Miano e Sinhá aquando do seu casamento em 1912
A inteligência, o coração destemido e a imensa capacidade de realização (daí decorrente) do meu bisavô Miano são quase lendárias na nossa família. A sua personalidade expansiva e carismática, somadas a uma grande ambição pessoal, lhe renderam muito sucesso nos seus negócios, e mesmo na sua família, embora não sem pontos baixos, como na vida de todos os homens.
Estas minhas palavras, as de um bisneto que não conviveu com ele, podem parecer diminuídas por essa deficiência, um benefício que foi do meu pai, dos seus irmãos e primos, com quem aprendi as histórias. No entanto, reclamo o meu estatuto de autor legítimo de uma crónica sobre o Miano porque nele se concentra muito do que nós somos como família, para o bem e para o mal, como vou deixar claro.
Maximiano Gomes de Paiva nasceu na povoação da freguesia de Rosário da Limeira, em São Paulo do Muriaé, em 1893. Foi o terceiro filho de Antônio Gomes de Paiva e de Maria Augusta Alves Pereira.
Pelo lado do seu pai, Antônio Gomes de Paiva, vem de uma família da região das Minas que como tantas outras fez a transição para a Zona da Mata em busca de novas terras quando a mineração entrou em decadência. O seu trisavô Manuel Monteiro foi o Guarda-Mór das minas de ouro em Mariana na freguesia de Guarapiranga. Na linha varonil, o seu avô Gomes José de Paiva também era da região das minas, tendo nascido naquela mesma freguesia de Mariana, em 1829.
A transição da família paterna para a zona da Mata mineira é assinalado com a aquisição de duas sesmarias na região de Rosário da Limeira e Muriaé pelo seu bisavô Domingos Francisco Monteiro, a antiga Fazenda Boa Vista, que depois passou a ser conhecida como Fazenda dos Monteiros.
Enquanto a sua avó Umbelinha vinha dessa abastada família dos Monteiro, o seu avô Gomes não tem ainda uma ascendência bem identificada, embora tenha tido bom berço: a proximidade com a família de Umbelina sugere um estatuto equivalente, além do que sabia ler e escrever ainda jovem, daí em criança teve um tutor privado para o educar.
Pela família de sua mãe, Maria Augusta Alves Pereira, sabe-se que o seu bisavô Belisário Alves Pereira, um famoso tropeiro e desbravador, veio de São Januário de Ubá para tomar posse de terras entre São Francisco do Glória e São Paulo do Muriaé nos meados do século XIX, vindo a se estabelecer perto de Rosário da Limeira, no povoado de Santo António do Onça, que hoje se chama mesmo Belisário. Foi o bisavô Belisário que pediu à arquidiocese de Mariana o reconhecimento do posseamento das terras entre Santa Rita e São Francisco do Glória que ele próprio deu o nome de Fazenda Santa Cruz, o lugar no mundo em que a vida de Miano esteve centrada. Os seus outros bisavós maternos (a esposa de Belisário, Mariana Luísa de Paiva, e os pais da avó Heduviges, Luciano Dias Paes e Ana Angélica de Andrade) também eram todos filhos dos mineiros que fizeram a primeira transição da região das minas para a nossa Zona da Mata, tendo se radicado sobretudo em São Januário de Ubá, Santa Rita do Turvo e São Sebastião do Erval.
Foi nas cercanias da Fazenda dos Monteiros, mais uma vez, na freguesia de Rosário da Limeira, no lugar denominado Vargem Alegre, o primeiro lar que o vovô Antônio Gomes formou com a vovó Augusta. Lá nasceram os dois irmãos mais velhos do vovô Miano: Augusto em 1889 e José em 1891.
Infelizmente, o seu irmão José morreu em Janeiro 1892, acometido por uma febre, e talvez por isso mesmo, a família muda-se para a sede do povoado de Rosário da Limeira neste mesmo ano. É nesta casa na povoação que nascerá o vovô Miano às 10 horas da noite do dia 19 de Abril de 1893.
Deve ter sido um menino espivitado e inquieto, a meter-se em diferentes traquinagens com o irmão mais velho e as irmãs. Calculo que tenha tido memórias de infância na Limeira, pois calculo a transição para Santa Rita do Glória foi mais para a virada do século.
Se calhar, foi muito pelas artes do pequeno Miano que a vovó Augusta resolveu juntar nas coisas deles e irem todos para Santa Rita, afinal, por lá poderiam contar com a ajuda dos tios José Belisário e Chiquinha para criarem as crianças.
Para dizer com certeza, dos seus avós, Miano só conheceu a vovó Heduviges, embora ela vive-se em Belisário. O seu avô materno, também chamado Maximiano, havia morrido 16 anos antes do seu nascimento. O seu avô Gomes também já tinha falecido, provavelmente em 1890. Resta saber se teve convívio a sua avó paterna, vovó Umbelina. Quando nasce o pequeno Miano em 1893, ela ainda era viva, portanto, chegou a conhecê-la. Presumo que a vovó Umbelina faleceu poucos anos depois, já que não pude identificar registos posteriores da sua presença. Há inclusive a possibilidade da mudança da Limeira para Santa Rita estar associada ao desaparecimento da vovó Umbelina, por volta de 1899, pois não me parece que o vovô Antônio Gomes a fosse deixar sozinha por lá.
Quando a família se muda de Rosário da Limeira para Santa Rita do Glória, o vovô Miano devia ter entre 6 e 8 anos de idade. Certamente foi um menino com muita energia e cheio de inventividade. Para além do irmão mais velho, o tio Augusto, presumo que ainda tenham nascido em Rosário da Limeira as irmãs Eduviges (1894), Umbelina (1896) e Maria Joana (1898). Já Francisca (1900, batizada claramente em homenagem à tia Chiquinha), José Thimóteo (1902), Galdino (1905), Luciano (1908), Antônio (1911) e Afonso (1914) nasceram todos em Santa Rita do Glória.
Sem desmerecer as avós que teve em menino, os verdadeiros "avós" de Miano foram os seus tios-avós José Belisário e Chiquinha.
José Belisário era irmão do pai da vovó Augusta, o finado Maximiano Alves Pereira, e Chiquinha era irmã da mãe da vovó Augusta, Heduviges Dias de Andrade, que vivia na Limeira. Era então natural que vissem a vovó Augusta como sua filha, já que eles nunca tiveram filhos, seja naturais, seja adotados. Por via de consequência, o vovô Miano e os outros sobrinhos-netos eram como netos para eles.
Numa relação de grande amor e dedicação, a influência determinante sobre a mentalidade do vovô Miano foi sem dúvida a de José Belisário. Ambos tinham o mesmo temperamento inventivo e corajoso, ambos eram também muito trabalhadores e ambiciosos, foi portanto uma ligação de sangue reforçada pelas afinidades de personalidade.
Do seu tempo de menino e rapaz em Santa Rita do Glória, o que se sabe é que vivia entre a casa do tio Zé Belisário e tia Chiquinha e a casa dos seus pais na Rua da Ponte. Não foi um menino criado na zona rural, como se poderia pensar, mas no distrito. Porém, isso não quer dizer que não tenha sido familiarizado desde cedo com a lida do campo. O pai tinha bastantes terras, e também o tio-avô sempre lhe dava tarefas e incumbências.
De convívios e festas, desde muito novo gostava delas! Acredito que esteve muito envolvido nas festas dos Santos Populares ainda menino, especialmente na festa de São João. Mais tarde na sua vida, organizou um grupo de quadrilha muito conhecido, que fazia questão de ensaiar com esmero!
Já na festa maior da nossa terra, o dia da Padroeira Santa Rita de Cássia, a 22 de Maio, a comemoração era grande! O fascínio do jovem Miano pelos foguetes e outros fogos que se queimavam em honra à santa o levou a tentar perceber como aquilo funcionava para ver se ele próprio poderia deixar aquela festa ainda maior e mais bonita!
Relativamente aos seus estudos, não me parece que tenha tido a chamada "educação formal". No tempo de menino do vovô Miano ainda não existiam as Escolas Reunidas, portanto, presume-se que a educação que teve coube a tutores, ou aos próprios parentes, como era tradicional nas famílias mineiras daquele tempo.
De qualquer das formas, foi um menino bem educado: sabia ler, escrever e fazer as operações fundamentais da aritmética. Também tinha conhecimentos de química (pela fabricação dos fogos de artifício) e de arquitetura (pela facilidade com que dirigia as obras e pela qualidade do que construiu) muito evidentes, mas que deve ter adquirido ao longo da vida. Para além disso, também conhecia a história do Brasil: não me parece que tenha sido por acaso que a Escola Rural Duque de Caxias, que constriu na Fazenda Santa Cruz, tivesse esse nome. Caxias foi o grande herói do Brasil na Guerra do Paraguai, como um exemplo de coragem e de amor à nacionalidade, virtudes que se pretendia inspirar nos estudantes através desse patrono.
O menino Miano cresce junto do pai Antônio Gomes, do tio-avô Zé Belisário e dos amigos da família desde aquele tempo, como o capitão José da Costa Lima, e evidentemente entre os irmãos e primos, filhos do seu outro tio-avô, Neca Mariano, que pelos idos de 1910 também tinha vindo para Santa Rita.
Parece-me certo que o gosto que tinha pelos negócios e a ambição de crescimento das suas propriedades tenham vindo do tio Zé Belisário, um homem muito rico e de muita visão para os negócios. Nesse aspecto, outra influência evidente foi o seu tio Luciano Alves Pereira, que teve um armazém em Limeira e depois tornou-se um comerciante de muito sucesso em Muriaé, Belo Horizonte e, por fim, no Rio de Janeiro.
Embora a família tivesse vindo para Santa Rita do Glória, as ligações com a família da avó Heduviges em Rosário da Limeira mantiveram-se. A sua mãe Augusta fazia questão de suscitar sempre essa presença nas histórias que contava e é comum haver histórias de passeios até Rosário da Limeira e Belisário para se visitar a família do lado de lá.
Mas a família do vovô Antônio Gomes e da vovó Augusta estava bem estabelecida em Santa Rita do Glória quando o rapaz Miano chegou à idade de casar. Muitos de seus irmãos já haviam nascido em Santa Rita do Glória, a família já tinha lá terras (as primeiras, doadas pelo tio José Belisário ao vovô Antônio Gomes, mas já outras adquiridas pelo trabalho) e tudo corria-lhes bem, na medida do possível.
Com 19 anos de idade, muito provavelmente através da amizade entre o Capitão José da Costa e o tio José Belisário, o vovô Miano vive o dia mais feliz da sua vida, o que se casa com vovó Sinhá.
Antiga Igreja Matriz de Santa Rita de Cássia, aquando da sua demolição para a construção da nova Igreja com torre
O casamento teve lugar no dia 26 de Outubro de 1912 na antiga igreja de Santa Rita do Glória. Os avós da noiva, o referido Capitão José da Costa Lima e o senhor Horácio Alves Ferreira foram os padrinhos de casamento. Como presente pelo enlace, o tio José Belsiário e a tia Chiquinha ofereceram-lhes 10 alqueires de terra na Fazenda Santa Cruz, onde Miano e Sinhá começam a sua fantástica vida juntos.