caridade, há carência de humildade e de perdão.
Se a grandeza da civilização ocidental assenta maciçamente na fé cristã, sobretudo na fé católica, os efeitos do ateísmo aliados à estupidificação do pensamento e dos valores pela sociedade de consumo tem produzido indivíduos arrogantes, religiosamente ignorantes e intolerantes, que são apressados em julgar e condenar a Igreja sem se aperceberem que todos seus valores morais e mesmo o seu pensamento foram moldados pela doutrina cristã - que lhe chegou como um reflexo da versão original, mas ainda assim poderoso o bastante para se impor onde nada mais há.
Penso sinceramente que o Santo Padre resignou porque sabe que a Igreja precisa de atravessar estes tempos difíceis com a sua mensagem de amor, paz, caridade e perdão. A nossa fé na Igreja é o que nos dá a nobreza de sermos seres humanos, e não meros animais soltos na selva à mercê dos seus instintos. Acreditamos em uma força maior que nós próprios e que nos faz ser melhores do que já somos, leva-nos, assim, a ver para fora de nós mesmos, a pensar nos outros, no bem dos outros, a nos colocarmos na condição dos desfavorecidos, dos doentes, dos desesperados, dos abandonados, dos excluídos por este mundo onde o valor do caráter parece contar sempre menos do que o valor do poder económico, onde a fortaleza moral esmorece frente ao consumo de um bem que dê conforto ou, ainda mais fútil, um estatuto social mais elevado.
Eis a luta que se trava nos dias que correm, como antes também já se travava em outros domínios: as liberdades contra as igualdades. 
Sabe o Santo Padre que há que haver equilíbrio, o que só se alcança com o desenvolvimento espiritual, com a prática de uma fé. A ambição verdadeira, portanto, é convidar o homem para nascer para a religião conhecendo o mundo que está para além de si mesmo - eis o chamado de Deus.
Foi grande Papa Bento XVI ao ter a coragem de resignar colocando a Igreja à frente de si mesmo, como já o fizera diversas vezes antes. Que o seu exemplo lance sobre o seu sucessor uma poderosa determinação em cumprir com o destino da Igreja: ser sempre e genuinamente a irredutível defensora da mensagem cristã do amor, da caridade e do perdão.

terça-feira, janeiro 22, 2013

E o vento levou... Será?


 As grandes chuvadas da noite anterior não podiam adiantar com verdade o que se passaria no dia a seguir. Uivos longos e perniciosos do vento logo de manhã tiraram da cama no fim de semana quem precisava de descanso após uma dura semana de trabalho. Os que tinham de sair para trabalhar de certo que enfrentaram alguma resistência por parte da natureza para chegarem ao posto de trabalho.
Mais intenso no norte e centro do país, a ventarra correu o país inteiro e causou danos variados, como milhares de árvores tombadas (aqui em Coimbra a tempestade levou ao chão árvores plantadas no tempo da expansão ultramarina e trazidas das antigas colónias na Índia e na África), placas de sinalização de trânsito também foram abaixo, e mesmo a morte de um senhor de idade que tentava resgatar o gato que tinha fugido em pânico dos uivos horripilantes do vento (o pobre animal devia pensar que era o juízo final e devia ter lá as suas culpas a apurar!). Isso sem falar nos postes de eletricidade tombados e nos cabos que se partiram e assim deixaram às escuras metade do país no sábado e no domingo.
Segundo os cientistas, os ventos de até 130km/h registados em Portugal continental são resultado de mudanças na pressão atmosférica, assim como das condições típicas do início da transição do inverno para o outono. Todavia, custa acreditar...
Ouvimos muitas pessoas mais velhas, algumas com 80, 90 e mesmo centenária a dizer em uníssono: nunca cá tínhamos visto uma tal tempestade! E não é de se duvidar.
Os ventos do furacão Katrina que passou por Nova Iorque tinham ventos de 130km/h! Vejam lá que nos falta talvez o protagonismo mundial da Big Apple, mas em termos da brutalidade da natureza, pudemos ver bem do que foi capaz.
De tudo em tudo, parece-me que este dia em que os portugueses ficaram  nas próprias casas, reféns deste constrangedor mal tempo, serviu para compreender melhor aqueles que vivem em terras distantes e sofrem regularmente com os desastres naturais, como as populações das Caraíbas com os furacões e os Japoneses com os terremotos.
Esta esmagadora força que está na natureza e que nos acostumamos a desconsiderar está latente no significado destes desastres. Por mais tecnológica e avançada que seja a nossa civilização, não vamos nunca escapar à verdade natural de que estamos à mercê das forças da natureza. A regra da vida e da morte lembra-nos isso, mas quando esta imposição de poder é demonstrada no exterior fica ainda mais clara esta verdade.
Antes de conformar a natureza, moldá-la, domá-la, procurar modificar o seu código genético à nossa conveniência, talvez fosse mesmo melhor (e mais inteligente) saber respeitá-la na sua condição de parâmetro universal. A própria ciência o faz! Vejam lá: científico é o que é desafiado vez após vez em relação às forças e condições naturais e prova-se sempre verdadeiro. Ora, também daí deveríamos tirar uma regra preciosa, mas esta de cunho das ciências sociais aplicadas, de que é também pela natureza que devemos medir o respeito a ela própria pelo parâmetro que somos parte de um ecossistema: afinal, também o homem é um animal, um animal racional, mas ainda assim um animal.
Esta simples verdade salvaria milhões de pessoas de vidas em vão, desperdiçadas na crença irrefletida de que são únicos e especiais e de que nunca nasceu e nem voltará a nascer alguém tão especial quanto elas. Todavia, se ouvissem às regras universais da natureza (e também se soubessem um bocadinho de história!) saberiam que todas as milhares de gerações que existiram para lhe dar a vida, cada uma delas, também acreditou na mesma falácia.
Carpe diem, pois as forças naturais estão vigilantes e nunca falham.

segunda-feira, dezembro 31, 2012

No mundo, uma criança nasceu

Para grande alegria de todos que vêem nesses dias a esperança da renovação, o nascimento é talvez o emblema maior deste sentido.
Uma vida que começa é como o início de uma nova linha que aponta para um horizonte onde não podemos ver. Lá estão os dias de verão das suas férias, as surpresas e as prendas esperadas, as cartas e os livros que quer ler, os grandes feitos que irá render ao mundo através dos seus talentos e do seu trabalho, os amores que encontrarão, a par de outros que também o irão tentar, os caminhos sinuosos do seu coração.
Ao olhar para trás, na perspectiva de um passado cheio de dúvidas, é que se tem a certeza de que o futuro chega não importa o quanto nos preocupemos com ele. Impõe-se à nossa vida como dita a própria contagem do tempo, afinal, ninguém pode deter o sol quando ele se põe ou se levanta.
Acho curioso como o nascimento do Senhor Jesus serve também para firmar em nós essa convicção da renovação das coisas à mercê do que não podemos controlar.
Veio Ele ao mundo para ser o Cristo, ou seja, o Messias, para redimir a humanidade, e assim o fez. Todavia, no momento do nascimento, era só um bebé, sem grandes aspirações para além das que têm os bebés todos: ter a atenção da mãe e do pai, ser bem alimentado, protegido e poder descansar. Nisso vejo que o menino Jesus tinha imenso potencial e é mesmo assim que o Natal deve ser para nós: renovação da esperança no potencial que o amanhã nos reserva.
As cartas do jogo da vida não estão todas dadas quando do nascimento, antes estão nas nossas próprias mãos e as jogamos todos os dias, com todos com os quais temos algum relacionamento. Ao nascer temos um baralho novo. Nas nossas cartas, ninguém nunca tocou naquele momento.
Tudo pode ser feito, tudo pode ser alcançado, o potencial é incomensurável, o futuro coloca-se todo aos pés de quem pode começar assim puro e limpo uma vida de redenção do que não trouxe nem paz e nem felicidade para um período novo em que um novo comportamento irá fazer a vida também diferente.
Podemos, também nós, os nascidos há muito tempo, nascer de novo, se tivermos a grande coragem que um tal ato exige. Todavia, não vale a pena ser tolo... é um projeto ambicioso! Prende-nos ao antigo estado a pregüiça, o desânimo, a falta de motivação em geral e quando damos por nós já chegou Dezembro outra vez e está tudo como d'antes. Para prevenir tal acontecimento, temos de encontrar os nossos motivos (daí é que vem a motivação) e bem fortes motivos devem ser! Dou-vos um: querer fazer da nossa vida mais do que uma existência à espera dos outros. Se quisermos verdadeiramente, podemos ter uma vida sublime. Sabeis como são as vidas sublimes? Ora, são as vidas vividas em prol de algo maior que nós mesmos. Nenhuma vida grandiosa foi egoística, antes pelo contrário, foram vidas voltadas para os outros e nisso há muita verdade e nesse caminho encontra-se seguramente a bendita felicidade e a paz.
Na esperança de uma nova vida que podemos fazer para nós próprios também há muita inocência e de certeza que o Senhor Deus lá do céu irá abençoar este esforço. Força!
Quanto aos que escolheram este Dezembro para nascer de facto, o meu bem haja e as minhas boas vindas a este maravilhoso e fantástico mundo que nos foi legado pelos nossos antepassados.
É nossa suprema responsabilidade conduzi-lo com amor e zelo para que estes pequenos que só agora juntaram-se a nós possam também apreciá-lo e fazê-lo melhor.
No fim das contas, mas ainda tendo em conta a ideia acima referida da perspectiva do tempo, nós não somos proprietários de nada, no máximo temos a posse das coisas por um determinado período de tempo. Assim, há que preservar e viver pensando que sempre haverá um amanhã.
Devemos todos querer nascer melhor, amigos. O futuro pede de nós esta alegria e esta determinação.

quarta-feira, novembro 14, 2012

Os responsáveis pela ruína de Portugal

A ver as filas de pessoas à porta dos Centros de Emprego logo cedo de manhã, a ler nos jornais sobre o crescente pedido de vistos de trabalho e estudo de recém-licenciados para o Brasil, ou simplesmente apanhar o vôo só de ida para Inglaterra, Alemanha..., e ver os idosos com suas pensões miseráveis serem obrigados a ir recolher comida aos restaurantes populares e ficarem a depender da caridade das juntas de freguesia para conseguir comprar os remédios, ver as empresas a dispensar empregados e a sofrerem os maiores constrangimentos para pagar os impostos e à Segurança Social, jovens casais a deixar de ter filhos por não ter como sustentar-lhes, em tudo isso se vê a ruína de Portugal.
Uma tal situação de penúria que não se compara a que se vivia na onde de emigração para a França nos anos de 1960, quando também não havia muito dinheiro, mas havia trabalho. Hoje há desesperança e muita confusão quanto a quem culpar, mas não é difícil perceber quem é responsável por esta situação.
O Estado português, agora posto à trela pela Troika do FMI, da Comissão Europeia e do Banco Central Europeu, pôs a si mesmo nessa situação pela irresponsável ambição de obter o apoio dos portugueses oferecendo-lhes um estado social paternalista que pagava por tudo e ao invés de estimular a livre iniciativa empresarial, confiando pateticamente na continuidade perene dos fundos comunitários para apoiar essas leviandades de governação pública, sem pensar no futuro dos portugueses, contando com a estratégia de resistir a tudo e a todos como se fosse um herói que fez o que pôde para evitar a catástrofe para logo em seguida, fora do governo, apressar-se para pôr as culpas nos seus sucessores.
Muito dessa estratégica política maquiavélica só poderia ser concebida por um grupo político extremamente ambicioso, descomprometido com os verdadeiros e legítimos fins a que um governo de Portugal deveria cumprir, mas sempre atento às oportunidades que o poder coloca aos que compõem as suas fileiras, seja através das nomeações, seja através das oportunidades enevoadas que se apresentam aos que controlam a chave do tesouro que paga pelos contratos públicos com as empresas privadas.
Aliado a isso e com a cumplicidade desse mesmo governo, o setor bancário concedeu o crédito barato para que os portugueses pudessem comprar casa, carro e mobiliário a fim de viver à altura de um sonho sustentado por artimanhas e aspirações ardilosamente inspiradas que não encontrou eco na frágil economia portuguesa.
Assim se fez a ruína de Portugal, caro leitor. À custa de muita mentira, a que os portugueses, de uma parte, quiseram acreditar de coração e, de outra parte, por ignorância e ideologia obsoleta, pensavam tratar-se de uma obrigação do Estado dar apoios sociais e direitos laborais a tudo e todos, desprezando e maltratando as pequenas e médias empresas.
Hoje há greve geral, mas para quê? Portugal encontra-se à mercê dos seus credores internacionais e não há greve nesse mundo que possa alterar as obrigações a que o governo anterior se comprometeu e o atual tenta a muito custo fazer cumprir.
Causa-me uma profunda tristeza ver Portugal nesse triste estado, com o povo cabisbaixo, sem ver no horizonte o futuro de grandeza que os nossos antepassados nos legaram. 
Esta antiga nação, com seu forte sentimento familar, com a sua religiosidade interiorizada e com o seu amor pela pompa e pela circunstância, não foi concebida e nem existe para ficar à mercê de forças políticas nefastas e corruptas que usam o país para alcançar os seus objetivos obtusos, que se opõem flagrantemente aos princípios que orientam a administração pública.
São estes os verdadeiros culpados por toda a miséria, por todo o sofrimento, por toda a privação. 
Portugueses, acordai! É tempo de julgar e punir as irresponsabilidades dos que conscientemente nos conduziram pelos caminhos desastrosos, arruinando as ruínas do Estado e arrastando todo o resto do país para o precipício dos desesperos a que chegamos.
Ao atual governo, à parte da sua falta de habilidade em comunicar, não cabe imputar culpas pela herança maldita que está a tentar gerir.
É tempo de mudar os conceitos e homenagear a Justiça!
Paris não pode ser refúgio de luxo para os traidores de Portugal!

domingo, outubro 21, 2012

E então, garotão?


Nesses dias em que a política da minha terra andou a dar o que falar por conta das eleições municipais, é quase impossível não associar estas agitações democráticas ao meu tio que muito apreciava essas atividades, participando ativamente dos pleitos como candidato ao legislativo e ao executivo municipal, sendo eleito e cumprindo mandatos muitas vezes para as diferentes funções: a dedicação de uma vida inteira ao bem de uma terra.
Mas este ano já não pôde cumprir o que certamente seria mais uma campanha para prefeito, já que há pouco mais de dois anos levou-lhe a vida uma colisão brutal, após um despiste, após uma curva em declive, sobre uma pista molhada de chuva, sobre uma ponte, não muito longe da nossa terra.
Não me incomoda a morte porque sei que ele viveu, talvez não tanto quanto possivelmente lhe iria permitir a natureza (razoavelmente, pois já vinha sofrendo com doenças do coração e fora operado no ano anterior), mas viveu. 
Ao longo dos incompletos sessenta anos que andou por entre a gente, foi o próprio carisma e muitas vezes, a própria amizade, o amor e a coragem. Não conseguia dizer que não a ninguém, e talvez por isso fosse muito criticado e também por isso tenha perdido muito do património que já estava a ser transmitido por herança na minha família há quatro ou cinco gerações. 
Sorria muito e nos cumprimentava com o costumeiro sorriso, com as bochechas do sorriso..., os seus óculos de aro dourado e o clássico bordão: " - E aí, garotão?". 
Quando era criança, lembro-me bem de uma festa de aniversário em que foi o meu tio, sem me trazer ali nenhum presente. Claro, menino mimado que era, e sabendo que um primo tinha recebido um cavalinho lindo de prenda do meu tio, não podia deixar por menos e quando ele me cumprimentou eu fui logo perguntando se iria ganhar um cavalo também. O pobre do meu tio, que por óbvio tinha uma predileção por aquele meu primo, não estava preparado para aquilo e disse assim: " - Eu vou te dar mais que um cavalinho, vou te dar a bezerrinha mais linda que eu já tive". Claro que eu não fiquei contente, mas de qualquer das formas, foi um grande presente. No dia seguinte, bem cedo, o tio não se tinha esquecido do presente, e mandou entregar na quinta do meu pai uma linda bezerrinha.
Era cafeicultor, como o pai dele, e também tinha outras atividades agropecuárias
Não negava nada a ninguém, aquele bom, gentil homem, nem mesmo a um sobrinho mimado.
O meu pai amava-o com uma dedicação notável. Desde criança, sempre o vi muito envolvido nas campanhas políticas do meu tio, argumentando quanto a temas de que normalmente não falava, colocando dinheiro no que normalmente não punha, indo a onde normalmente não ia. Eis o tipo de dedicação que o meu tio provocava não só no meu pai, seu irmão, mas em toda a gente.
Eu próprio, apenas um pouco mais velho do que no episódio que contei acima (creio que completava então cinco anos), ajudava também nas campanhas e ia com o meu pai aos comícios. Para mim, como é claro, eram momentos muito aliciantes e a figura do meu tio era para mim e para o meu irmão e primos e tios, como para os primos e demais parentes dele também, uma grande referência na nossa família.
Por dezasseis anos compôs o executivo municipal, por quatro anos como vice-prefeito e outros doze na função de prefeito. No início do seu percurso foi ainda vereador por um mandato de quatro anos.
Fez pelos pobres sobretudo: casas sociais, calçadas das ruas, centros de saúde, escolas, tantas obras e tão abrangentes que não haveria a cidade que há hoje sem o esforço desenvolvido por todos os anos que esteve a frente dos destinos da municipalidade.
Não foi, todavia, perfeito. Nem na seara familiar, nem na profissional e nem na política. Errou por vezes ao querer ser bom demais. Dizia o avô dele, meu bisavô, que "o homem tem que ser 'bão', o que é 'bão, bão', arrebenta no chão", e nisso há muita sabedoria. 
Emprestava dinheiro a quem o levava sem intenções de pagar de volta, ajudava com a sua influência e posição, quem não lhe tinha verdadeiro respeito ou não reconhecia o seu trabalho, dava oportunidades ou confiança a quem não as sabia aproveitar, ou que não estava ao nível de fazer valer as oportunidades ou confiança, e acabava por comprometer o seu nome. 
E pelo bem e pelo mal, feito por vezes sem conseguir antever a maldade, foi sobretudo muito amado e vai ser ainda lembrado por muitos anos.
De mim, o "garotão" terá sempre a memória de quem muito o respeitava e amava. Morreu quando eu terminava a minha dissertação de mestrado, e por isso lá consta uma dedicatória à sua memória. Recordo hoje e sempre, como com relação ao meu pai, a sua juventude (o que aqui não tem a ver com a idade). Amava a vida e amava a nossa terra e por estes amores muito sofreu e muito sorriu. 
Que Deus o tenha na Sua infinita misericórdia, pois a nós só resta ter muitas saudades do nosso "garotão".

domingo, setembro 30, 2012

No fim da tarde a brisa conta mais histórias

Recebi hoje um convite de casamento de um amigo querido, completamente apaixonado por uma baiana já há mais de 3 anos.
As linhas poucas falaram-me ao coração sem que nelas houvesse sentimentalismos tolos. Falou-me naquela linguagem que nós usávamos nos tempos da nossa adolescência.
Ele e eu estivemos a trabalhar juntos em muitos projetos dos clubes em que participamos, nem sempre a concordar, aliás, com bastante discordâncias - todas elas cheias de respeito um pelo outro e tendo em conta o bem da equipa. Aliado a isso, muita amizade, muito convívio, muito riso e muito choro partilhado naqueles anos que eu aprendi a recordar como os mais marcantes da minha vida. Assim crescemos.
É curioso que no ano passado, exatamente por essa mesma época, casava-se outro grande amigo, este mais próximo de mim e assim, fui atravessar o oceano imenso para participar das cerimónias e dar-lhe o meu abraço amigo e revê-lo e vê-lo feliz - para mim o maior presente. 
É estranho como algumas pessoas entranham-se na nossa alma e nada e nem ninguém os pode tirar de lá.
Dou-me conta disso como se ouvisse histórias desses tempos contadas na brisa de um outono que se anuncia com confiança - já arrefece mais no fim das tardes!
Contam-me de um sonho intenso, de uns rapazitos com o emblema no peito a acharem-se grandes capitães do futuro, a mandar e a obedecer com dedicação e fé no que faziam. Este amálgama de propósito e confiança uniu-nos de uma forma que até hoje espanta-me um pouco. 
Conheço-os tão bem que era capaz de qualquer coisa por eles e não tenho razões para duvidar da recíproca.
Como sou bom amigo, dos novos, velhos e desconhecidos amigos, vou dividir consigo, caro leitor, uma dessas histórias.
 Era este vosso escritor apenas um adolescente, quase adulto, que queria fazer valer o potencial de uma frágil instituição que por capricho das circunstâncias calhou-lhe liderar sem amarras. Essa observação final é muito importante, pois não era balizado por tutores alguns, não tinha acima da minha cabeça a batuta de ninguém, senão o olhar atento do Nosso Senhor. 
Pois bem, isso calha bem a um rapaz ambicioso como eu era, mas faltava-me a motivação para levar aquilo à frente. Aos que tinham vindo antes de mim houvera apenas a obrigação de fazer, mas eu não queria esse motivo, sabia que tinha que existir algo a mais, senão não seria possível.
Então dei-me conta que se apelasse para a razão mais simples das coisas isso faria com que os outros também percebessem. A simplicidade é uma poderosa ferramenta para o convencimento das coisas complexas.
Lembrei-me da amizade, que para o clube chama-se "companheirismo". Nós não tínhamos isso e enquanto não fosse esse o sentimento reinante, nada poderia existir e menos ainda perdurar.
Fiz todos os possíveis para levar os integrantes do clube a um encontro que haveria em Ouro Preto. Levantamos fundos, trabalhamos juntos, e lá fomos nós participar por quatro dias do encontro mineiro da minha associação. 
Havia diante de mim apenas o desconhecido, além de algumas horas valentes em um auto-carro e uma perspectiva incerta de sucesso ou fracasso.
O encontro em tudo excedeu as expectativas. Havia entre os participantes muita alegria pela amizade! Logo nos deixamos contagiar e no regresso à casa éramos companheiros e não mais apenas "sócios do mesmo clube". 
Em verdade, agora revistos, aqueles poucos dias fizeram muito mais do que dar alma à instituição, deram a mim próprio a perspectiva da alma humana que não pode estar comprometida com nada onde não esteja verdadeiramente o seu coração.
E por partilhar esta verdade com os meus verdadeiros irmãos de ideal, quando falam-me, falam muito alto em mim. Qualquer que seja a mensagem, sempre contam-me mais histórias e ajudam-me assim a revisitar os tempos em que talhamos com maço e cinzel o caráter uns dos outros e nos tornamos homens de bem.

sexta-feira, agosto 31, 2012

A transpirar por pouco ou nada

Recordo-me de outros Agostos que surgiram impercebidos na minha vida para depois tornarem-se meses a recordar.
Quis que este Agosto fosse um mês pleno de momentos de descanso, sem preocupações, onde pudesse recompor o espírito e verter aqui novas esperanças, mas não foi assim e nem poderia ser. A cumprir obrigações é que se aprende que cá estamos é para servir e não para nos servir.
Não quero chatear ninguém com essas queixas, antes, pelo contrário, convidar a vir comigo pela vereda do sentido que há em querer descansar.
Penso numa pessoa que faz uma hora de corrida todos os dias na esperança de emagrecer, mas na verdade não perde peso porque ignora que o exercício cardiovascular desacompanhado de exercícios de resistência física de pouco valem.
Da mesma forma, estar de férias, mas ao mesmo tempo sob preocupações e constrangimentos, não leva ao resultado pretendido, que no caso é descansar.
Em um e noutro caso, estiveram a transpirar por pouco ou nada.
Guardo assim, deste meu Agosto de 2012 que não vai nunca mais voltar, uma saudade de algo que não cheguei a ter, como a de um amigo que na verdade nunca cheguei a conhecer.
Imagino que assim, no meu sonho, possa recordá-lo risonho e quente, cheio dos momentos felizes que nós esperamos ter no mês de férias.
Resta a mim aqui defender o verdadeiro Agosto - não vale a pena ser injusto. Não foi em realidade um mês assim passado a pão e água, em algum canto escuro e húmido... Houve nesse mês muito encanto em doses contidas.  Foram tantos quases bonitos que quase se compunha um só inteiro! Procurei sempre ocupar o tempo com coisas úteis e boas e valeu-me alguma leitura que eu ali a brutos murros tentei defender dos que pretendiam levar-me a outros caminhos, não exatamente piores, mas talvez para mim, naquele momento, menos convidativos. E como todos sabem, por cortesia, não se deve negar os bem intencionados convites dos que nos querem bem. E lá ia eu com o sorriso triste dos que são forçados, sem encontrar naquilo nem o sentido e nem as pessoas verdadeiramente... Na verdade, estive, muitas vezes, à espera de gente e de encontros que simplesmente escaparam completamente, o que também deixou-me receoso de não encontrar neste mês mais contentamento.
Já há muito tempo acompanha-me o pensamento do chamado "verão do ano que vem", do qual acho que já falei aqui. Por vezes quero planeá-lo, tê-lo em perspectiva e um dia vivê-lo sem constrangimento algum.
Imagino um Agosto em que possa finalmente ir ver um jogo do Vasco da Gama, em que a praia não me fuja pelos dedos e fique apenas o cheiro, quando esteja a ler sem ter gente a chatear a cada cinco minutos, que não tenha que atender e nem fazer telefonemas e nem ligar computadores e nem estar a escrever disparates.
Ai, Agosto do meu sonho, o mês em que eu canto a mim próprio como o de alguma liberdade e gozo. Onde foste, lindo menino? Por que rua, por que avenida triste, cinza e ampla te foste conduzir para longe de mim?
Que não seja longa a espera e que antes que o sinta possa ter de novo a chance de fazer bem, de viver o mês das férias verdadeiramente.

terça-feira, julho 31, 2012

Há centenas de anos atrás

Ah! minha Dinamene! Assim deixaste
Quem não deixara nunca de querer-te!
Ah! Ninfa minha, já não posso ver-te,
Tão asinha esta vida desprezaste!

Como já pera sempre te apartaste
De quem tão longe estava de perder-te?
Puderam estas ondas defender-te
Que não visses quem tanto magoaste?

Nem falar-te somente a dura Morte
Me deixou, que tão cedo o negro manto
Em teus olhos deitado consentiste!

Oh mar! oh céu! oh minha escura sorte!
Que pena sentirei que valha tanto,
Que inda tenha por pouco viver triste?

                        Luís de Camões

  

Como poucas composições poéticas, este soneto persevera na minha vida como um norte nunca pálido sobre o sentido do amar e do seu sentido reflexo, o amor.

Ainda menino, imaginava o poeta a voltar de Macau com a sua chinesinha Dinamene. E então aquela súbita separação provocada pela tragédia que não poderia ser esperada. Náufrago e sozinho, o pobre poeta recompõe-se a si mesmo para lamentar o fim que tomara de súbito aquela a quem queria consigo, mas já não podia mais ter. Imaginava os seus olhos a lançarem-se para o espaço, em busca talvez de algum sinal, ou no horizonte do mar, a tentar adivinhar nos destroços também aquela pequenina mão a acenar a clamar pela sua ajuda contra a gula do oceano que afinal acabou por sepultá-la para sempre.

De volta à pátria, sobrava-lhe, como tantas vezes na sua vida miserável, a pena e o papel, e lá foi o nosso poeta renascentista enviar-nos a sua mensagem imemorial acerca do amor.

Prefiro muitas vezes esse soneto ao "Amor é fogo que arde sem se ver", não que este último não tenha em si um lirismo e uma qualidade ímpares, talvez possa ser colocado entre os melhores sonetos que buscam definir o sentimento, mas falta-lhe o elemento particular que o localiza no tempo e embora o intemporal seja muitas vezes uma qualidade, para a minha sensibilidade não o é, ao menos não no momento que venho aqui deixar esse relato, caro leitor.

A poesia vivida, a que Vinicius comprometeu-se obsessivamente, convence mais do que os belos discursos abstratos sobre a natureza das coisas. A diferença entre uns e outros, no entanto, não são os pormenores privados que fazem as pessoas de caráter fraco consumirem as revistas sensasionalistas sobre as celebridades, mas antes a compaixão nos versos, a dizer, a forma como se divide um sentimento verdadeiro. Vemo-nos nele e reconhecemos no poeta um ser humano não só capaz de compor a beleza na forma da poesia, mas sobretudo em um ser humano igual a nós mesmos, a sofrer e a sorrir com as desventuras e alegrias da vida.

Ao meu coração fala muito mais alto o lamento sincero do poeta que perante a "dura Morte" da sua amada pode consolar-se um pouco com a poesia e isso parece-me totalmente correto. Afinal, que é a poesia senão a mais doce amiga dos que estão à mercê dos próprios sentimentos? Apenas os seus versos podem falar com intimidade às recônditas partes do nosso ser e assim dar-lhes algum conforto e, sobretudo, libertá-las dos seus íntimos carrascos.

Assim foi com Camões, assim é comigo e contigo, leitor, não duvides, mesmo que a prova venha de centenas de anos atrás.

sábado, junho 30, 2012

Relato aqui os meus estudos

Aprendi, caros leitores, mais alguns bons conceitos, leis e dimensões dos respectivos regimes no meu primeiro ano do curso de doutoramento. Aprendi, sobretudo, a brutal diferença desses estudos para os de mestrado. Não no sentido académico, que por si só também é diferente - no doutoramento há mais responsabilidade com a qualidade dos escritos, há mais profundidade no pensamento (tendencialmente) - refiro-me às condições da vida deste escritor.
Entreguei no fim do mês os meus dois relatórios finais às cadeiras que frequentei como se tirasse de cima dos ombros o peso dos majestosos himalaias. Tamanha carga ganhou peso e volume por conta das outras obrigações da vida que no contrário do tempo do mestrado ainda não haviam. Por agora, foram todas as obrigações juntas - profissionais, académicas e sociais - do que por vezes vi-me literalmente sem saída com relação ao tempo que tinha para dedicar a cada atividade, permanentemente à expectativa de não conseguir fazer tudo bem, como é a norma para esses balabarismos das atividades.
Como antes, todavia, tive muito gosto em estudar, pesquisar e escrever. Sinto viva alegria em aprender, porque acredito que assim alargo os horizontes da minha vida e da minha compreensão. No aspecto da ciência do direito, sinto que torno-me um profissional mais útil aos que vão se servir dos meus serviços, assim como credencio-me a ter opinião em matérias que antes estavam fora do meu conhecimento.
Mas não pensem que não custa. Sempre custa aprender. Não refiro-me às propinas - que para uma universidade pública como é a Universidade de Coimbra, estão nos seus máximos históricos a tirar muita gente do ensino superior por carência económica - falo antes da própria condição de querer aprender, de saber ouvir os que sabem mais que nós, de humildemente apanhar nos livros e ler e ler e ler à procura do famoso conhecimento e depois de tanto lutar para alcançá-lo, saber levar na cabeça os equívocos de não ter feito a jornada na perfeição - eis a fama verdadeira da nossa faculdade de direito que eu muito agradeço, pois desafia-me sempre a ser melhor, mas que também inclui-se no sofrimento da aprendizagem.
Aprendi muito, estou contente (agora que já passou toda a aflição!), mas acho que a melhor lição foi recordar da necessidade de aprender sempre, de ser curioso e corajoso para romper os limites que por vezes nós mesmos levantamos diante do nosso potencial e que trava os sonhos que temos para a nossa visão da vida. Por vezes, não se trata de fazer um curso, mas de querer refletir sobre o que vai mal e ter coragem para escutar quem sabe mais do que nós, de dedicar-se ao estudo informal de qualquer matéria para poder fazer um trabalho melhor, sobretudo, de não se esconder no saber que já se tem por medo de ficar surpreendido com o conhecimento que está além, com o desconforto que poderá trazer, com o novo eu que ele trará consigo.
Não tenhas medo, leitor. Lembra que o medo procura o que há de mau em ti para prevalecer - as inseguranças, o receio, a preguiça até - antes escuta o que há de bom - a curiosidade, o sonho, o encantamento pelo novo e pelas surpresas, e avança com coragem rumo a saber mais e a tornar-te melhor.
Quanto mais souberes, menos temerás, ao menos assim me parece. Portanto, apanha naquele desejo de estudar francês a sério, ou de aprender sobre apicultura ou costura, não importa o tema desde que importe a ti, e mãos aos livros. Não poderás estar em melhor companhia.

quinta-feira, maio 24, 2012

A Deus


Vai-se embora, nessa bem conhecida primavera coimbrã das despedidas de todo ano, mais um dos amigos de muito tempo que tive a sorte de fazer nesta terra.
Pensei deixar aqui um testemunho algo egoísta da falta que vai fazer a todos que até Agosto pelo menos ainda terão a sua presença, mas não, farei algo mais dignificador.
Limitar-me-ei a contar o episódio e dele tirem vocês as suas conclusões como acharem melhor.
Corria o ano de 2008, um tempo de grandes mudanças e desafios pessoais. Vinha da Inglaterra para Portugal e precisava de adaptar a vida a este tempo novo em toda a sua linda e bruta feição.
Esperava-me um país e uma cidade em tudo superiores às minhas expectativas, entretanto já altas.
Fui feliz porque por cá havia gente que soube acolher-me com amizade, gente que viu na minha figura de estrangeiro a de um bom rapaz.
Entre estes que se mostrou particularmente tolerante e bom comigo está este senhor que seguirá para longe de nós já daqui uns mesitos.
Recordo com alguma nostalgia as minhas primeiras tardes no Instituto Universitário Justiça e Paz, a descobrir aquele espaço e as pessoas dali. Lembro-me como ainda hoje o vivo da generosidade e da pureza de intenções das pessoas que ali trabalham. Por um longo tempo estive ali a estudar e mesmo dar explicações. Passava assim no bar longuíssimas horas no decorrer de dois valentes anos. Sempre bem acolhido, a tomar café junto dos meus colegas, a pensar no futuro com o coração sossegado e a desfrutar da linda vista do Jardim Botânico e do rio Mondego que parecem ainda hoje emoldurar estes episódios da vida com a graça e a generosidade com que fui ali aceito e fiz ali amigos leais que tenho comigo e que muito enriquecem a minha existência.
Assim como fora para mim, esta casa é para todos. A forma como funciona, o seu cariz de bondade e de tolerância, a sua inserção efetiva para promover o bem da comunidade académica, muito se deve à direção que, com verdadeiro sentido humano e cristão, responde à indiferença com amor, à estupidez com tolerância, aos que precisam com a atenção preocupada que dão os pais aos filhos que por eles procuram.
Ver partir causa estranheza, mas não podemos ser egoístas. Devemos agradecer ao bem que nos fazem e deixar ir, libertar da nossa conveniência aqueles que procuram outros mundos e outros desafios, aqueles que têm uma alma inquieta e à procura do desconhecido, querendo ventura mais que aventura.
Assim também sou eu e também eu já parti deixando para trás um rio de lágrimas, lamentações e saudades, mas também de conquistas, de amadurecimento e de glória por ter este grande orgulho de ser senhor da minha própria vida e do meu destino.
Deixo assim a Deus, Nosso Senhor, a guarda daquele que por esses quatro anos é ainda o laço do passado que me ajuda a ver sua continuidade no presente com a certeza de que a grandiosa instituição a que ele dirigiu continuará seu caminho de trabalho cristão e dignificador da comunidade agora também em respeito ao seu legado e ao seu trabalho que está à vista de todos.
A Deus, meu bom amigo, é que cabe dizer da nossa vida e dos nossos quereres. Deixemos estas tristezas e dúvidas do porvir para repousar serenos os corações no amor do Nosso Senhor.

domingo, abril 08, 2012

Saudação à primavera

Chegam os dias mais longos, chega ao espírito o cheio do vento e o gozo do toque da maciez da pele.
Lindo tempo de venturas é este de Abril e Maio e um pouco de Junho.
Não fosse tanta chuva e tanto vento, tanta precipitação e tanto engano, seria sempre o tempo mais bonito do ano.
No parque municipal já há passarinhos a voar desorientados, cheios de preocupação com os ninhos e com os alimentos, a cantar muito animadinhos e cheios de vida, exatamente como em um antigo poema meu sobre a sua pureza a que hoje recordo como se o tivesse escrito ontem.
Falava então daquele sossego do ninho em que o filhote é acolhido, de todo o esforço dos pais, de todo o empenho, daquela circunstancia especial em que as condições são favoráveis ao prolongar da vida em outro novo ser.
E nesse sonho bonito que o instinto natural põe o seu determinismo nos progenitores para ajudarem as crias, não há mal nenhum em ver nisso amor. Também o nosso amor é determinado pelos nossos mais básicos instintos que são condicionados pela nossa personalidade e educação em partes proporcionais.
Entretanto, algo se intromete nesse meio. Um indesejado miudinho, cujo tamanho não lhe permite investigar o ninho que foi sabiamente construído no alto da árvore. Utiliza-se de uma fisga para lá chegar e no seu ímpeto de curiosidade e indiferença típicos de quem nunca experimentou sentir dor, tenta trazer o ninho ao chão sem se arriscar muito, evitando assim o risco de despencar do alto da árvore ou de, nessa escalada, ser atacado pelos guardiões do ninho.
Do chão, aponta a arma e dispara tantas vezes quanto a falta de precisão pedir. Lá no alto, um fim do mundo abate-se sobre os habitantes da casa pequenina, com a morte certa que se aproxima para as crias.
Tudo a custa de uma curiosidade vã de um miúdo.
Muitas outras crias, no entanto, irão vingar e estarão prontas para ir aos jardins cantar e dar continuidade ao puro e nobre destino dos passarinhos.
Eu por cá recordo a lembrança do poema, da minha recusa infantil em participar dessas caçadas tolas e covardes, da alegria de criar poesia a partir de uma situação algo trágica, mas que serviu para trazer de volta ao mundo a maneira de ver dos meus olhos.
Surpreendentemente, já naquele poema havia os componentes todos da cena poética da vida que teimam sempre em se repetir. Havia os passarinhos na sua constituição familiar como a pureza, as crias como a esperança no futuro, o miúdo como os terceiros que mesmo contra a nossa vontade interferem nas nossas vidas e a sua ação destrutiva como a estupidez que por vezes conduz-nos a caminhos ruinosos. Nem sempre os desfechos da vida são assim tão maus, é preciso que se diga, o conteúdo surpreendente da vida, no entanto, mantém-se.
Cada primavera serve para lembrar que a nossa sensação de ter o controle sobre as nossas vidas por vezes não passa mesmo disso, uma sensação. Todavia, onde termina uma vida não termina a vida. Tudo segue, por vezes com indiferença, às glórias e tragédias que marcam as nossas existências privadas.
Serve para lembrar-nos dessa verdade a bonita primavera que já por aqui passou muitos milhares de milhões de vezes e ainda vai retornar quando formos apenas lembrança, se tanto.

sábado, março 31, 2012

Um novo sorriso para ti



Vai, corre por esse campo aberto que é a vida. Há mil caminhos, basta apontar o nariz e querer muito que se há de chegar ao destino. E à nossa espera, o destino parece sempre perguntar "por que demoraste tanto? Era tão claro, desde cedo, que virias para cá ao pé de mim."
E por odiar esse fatalismo tão certo das nossas vidas, eu invento dentro de mim, usando o cariz faceiro e apaixonado da minha alma, um sorriso novo para ti.
Sorrio assim de lado, o meu riso mais bonito. Encontras nele o destino certo das coisas incertas? Não, não vais achar isso. Se veres bem, com olhos e coração, encontrarás meiguice e timidez, verdade e paixão, perdão e temperança. Tudo num sorriso que, dedicado e sincero, não pode ser nada menos que novo a cada instante que nasce.
Um sorriso novo que não é apenas a resposta à alegria que me causa o mundo, mas que é a alegria que queria dar ao mundo. Não de um modo tolo, mas com confiança, não sem porquê, mas com convicção na alegria pois, como bem disse o poeta, a alegria "é assim como a luz no coração".
São abertos os campos da vida, mas o meu caminho é reto, não faço curvas e nem busco atalhos. Vejo no horizonte, a querer levantar-se para estar no alto do céu, uma estrela vespertina. Esta doce classe de estrelas que aparece já ao fim do dia e que, por ter o brilho tão singelo, é engolida pela noite escura que já não a deixa aparecer.
Tão bonita, tão cintilante a estrelinha. Comunica o brilho que damos à nossa jornada: por simples que seja encontra-se na perspectiva de crescer e subir aos céus do que uns chamam felicidade, outros paz de espírito e que eu prefiro referir como "o incondicional amor" por tudo que o mereça.
Sorri-me a estrelinha vespertina, luz tão distante, perdida na vastidão estelar do que o olho humano a nu pode distinguir. De onde vem o teu brilho, amiguinha? Ela responde-me a brilhar em um código secreto que eu consegui decifrar: "do teu novo sorriso para mim".
Ela continua, continuo também eu. Não digo adeus, pois para mim essa palavra é sombreada pela tristeza do que é definitivo - eu sei, não se justifica. Digo "Boa noite! Brilha sempre!" Alguém cá da terra quer muito que continues a brilhar por dentro da grande noite escura. No meu sorriso novo há também o brilho deste doce encantamento.