quinta-feira, fevereiro 12, 2015

Mon Brel




Ainda muito pequeno ouvia os discos franceses de minha mãe e ficava a adivinhar o que estavam a cantar. Tentava ir aos picos da voz, ao carinho, tristeza ou saudade que poderia identificar no tom de voz para interpretar aqueles hinos magníficos ao espírito e à grandeza humana. Havia lá algo de grandioso que fascinava-me enormemente. 

Parece-me que muito desta impressão estava já em Jacques Brel, já que a grandeza de espírito pode mesmo consumir a vida na sua própria ascenção para ir ter com o divino.

Figura incontornável da canção francófona, este belga de mãe francesa tinha um olhos acesos de poesia que incendiavam todos quanto os que olhavam para dentro daquela alma a pingar paixão para todos os lados.

Já no fim da minha adolescência comecei a percorrer as imperiais avenidas da cultura francesa, sobretudo a sua filosofia, pintura, e sobretudo literatura e música. Das grandes delícias que a alma experimenta ao encontrar as suas primas francesas de todos os tempos, Brel despontou na minha vida com um vigor de intensidade que para mim aponta para a verdade.

Quand on a que l'amour é das canções mais belas deste mundo, mas Brel não se resume a ela apenas, há Les Bourgeoises, Ne me quitte pas, Valse a mille temps, Ce gens-là e aqui acima uma versão exemplar de Les bonbons de 1967.

Nos momentos mais duros e de grande desgaste do espírito, pude encontrar satisfação e paz na expressão francesa para a arte, na grande França imortal que inspirou todo o mundo contemporâneo a sonhar e a viver a felicidade com grandeza e vigor.

Mon Brel, mon cher ami, que falta não fazes ao nosso mundo, mas que bom é podermos voltar a ouvir-te e ver-te e encontrar no teu testemunho passado a esperança e o amor que são naturalmente humanos e que pedem-nos com olhinhos humildes de mendigo para lhes darmos um pouco de atenção e cultivá-los no espírito para a nossa própria dignidade e felicidade. Trata-se dos instrumentos mais úteis e eficazes para conhecermo-nos a nós mesmos e assim encontrarmos corretamente o nosso lugar do mundo. A ignorância destas virtudes e do cuidado que devemos ter com elas é um caminho certo para a infelicidade, para a destruição e para o niilismo.

Passada a minha infância, alguns anos mais tarde, ao aprender francês propriamente, fiquei contente de ver que muitas (mas não todas) das minhas versões de apreensão da música francesa estavam corretas afinal. Parece-me claro neste momento a razão de ser desta feliz coincidência: é universal o desejo humano de grandeza, de amor, de partilhar a dor e a alegria, de crescer e ser para máximo do nosso potencial.

Oxalá assim seja para vós todos, leitores destes escritos! Oxalá a vossa vida seja plena e feliz. É o meu desejo, e também seria o do nosso Jacques Brel.