Há quase dez anos eu disse adeus a tudo e a todos para vir viver o sonho. "Não chorem por mim, não façam da minha ausência uma ponderação para a tristeza", pedi-lhes em vão.
Recebia-me a capital do Reino Unido naqueles meados de Agosto de 2006 com a costumeira chuva de verão inglesa.
É crucial relembrar um episódio daqueles primeiros dias. Trata-se da circunstância em que estupidamente perdi o meu guarda-chuvas Ferreti, um exemplar objeto de uso da fidalguia de Belo Horizonte. Num desses dias de chuva, após entrar num autocarro inglês de dois pisos, vermelho, como é óbvio, resolvi pousar o gancho do guarda-chuvas na barra de apoio em frente ao meu assento. Ao chegar ao ponto de desembarque, pelo susto da novidade de tudo, não deu outra: esqueci da vida e lá deixei o Ferreti: fui-me embora fazer-me inglês.
Em que pese esse simbólico abandono de Minas, no entanto, a Inglaterra tratou a minha inocência com candura e paciência. Fui muito bem recebido. Os ingleses gostam de trabalho e comprometimento, e nos estudos que me propus a fazer, e também nos meus part-times, da mesma forma, tentei ser sempre diligente, e assim também já não era um estrangeiro a mais, mas alguém que comandava algum respeito e, ao ser dada a liberdade, alguma confiança. Com a ajuda de Deus, eu alcancei todos os objetivos que ambicionara ao chegar à Inglaterra, mas não venci em tudo.
Há quase dez anos, quando troquei completamente de vida para ir experimentar algo novo, eu pensava só em cumprir o sonho. Que bom é ter coragem de se viver o próprio sonho! Olho para trás e vejo o quanto já fiz na minha vida e consigo encher toda a caverna do peito de orgulho. Sem sobrar espaço para arrependimento nenhum, eu, e apenas eu, para além do nosso Senhor, no entanto, sei o que custou. Eu também perdi.
Penitenciei-me imensas vezes, e ainda hoje o faço, por todo o sofrimento que causei a vós, família e amigos brasileiros, e a tantos outros que, sem eu próprio devotar grande amizade, sempre tiveram por mim grande carinho e consideração, e amargaram também um pouco a minha ausência.
Aos amigos que ficaram, à minha linda família, digo-vos com grande
susto: custa voltar e vê-los sempre mais velhos! É como se os nossos
entes mais chegados envelhecessem de repente 10 anos, é brutal para a
impressão visual desacostumada. Mas deixando de lado as brincadeiras,
amo-vos, minha gente linda. Sóis o que de melhor a vida me deu até 10
anos atrás e isso não é pouco, é mesmo a maior parte da minha vida!
Eu não morri, no entanto. Vivo aqui no nosso Portugal dos antepassados, como eu insisto em chamá-lo, a fazer o meu percurso de uma maneira nova, uma vida nova. Não é uma vida em substituição à vida antiga, como se desta eu quisera livrar-me. Não pensai assim, pois não é verdade... É uma vida nova que responde a um chamado profundo que sempre houve dentro de mim, que pedia para avançar para mais além. Eu precisava de descobrir um mundo maior do que aquele que vós me havéis dado e do qual eu sou muito grato.
Agora eu sou capaz de olhar para trás e reconher que precisava de conhecer um mundo novo, um lugar em que os limites da minha própria origem fossem levantados, e onde eu pudesse ver o que valia para além do que já sabia, para além do que estava já à minha espera.
Eu paguei o preço: não pensem que o orgulho significa alegria. O orgulho é justamente a satisfação de ter vencido o sofrimento, a incerteza, a saudade e a angústia por acreditar em algo maior e mais valoroso que tudo isso. Foi o que eu sempre tentei fazer: pôr as situações contingentes em perspectiva e não permitir que alterassem as minhas convicções íntimas sobre mim mesmo e o meu destino. O pesar pelos retrocessos nunca foi maior que a vontade de superar essas dificuldades. A Inglaterra soube reconhecer esta atitute e cá no nosso lindo Portugal também a mesma postura tem sido, vez após vez, ano após ano, saudada com respeito e elevada pelos meus pares, pelos meus amigos, e até pelos meus conhecidos.
Não quero despedidas, porque até onde me disseram, a ponte do retorno não cai de velha ao se completar dez anos de exílio. Quero, isso sim, que os que ficaram para trás tragam-me na lembrança com o mesmo carinho que tenho por eles, e que eu possa estar presente na vida deles de formas diferentes enquanto a presença física não é possível.
O meu testemunho, talvez convenha esclarecer, não é um grito à emigração. O nosso país basta e provém a todos e mesmo aos estrangeiros, todos sabemos bem. Não foi por ser preciso que eu parti... No entanto, o meu apelo poderia ser o de ter coragem para viver em liberdade. O que mais quero, ó meus queridos amigos, é que vivéis as vossas vidas sem medo, e não deixéis para o amanhã indefinido a crucial importância de viver o sonho e trazê-lo, às custas que forem, ao sangue que se pedir de vós, à realidade.
O meu mantra nesses dez anos não foi o impetuoso "não te permitas fracassar", mas sim o prudente "não deixa que cresçam ervas daninhas no campo dos teus sonhos".
E por isso mesmo, caros amigos leitores, que ao cabo de quase dez anos, e se calhar para todo o resto da vida, assumi mais essa profissão de fé: ser um jardineiro de sonhos. Sóis todos bem vindos a juntarem-se à minha guilda.
terça-feira, maio 17, 2016
quinta-feira, fevereiro 12, 2015
Mon Brel
Ainda muito pequeno ouvia os discos franceses de minha mãe e ficava a
adivinhar o que estavam a cantar. Tentava ir aos picos da voz, ao
carinho, tristeza ou saudade que poderia identificar no tom de voz para
interpretar aqueles hinos magníficos ao espírito e à grandeza humana. Havia lá algo de grandioso que fascinava-me enormemente.
Parece-me que muito desta impressão estava já em Jacques Brel, já que a grandeza de espírito pode mesmo consumir a vida na sua própria ascenção para ir ter com o divino.
Figura incontornável da canção francófona, este belga de mãe francesa tinha um olhos acesos de poesia que incendiavam todos quanto os que olhavam para dentro daquela alma a pingar paixão para todos os lados.
Já no fim da minha adolescência comecei a percorrer as imperiais avenidas da cultura francesa, sobretudo a sua filosofia, pintura, e sobretudo literatura e música. Das grandes delícias que a alma experimenta ao encontrar as suas primas francesas de todos os tempos, Brel despontou na minha vida com um vigor de intensidade que para mim aponta para a verdade.
Quand on a que l'amour é das canções mais belas deste mundo, mas Brel não se resume a ela apenas, há Les Bourgeoises, Ne me quitte pas, Valse a mille temps, Ce gens-là e aqui acima uma versão exemplar de Les bonbons de 1967.
Nos momentos mais duros e de grande desgaste do espírito, pude encontrar satisfação e paz na expressão francesa para a arte, na grande França imortal que inspirou todo o mundo contemporâneo a sonhar e a viver a felicidade com grandeza e vigor.
Mon Brel, mon cher ami, que falta não fazes ao nosso mundo, mas que bom é podermos voltar a ouvir-te e ver-te e encontrar no teu testemunho passado a esperança e o amor que são naturalmente humanos e que pedem-nos com olhinhos humildes de mendigo para lhes darmos um pouco de atenção e cultivá-los no espírito para a nossa própria dignidade e felicidade. Trata-se dos instrumentos mais úteis e eficazes para conhecermo-nos a nós mesmos e assim encontrarmos corretamente o nosso lugar do mundo. A ignorância destas virtudes e do cuidado que devemos ter com elas é um caminho certo para a infelicidade, para a destruição e para o niilismo.
Passada a minha infância, alguns anos mais tarde, ao aprender francês propriamente, fiquei contente de ver que muitas (mas não todas) das minhas versões de apreensão da música francesa estavam corretas afinal. Parece-me claro neste momento a razão de ser desta feliz coincidência: é universal o desejo humano de grandeza, de amor, de partilhar a dor e a alegria, de crescer e ser para máximo do nosso potencial.
Oxalá assim seja para vós todos, leitores destes escritos! Oxalá a vossa vida seja plena e feliz. É o meu desejo, e também seria o do nosso Jacques Brel.
terça-feira, novembro 25, 2014
O canto do cisne
Chovia muito, fazia algum frio, não muito. Era ainda o início do outono em Coimbra e os humores de futricas e doutores encontravam-se divididos entre a perspectiva do aperto das contas e a perspectiva dos exames. Havia mesmo muita tristeza nos olhos das pessoas nas paregens de autocarro - o tempo a escorrer conforme a chuva que caia sem descanso e o transporte que já não chega a horas.
A perspectiva do tempo ganhou uma dimensão completamente nova para mim quando se olha de frente para o que se quer fazer e, noutro lado, os recursos que tempos para a empreitada.
Quando eu era ainda miúdo fui a Ouro Preto com uns bons amigos da altura. O nosso propósito era participar de um encontro, mas rapidamente pudemos ver que havia muito mais ali do que aquilo. Uma cidade antiga, com um céu que não nos compreendia, nas palavras do poeta.
Formávamos já há algum tempo um grupo destemido de rapazitos em busca de ser vistos como homens. Por vezes íamos às festas universitárias e queríamos nos passar por "doutores", alguns mais atirados a pingar amor para todo o lado.
Em Ouro Preto tudo isso assumiu uma feição mais íntima, uma lua imensa iluminou as pedras antigas e no dia seguinte já não havia rapazitos, mas homens. Como o mito do lobisomem, o transcurso de uma noite com lua cheia serviu para mudar, mas no nosso caso a transformação foi no coração e no pensamento.
Estávamos todos a conversar animados após o jantar e havia já quem propusesse grandes teses sobre a igualdade e outros sobre a tolerância e o amor. Eu da minha parte acompanhava o brilho dos olhos. De alguma maneira sentia-me estranhamente em casa. Aquele ambiente, aquela gente, aqueles cheiros, tudo parecia algo próprio de mim mesmo.
Depois do café, fomos todos para a Praça Tiradentes para ver o movimento, à mineira e à antiga. Não havia lá muita gente para além dos estudantes e dos turistas. Havia duas raparigas alemães que não percebiam o que era o barroco e um dos meus amigos - por sinal, ainda hoje voluntarioso e falador, quis ser o porta-voz das tradições. Mais hora, menos hora, fomos todos ficando amigos.
Senti-me estranhamente dono da minha vida. Sentia o frio vento da noite ouropretana a bater-me no rosto e a deixar um pouco de mim mesmo naquele vento que passava: podia ser tudo que quisesse na vida.
Hoje recordo que ainda há poucos meses regressei a Ouro Preto e novamente senti-me em casa. Já não era o rapazito ansioso para ser homem, já agora um homem a fazer-se à vida. O antigo sonho de ir para engenharia de minas ficou em Ouro Preto, guardião das minhas memórias de adolescente e das minhas ilusões de rapaz.
Há algo que não se pode trocar, nem comprar e nem vender? Ouro Preto disse-me que sim, há o tempo.
Tu não me escapas, vida minha. Tenho ainda a juventude de quem se pode lançar com toda força e é o que hei de fazer. Os horizontes estreitam-se, mas nunca se hão de estreitar para que possa fazer a coisa certa e ser justo com os outros.
Valham-me as tristes e chuvosas tardes de Outono da minha velha Coimbra, pensativa e generosa à espera de que o enigma do tempo que eu um dia quebrei em Outro Preto seja também quebrado por mais gente e de que os dias sejam usados para maior proveito do que realmente vale a pena: amar, sonhar e estar com quem se gosta.
A perspectiva do tempo ganhou uma dimensão completamente nova para mim quando se olha de frente para o que se quer fazer e, noutro lado, os recursos que tempos para a empreitada.
Quando eu era ainda miúdo fui a Ouro Preto com uns bons amigos da altura. O nosso propósito era participar de um encontro, mas rapidamente pudemos ver que havia muito mais ali do que aquilo. Uma cidade antiga, com um céu que não nos compreendia, nas palavras do poeta.
Formávamos já há algum tempo um grupo destemido de rapazitos em busca de ser vistos como homens. Por vezes íamos às festas universitárias e queríamos nos passar por "doutores", alguns mais atirados a pingar amor para todo o lado.
Em Ouro Preto tudo isso assumiu uma feição mais íntima, uma lua imensa iluminou as pedras antigas e no dia seguinte já não havia rapazitos, mas homens. Como o mito do lobisomem, o transcurso de uma noite com lua cheia serviu para mudar, mas no nosso caso a transformação foi no coração e no pensamento.
Estávamos todos a conversar animados após o jantar e havia já quem propusesse grandes teses sobre a igualdade e outros sobre a tolerância e o amor. Eu da minha parte acompanhava o brilho dos olhos. De alguma maneira sentia-me estranhamente em casa. Aquele ambiente, aquela gente, aqueles cheiros, tudo parecia algo próprio de mim mesmo.
Depois do café, fomos todos para a Praça Tiradentes para ver o movimento, à mineira e à antiga. Não havia lá muita gente para além dos estudantes e dos turistas. Havia duas raparigas alemães que não percebiam o que era o barroco e um dos meus amigos - por sinal, ainda hoje voluntarioso e falador, quis ser o porta-voz das tradições. Mais hora, menos hora, fomos todos ficando amigos.
Senti-me estranhamente dono da minha vida. Sentia o frio vento da noite ouropretana a bater-me no rosto e a deixar um pouco de mim mesmo naquele vento que passava: podia ser tudo que quisesse na vida.
Hoje recordo que ainda há poucos meses regressei a Ouro Preto e novamente senti-me em casa. Já não era o rapazito ansioso para ser homem, já agora um homem a fazer-se à vida. O antigo sonho de ir para engenharia de minas ficou em Ouro Preto, guardião das minhas memórias de adolescente e das minhas ilusões de rapaz.
Há algo que não se pode trocar, nem comprar e nem vender? Ouro Preto disse-me que sim, há o tempo.
Tu não me escapas, vida minha. Tenho ainda a juventude de quem se pode lançar com toda força e é o que hei de fazer. Os horizontes estreitam-se, mas nunca se hão de estreitar para que possa fazer a coisa certa e ser justo com os outros.
Valham-me as tristes e chuvosas tardes de Outono da minha velha Coimbra, pensativa e generosa à espera de que o enigma do tempo que eu um dia quebrei em Outro Preto seja também quebrado por mais gente e de que os dias sejam usados para maior proveito do que realmente vale a pena: amar, sonhar e estar com quem se gosta.
sábado, maio 24, 2014
Baden
Ao ver o vídeo acima, fica clara a razão pela qual Vinicius de Moraes estimava tanto a parceria com Baden Powell. Doce, meigo e muito humilde, o grande Baden transmitia uma serenidade indizível. Assombra-me sempre ver os seus vídeos e a sua magistral habilidade com a guitarra a sua desenvoltura para criar e reproduzir música com uma instintividade só superada pela sua dedicação ao aprimoramento: eis o talento prestigiado pelo trabalho, qualidade tão rara nas sociedades humanas.
Lembro-me da primeira vez que ouvi o Baden a tocar, foi em casa de um amigo num sábado antes do almoço. "Vamos ouvir o Baden" e eu a achar que o fundador do escotismo tinha também dotes artísticos! Daí em diante ficamos imenso tempo na conversa, à volta dos tira-gostos e das bebidas, a ouvir Baden Powell e a desfrutar do bom convívio.
Baden representa mesmo o melhor talento artístico brasileiro, pois está alinhado nas melhores tradições populares, ainda assim extremamente sofisticado, rico em suas diversas variações e docemente triste. Quanta beleza!
Tímido, reservado e de poucas palavras, Baden construiu a sua carreira sem forçar o seu caminho, em verdade foi o caminho da fama e do sucesso que se abriu para o talento e a dedicação que tinha com a música.
Admiro profundamente o seu talento e a sua personalidade, sobretudo se for verter os olhos para o grosso da classe musical dos dias que correm.
Nesse sentido, há uma comparação que o cantor e compositor Marcelo Camelo faz entre os músicos, ou seja, quem faz música para dar alguma coisa às outras pessoas, e os que pretensamente assim se chamam enquanto fazem música para tirar alguma coisa às outras pessoas.
Embora não seja em si o agreste do talento e do caráter da classe musical que o faça grande, Baden se destaca pela facilidade com que se identifica na obra dele a verdadeira música, e assim é que se confirma a regra que Camelo quis estabelecer e que reflete o verdadeiro respeito pela música.
Admiro profundamente o seu talento e a sua personalidade, sobretudo se for verter os olhos para o grosso da classe musical dos dias que correm.
Nesse sentido, há uma comparação que o cantor e compositor Marcelo Camelo faz entre os músicos, ou seja, quem faz música para dar alguma coisa às outras pessoas, e os que pretensamente assim se chamam enquanto fazem música para tirar alguma coisa às outras pessoas.
Embora não seja em si o agreste do talento e do caráter da classe musical que o faça grande, Baden se destaca pela facilidade com que se identifica na obra dele a verdadeira música, e assim é que se confirma a regra que Camelo quis estabelecer e que reflete o verdadeiro respeito pela música.
A este grande músico, que muitas vezes ocupa o silêncio das minhas horas de estudo e engrandece a minha vida, a minha pequenina homenagem, o meu gesto de gratidão.
segunda-feira, março 03, 2014
Um mineiro chamado Raul Agostinho
Tinha então 19 ou 20 anos e encontrava-se já casado e dominado pelo sonho de fazer fortuna. No seu sangue, corria plena a ancestral ambição mineira de enriquecer e regressar ao Reino. O meu avô já nem sabia disso - tantas gerações passadas, já Portugal fora em muito esquecido da memória coletiva: mortos os parentes, passado o tempo, não havia mais para onde voltar - todavia, lá estava o sonho, intacto e dominador, a mandar ir à frente. E ele foi.
Ao casar, recebeu do pai uma carrinha e vivia em uma casa arrendada. Fazia então os seus fretes para ganhar uns trocos e, sempre muito conversador e conhecedor das gentes da terra, ficava atento às oportunidades de negócio.
Numa destas conversas, ficou a saber que havia um senhor de idade, dono de umas boas terras lá próximas das dele que queria vendê-las. Já estava velho e sem saúde para cuidar daquilo, queria mesmo era ir para o Rio de Janeiro ter com os filhos que lá já viviam e assim terminar em paz os seus dias.
Terra por terra, havia muitas à venda, mas aquelas terras eram especiais. Os entendidos diziam haver lá abundância de mica para tirar da terra. A mica - termo de origem latina que significa "brilhante" - é um mineral com divisal basal altamente perfeita, muito útil para a fabricação de condensadores e isolantes elétricos devido às suas propriedades naturais.
O velho disso tinha alguma ideia, mas não tinha certezas - e nem energias para explorar aquilo. O avô fez-lhe uma oferta boa, mas o velho disse que tinha que subir um pouco. Tendo em conta a boa oportunidade - que não era certa! - o avô vendeu a carrinha e apanhou dinheiro emprestado com toda gente que conhecia, inclusive no nome do pai.
Compradas as terras, para lá se mudou com a sua jovem esposa. Foram viver na pequena choupana onde tinha vivido o velho, sem luz, sem água, mas com muito amor, da parte dos dois, e vontade de enriquecer, sobretudo da parte do meu avô.
Sendo filho de boas famílias da terra, os trabalhos brutos e físicos não eram propriamente trabalhos que faria. Mas nunca teve medo de trabalhar, e o sonho ardia demasiado intensamente para se dizer que não ao que quer que fosse: faria o que fosse preciso.
Passavam-se os dias, o avô saia cedo, antes do sol, para ir abrir a sua mina. Trabalhava duro, com a pá e a picareta, em busca do seu tesouro. A avó ia pelas 10:30hs levar o café e também lhe dava algum afago - o trabalho nas minas não era fácil.
De volta à casa ao fim do dia, muitos calos nas mãos, a pele coberta de terra, as unhas sujas, e mica nenhuma. Já começavam a apertar os credores. O pai que lhe chamava a atenção por ter colocado o nome dele na praça à custa de sonhos tolos, a mulher também não andava feliz com aquela vida cheia de privações: era a pressão a subir-lhe pelos calcanhares, mas o avô não a deixava assentar.
Mais tarde na vida, pude ver com os meus próprios olhos a fibra e a fortaleza que habitam o avô. Diante da morte brutal de um dos filhos, guardou o semblante sempre sereno, pronto a confortar. Não vergou nem um centímetro, e não por orgulho tolo, mas porque sabia que tinha de ser o esteio da família, a coluna mestra daquela casa emocionalmente destroçada, que ele não deixaria vir abaixo. Pouco sabia então que aquela hombridade vinha de muito antes.
Aos credores: já vão ser pagos; ao pai: tem paciência que o teu nome tem boa reputação; à mulher: ao menos temos a fé no Senhor e um ao outro. E trabalhava: dia a dia, a parar aos domingos, cravava na terra a sua picareta, tirava as sacas de terra da mina, sempre com um mesmo pensamento de vitória.
Ao fim de um longo dia, já com os músculos dos braços a tremer (acumulava-se-lhe o ácido lático nos músculos fatigados), ficou na mina já depois de escurecer. Tinha em si um impulso de continuar. Em casa a mulher a rezar: o que se passa com o Raul que nunca mais chega?
Batia a picareta contra o fundo da mina, alguma sobra de mica já a tinha visto, mas onde está o generoso veio que andava já há meses a procura? A dúvida alimentava o corpo cansado, batia, batia, batia a picareta contra a terra. Atrás de si, um lampião mal iluminava aquele mundo subterrâneo.
Afinal, a picareta encontrou resistência e avançou quase nada. Há aqui rocha, pensou. Retirou a terra com as mãos, sentiu a rocha, era lisa, como lisas são as partes de mica, finíssimas películas sobrepostas - o seu coração saltou, mas ainda não via. Deitou água para cima daquilo, limpou com as mãos e chegou o lampião junto ao fundo da mina e o que viu ele disse-me uma vez com os seus bonitos olhos verdes a brilhar: "vi o meu reflexo e sorri como um louco!".
O avô tinha encontrado o maior veio de mica até então conhecido. Basta dizer que pagou as dívidas todas na semana seguinte a descobrir o veio e ainda comprou camiões para carregar aquela mica toda - despachada para o Rio de Janeiro e depois para o estrangeiro.
Enriqueceram muito. Teve uma vida boa, comprou terras, cultivou café, criou gado, depois, mais tarde na vida, perdeu dinheiro nos seus negócios de compra e venda de terras, ao ponto de ter de ir viver para as terras herdadas pela mulher, o único bem que havia sobrado. Ainda naquele momento mais baixo, que eu rapazito pude ver, manteve sempre mesma integridade e consistência: voltava a trabalhar duro com o mesmo sonho de enriquecer, não esmorecera em nada.
Raul, este nome que para mim diz serenidade, calma ao falar, pensar rápido e à frente dos outros, esta designação que é tão próxima do meu espírito e da minha forma de ver o mundo, sob o signo da justiça e com força e pujança para o trabalho, esta fortaleza da família, esta beleza indizível na forma de amar sem declarações que eu tanto aprecio e que tão bem sabe - por ser verdadeira.
Este nosso Raul Agostinho (o Agostinho é herança do pai, que era António Agostinho; o avô chama-se Raul António), completou agora há duas semanas 80 anos. Os meus parabéns, avô. Deste-me com a tua vida o que ninguém mais me poderia dar. Herança minha de que tenho imenso orgulho.
sexta-feira, janeiro 03, 2014
Ano novo, novos sorrisos
Ainda ontem estive a ver um documentário sobre o natal na Inglaterra no tempo dos Tudors e de tudo, fascinou-me ver como naquele tempo, portanto, na idade média, o natal era já uma festa que seguia as tradições pagãs de festejar o solstício de inverno no hemesfério norte, o dia 22 de Dezembro.
Estas festas tinham por objetivo animar um pouco as pessoas, já que esta também é a época do ano com menos luz do sol, dias curtos, noites longas, frio, chuva, mau tempo enfim...
Havia, deste então também, festas e brincadeiras que marcavam o fim do ano e o início de um novo ciclo.
Ora bem, o ciclo 2014 já começou. Vamos lá ver como segue para todos nós. Fazemos os esforços, mas, honestamente, ninguém sabe o que vai acontecer.
E isso é bom! É tempo de fazer melhor e de fazer mais. Todavia, nem sempre se sabe como fazê-lo. Talvez o mais fácil seja apenas esperar pelas coisas, ver como vão acontecer. Afinal de contas, o destino estaria já traçado...
Eu não penso nada assim. Acredito que nós estamos no comando das nossas vidas e podemos e devemos dar-lhes o rumo que acreditamos ser o certo. Orientar a vida é uma coisa (e já é muito, por vezes), mas a orientação certa a dar, bem, daí já é diferente.
Há quem se baseie apenas nas suas necessidades e desejos, bricam com a religião (na qual não acreditam de verdade), são educados com os outros, mas no fundo não se importam muito com os outros. Esses são os que costumam fazer o mal e o fazem porque esta filosofia gera infelicidade e gente infeliz faz os outros infelizes.
Penso que uma boa orientação para 2014 é ver que a felicidade está, na verdade, no bem que fazemos aos outros. Não me refiro apenas à caridade, penso sobretudo a transferir esta intenção sincera na execução do trabalho: saber envolver as pessoas com quem trabalhamos com confiança no que fazem, interesse pelo que são, cooperação bem intencionada com o que precisam. Antes ainda, pode ser bem aplicado na família, com aplicação da paciência para perceber e apoiar uns aos outros, sem brutalidade e ou frontalidade desnecessária. No entanto, se ainda houver aí boa disposição para dar o passo à frente, a caridade é uma linda opção.
Os ingleses dizem que a caridade começa em casa, mas eu acho que a caridade começa mesmo com nós próprios. Ora bem, isso pode parecer estranho de dizer, já que lá acima eu não quis ir pela via do egoísta, mas na verdade, a caridade é um sentimento sempre voltado para fora. Ao termos caridade conosco próprios, estamos na verdade a tentar perceber o que há em nós que pode ser dado aos outros.
Eu gosto de partilhar as coisas belas que vou descobrindo pela vida. A poesia é maravilhosa, e gosto de dividi-la com os amigos e com a família, mas também é preciosa a habilidade de saber tratar as pessoas, de valorizá-las, estimulá-las. Podemos mudar a vida das pessoas ao mostrar-lhes do que são capazes, o que podem fazer se tomarem a decisão de se desenvolver e se tornar melhores.
Eu espero que em 2014 possa aprender a ser um homem melhor do que sou hoje. Ao cabo destes novos 12 meses à nossa frente, que possamos todos ter a coragem necessária de aprender e corrigir o que for preciso. Partilhar esta viagem convosco, amigos e familiares, faz deste novo ano o melhor de todos. Vamos juntos fazê-lo valer.
sexta-feira, setembro 13, 2013
A força e a juventude
Antes não ligava muito às mortes dos meus parentes. Rezava e ficava triste, mas não pensava muito, não entrava nos meandros do tempo que tinha passado. Todavia, algo neste concluir do livro da vida acaba por fazer sentido para a minha vida, sobretudo quando quem se vai fá-lo ainda na juventude.
O Fabrício, o meu primo de 2.º grau que faleceu no sábado, tinha apenas 37 anos de vida.
Dele, falam-me as lembranças de infância quando o meu primo mais velho capitaneava as brincadeiras na quinta do bisavô. O rio que contornava aquela península da manhã da vida era a fronteira e o destino preferido das pescarias e brincadeiras. As longas tardes a caçar nas altas mangeiras à beira do rio as mais doces mangas da vida - pequenas e cheinhas, como cá em Portugal se diz que tem de ser as sardinhas e as raparigas.
Ele avançou para dentro da vida adulta antes que eu. Começou já com o divórcio dos pais e a partir daí, uma adolescência de rebeldia e insubordinação. Afrontado pela vida, restou-lhe também afrontar de volta. Virou homem assim de uma maneira algo estúpida, com os sentimentos contorcidos num mar de confusões e alguma tristeza escondida.
A força e a juventude encontraram boa expressão naquele rapaz bonito e sorridente. Gostava da bola, como todo rapaz da sua idade, e era afixionado pelo Flamengo - predileção que não é a minha, mas que tem alguma popularidade na família da minha mãe - e pelas raparigas bonitas, com as quais teve sempre muita popularidade.
Nem força, nem juventude e nem beleza foram capazes de confortar aquele coração solitário e aquela mente perturbada pelas tristezas com que fora obrigado a crescer.
No ímpeto da rebeldia, foi fácil às más companhias encontrarem nele alguém que lhes desse ouvidos e ele próprio, se calhar, passou a ser chamado pelos outros de "má companhia". Todavia, nunca fez mal à ninguém deliberadamente, senão a si mesmo.
A indisciplina, a rebeldia e a falta de orientação lançaram-no para uma vida de mediocridade em que, por pura sorte, acabou por esbarrar na futura esposa, talvez a pessoa que mais tenha verdadeiramente acreditado nele. Deu-lhe uma filha linda e viveram juntos até que ela também já não conseguia aguentar mais os abusos daquela alma atormentada.
Depois desta separação, perambulou pelo mundo mais uns poucos anos, provavelmente ainda mais triste, até encontrar a doença e a morte numa cama de hospital.
Lembro-me vivamente da última vez que o vi. Graças às cunhas da mãe, estava na altura a trabalhar na câmara da nossa terra, fora designado para um dos espaços públicos de recreação, numa função subalterna. Via-se tão envelhecido e tão triste, que custou-me muito sorrir-lhe e ir apertar-lhe a mão. Não estava desgostoso de cumprimentá-lo, mas sim triste de vê-lo naquele estado, era umas sobras do homem rijo e bem feito que um dia fora. Parecia, desde então, acabado para a vida. Mesmo naquele dia pensei com todo o coração o que poderia fazer por ele, o que estava ao meu alcance... mas a viver aqui tão longe e a cuidar também eu das minhas coisas, não pudia fazer muito a não ser dar-lhe ali uma palavra de amizade e o meu sorriso com carinho. Assim fiz ao meu primo, despedi-me daquela vez sem pensar que poderia ser a última, mas foi mesmo.
Uma vida interrompida guarda sempre o mistério da questão: e se tivesse sido diferente? E se quando pequeno não tivesse sofrido com os pais que teve? E se tivesse tido melhor orientação na adolescência? E se tivessem lhe aconselhado emigrar e deixar aquelas coisas da terra que o chateavam para trás? Ora, ele próprio também escolheu os seus caminhos, isto é válido para todos nós, chama-se livre arbítrio, todavia, muitos outros também ajudaram a empurrar-lhe para a avenida dos dias contados.
Tenho rezado pela alma deste meu primo. Desejo que possa descansar em paz e que a sua filhinha cresça para uma vida feliz que o pai, mesmo a amando muito e de coração, nunca poderá ver.
O Fabrício, o meu primo de 2.º grau que faleceu no sábado, tinha apenas 37 anos de vida.
Dele, falam-me as lembranças de infância quando o meu primo mais velho capitaneava as brincadeiras na quinta do bisavô. O rio que contornava aquela península da manhã da vida era a fronteira e o destino preferido das pescarias e brincadeiras. As longas tardes a caçar nas altas mangeiras à beira do rio as mais doces mangas da vida - pequenas e cheinhas, como cá em Portugal se diz que tem de ser as sardinhas e as raparigas.
Ele avançou para dentro da vida adulta antes que eu. Começou já com o divórcio dos pais e a partir daí, uma adolescência de rebeldia e insubordinação. Afrontado pela vida, restou-lhe também afrontar de volta. Virou homem assim de uma maneira algo estúpida, com os sentimentos contorcidos num mar de confusões e alguma tristeza escondida.
A força e a juventude encontraram boa expressão naquele rapaz bonito e sorridente. Gostava da bola, como todo rapaz da sua idade, e era afixionado pelo Flamengo - predileção que não é a minha, mas que tem alguma popularidade na família da minha mãe - e pelas raparigas bonitas, com as quais teve sempre muita popularidade.
Nem força, nem juventude e nem beleza foram capazes de confortar aquele coração solitário e aquela mente perturbada pelas tristezas com que fora obrigado a crescer.
No ímpeto da rebeldia, foi fácil às más companhias encontrarem nele alguém que lhes desse ouvidos e ele próprio, se calhar, passou a ser chamado pelos outros de "má companhia". Todavia, nunca fez mal à ninguém deliberadamente, senão a si mesmo.
A indisciplina, a rebeldia e a falta de orientação lançaram-no para uma vida de mediocridade em que, por pura sorte, acabou por esbarrar na futura esposa, talvez a pessoa que mais tenha verdadeiramente acreditado nele. Deu-lhe uma filha linda e viveram juntos até que ela também já não conseguia aguentar mais os abusos daquela alma atormentada.
Depois desta separação, perambulou pelo mundo mais uns poucos anos, provavelmente ainda mais triste, até encontrar a doença e a morte numa cama de hospital.
Lembro-me vivamente da última vez que o vi. Graças às cunhas da mãe, estava na altura a trabalhar na câmara da nossa terra, fora designado para um dos espaços públicos de recreação, numa função subalterna. Via-se tão envelhecido e tão triste, que custou-me muito sorrir-lhe e ir apertar-lhe a mão. Não estava desgostoso de cumprimentá-lo, mas sim triste de vê-lo naquele estado, era umas sobras do homem rijo e bem feito que um dia fora. Parecia, desde então, acabado para a vida. Mesmo naquele dia pensei com todo o coração o que poderia fazer por ele, o que estava ao meu alcance... mas a viver aqui tão longe e a cuidar também eu das minhas coisas, não pudia fazer muito a não ser dar-lhe ali uma palavra de amizade e o meu sorriso com carinho. Assim fiz ao meu primo, despedi-me daquela vez sem pensar que poderia ser a última, mas foi mesmo.
Uma vida interrompida guarda sempre o mistério da questão: e se tivesse sido diferente? E se quando pequeno não tivesse sofrido com os pais que teve? E se tivesse tido melhor orientação na adolescência? E se tivessem lhe aconselhado emigrar e deixar aquelas coisas da terra que o chateavam para trás? Ora, ele próprio também escolheu os seus caminhos, isto é válido para todos nós, chama-se livre arbítrio, todavia, muitos outros também ajudaram a empurrar-lhe para a avenida dos dias contados.
Tenho rezado pela alma deste meu primo. Desejo que possa descansar em paz e que a sua filhinha cresça para uma vida feliz que o pai, mesmo a amando muito e de coração, nunca poderá ver.
sábado, junho 29, 2013
Aos que tripudiam da vossa memória
Que resta depois da morte senão a memória do que se fez e do que se foi? Pouco ou mesmo nada, diria eu.
Assim sendo, quando muito se faz, mais ainda se justifica que seja lembrado e reverenciado pelo legado de uma vida e de um sonho.
Tenho especial predileção pela memória de Dom Pedro IV de Portugal e I do Brasil. Mais do que um príncipe, por si só, foi mesmo alguém que, tendo a posição e a condição de transformar, o fez sem pensar duas vezes, uma vez consultada a voz da sua consciência.
Libertou o Brasil daquelas pretensões mesquinhas e verdadeiramente estúpidas das Cortes Liberais, indo mesmo ao ponto de separar para sempre o novo país de Portugal. Estabeleceu um novo Estado, deu-lhe a sua feição inicial e, sobretudo, a sua constituição. Na outra parte da sua vida, já de volta a Portugal, libertou o país do absolutismo tirânico que massacrava o reino com intolerância e violência, restaurando (ou mesmo implantando, como alguns defendem) uma ordem constitucional e seus valores intrínsecos.
Mesmo tendo sido um herói de tal grandeza, mesmo tendo atingido, ao cabo de apenas 36 anos, tantas e tão enormes façanhas nunca mais igualadas por ninguém em proporção e significado histórico, mesmo assim, tem a sua memória vilipendiada e o seu legado menosprezado.
A independência acusam-no de tê-la feito por estar sob a influência de José Bonifácio. Esta insinuação de que Bonifácio seria um seu mentor sempre o perturbou imenso. Pedro tinha um génio muito forte e foi educado para ser um homem honrado e leal - por toda a vida viveu por estes princípios. É óbvio que não era somente a vontade dele, era a vontade de todo um povo que ele soube ouvir. Bonifácio teve influência? Sim, claro que sim, era dos homens mais influentes daquele momento. Porém, não cabe apontar para qualquer indecisão por parte de Pedro quanto a isso. Romper com Portugal era para ele uma questão muito difícil, pois significava romper com o seu pai, o Rei de Portugal, pessoa a quem jurara lealdade e estava afeto por fundos vínculos de amor filial.
Recebeu, no entanto, com ânimo sereno os abaixo-assinados de milhares e milhares de brasileiros de São Paulo e do Rio de Janeiro de que não se cumprissem contra a vontade do Regente as ordens das Cortes, o que por si só insinuava o grito popular pela independência. Quando decidiu ficar no Brasil no famoso 9 de Janeiro, penso que já estava na antessala da libertação do Brasil, então decidida no seu coração. Sentia-se amado e querido pelos brasileiros, e pelo amor que lhe era dado, nunca deixou de corresponder.
Fez a independência e cunhou, ele próprio, a expressão "independência ou morte". As cores verde e amarela, consideradas as cores nacionais do Brasil, foram também por ele acolhidas em representação da sua Casa de Bragança com o verde, e da Casa de Habsburgo de dona Leopoldina com o amarelo.
Tomou para si a Nacionalidade Brasileira, rejeitando a sua nacionalidade de origem, facto que perdurou por toda a sua vida, mesmo quando estava à frente do governo de ditadura para restaurar a ordem constitucional em Portugal e como regente em nome da sua filha a Rainha D. Maria II - nunca negou a nacionalidade brasileira.
Causa-me grande tristeza que venham aí uns professores de história (sabe-se lá onde obtiveram as suas licenciaturas!) que dizem que Pedro era português. Pedro foi português até a independência do Brasil, depois disso e, repito, para o resto da sua vida, foi brasileiro, condição que nunca negou.
As condições para que tivesse a nacionalidade brasileira são claras e justificadas: tendo vindo de Portugal ainda na infância, aos 8 anos, foi no Brasil que cresceu e se tornou homem. Foi no Brasil que fez as suas cavalgadas e conquistou, pela primeira vez a montanha do Corcovado do Rio de Janeiro onde hoje se encontra o Cristo Redentor. Foi no Brasil que Pedro amou e sofreu por amor. Foi no Brasil que se casou, e teve quase todos os seus filhos (a única filha nascida fora do Brasil - não em Portugal, mas sim na França - foi a princesa Maria Amélia). No Brasil apoiou seu pai contra as brutais pressões das Cortes Liberais, ganhando aí sua confiança e começando desde então a participar nos assuntos do governo do Reino Unido. No Brasil viu o sentimento nacional aflorar frente às imposições abusivas e prepotentes das Cortes Liberais em Lisboa, tendo então tomado para si a condição de verdadeiro herói ao desafiar a guarda que o acompanhava, também ela leal ao Rei de Portugal, e a desafiá-la a matá-lo ou a morrer pela espada dele, ali junto ao Ipiranga, caso não se fizesse naquele momento a independência do Brasil.
E assim, como fez Alexandre, o Grande, com o nó górgio, Pedro de um só golpe libertou o Brasil e criou um novo Estado, ao qual dedicou-se completamente para que realizasse o designo que acreditava ser o dele: mantê-lo unido e feliz, sob o signo da Justiça.
Por ímpetos das juventude e pela mesma força de caráter que lhe serviu bem em momentos críticos, não foi unânime sempre, é bem verdade.
Por conta desses rompantes, no entanto, querem imputar-lhe uma outra inverdade que é a da imposição da Constituição brasileira de 1826.
Não há disputa de que esta Carta foi outorgada, ou seja, dada ao povo pelo poder executivo, e não promulgada, oferecida pelo seu poder legislativo. Porém, não se queira com isso dizer que a Constituição do Império do Brasil foi imposta aos brasileiros, pois aí reside uma profunda injustiça com o seu processo histórico e com o seu valor enquanto diploma legal.
Antes de mais, é preciso perceber que o parlamento do Império no período que se seguiu à independência vivia ainda um momento de convulsão política que já vinha deste o tempo em que se preparava a independência. Um novo país surgiu e era tempo de dar-lhe feição. Esta oportunidade única por vezes distraia os legisladores do verdadeiro objetivo, que era promulgar a Carta Constitucional, e assim perdiam-se em discussões, por vezes comezinhas, que em nada dignificava a grandeza da função que lhes tinha sido confiada. A discussão de fundo, no entanto, tinha que ver com o conflito entre a ideologia liberal do anteprojeto e a posição radical de alguns constituintes.
Assim sendo, observando uma demora completamente injustificada e prejudicial para a elaboração e votação da Carta, o Imperador considerou que deveria intervir. Dissolveu a assembleia e formou uma comissão a que encarregou de terminar os trabalhos.
Uma vez que a Constituição ficou pronta, não coube ao Imperador impô-la sem mais aos brasileiros. A Carta foi submetida à plebiscito em todas as Câmaras Municipais do Brasil, com destaque para a do Rio de Janeiro, onde foi aprovada com elogio.
Nenhuma outra Carta constitucional deste período foi aprovada com tamanha participação dos representantes do povo.
Cabe comentar ainda de outros episódios da vida de Pedro que parecem por vezes enevoados, como as rebeliões contra a união do Império e a forma como reagiu às mesmas, ainda quanto aos seus muitos amores (uma feição que é objeto de frequente caricatura e flagrante exagero quanto à sua vida sexual).
Cabe aqui dar uma palavra sobre dona Leopoldina e uma outra sobre dona Amélia.
Dona Leopoldina foi uma princesa com valores e ideais verdadeiros. Amava o Brasil e acreditava em todos os sonhos de construção de um novo país. Foi uma das pessoas mais importantes para a independência, pois também influenciou Pedro à sua medida.
Tinha, porém, um traço que fazia com que Pedro não fosse apaixonado por ela, embora a amasse: não tinha uma personalidade forte. Dizia sempre que sim e não se levantava contra nada. Não havia nela nenhuma réstia de conflito e, para Pedro, a falta de paixão acesa era algo que não lhe ascendia o fogo do espírito.
Assim foi que Pedro se aproximou de outras, em especial Domitila, uma mulher calculista e manipuladora e que, sem o amar verdadeiramente, quase arrastou Pedro para uma espiral de destruição.
Depois da morte de Leopoldina, em alguma proporção causada pelos desgostos com Pedro, o Imperador sofreu um bom bocado. Primeiro porque realmente amava (sem no entanto nunca ter estado apaixonado) Leopoldina, por outro, tinha conseguido para si tão má fama, que nenhuma princesa queria se casar com ele.
Depois de muito esforço, lá se arranjou uma linda princesa para consorte do Imperador. Veio dona Amélia da Baviera com a sua personalidade delicada e decidida, pronta a unir o seu destino ao de Pedro.
Dizem as crónicas da época que o Imperador, ao ser avisado da chegada no porto do Rio do navio que trazia a noiva, não aguentou ter que esperar no cais e tomou um barco para ir à bordo do navio. Lá chegando, ao ver a princesa pela primeira vez, desmaiou, dizem alguns, pelo encantamento da beleza de Amélia.
Jurou-lhe fidelidade e amor infinito e pode-se dizer com franqueza que não se portou mal por todo o tempo em que estiveram casados, até a morte de Pedro.
Continuo a escrever aqui qualquer coisa sobre o nosso Pedro numa segunda crónica.
Reservo para esta próxima a grande aventura de Pedro para libertar Portugal do absolutismo e da tirania, contra a crença do falhanço da empresa por parte de todo o mundo.
Assim sendo, quando muito se faz, mais ainda se justifica que seja lembrado e reverenciado pelo legado de uma vida e de um sonho.
Tenho especial predileção pela memória de Dom Pedro IV de Portugal e I do Brasil. Mais do que um príncipe, por si só, foi mesmo alguém que, tendo a posição e a condição de transformar, o fez sem pensar duas vezes, uma vez consultada a voz da sua consciência.
Libertou o Brasil daquelas pretensões mesquinhas e verdadeiramente estúpidas das Cortes Liberais, indo mesmo ao ponto de separar para sempre o novo país de Portugal. Estabeleceu um novo Estado, deu-lhe a sua feição inicial e, sobretudo, a sua constituição. Na outra parte da sua vida, já de volta a Portugal, libertou o país do absolutismo tirânico que massacrava o reino com intolerância e violência, restaurando (ou mesmo implantando, como alguns defendem) uma ordem constitucional e seus valores intrínsecos.
Mesmo tendo sido um herói de tal grandeza, mesmo tendo atingido, ao cabo de apenas 36 anos, tantas e tão enormes façanhas nunca mais igualadas por ninguém em proporção e significado histórico, mesmo assim, tem a sua memória vilipendiada e o seu legado menosprezado.
A independência acusam-no de tê-la feito por estar sob a influência de José Bonifácio. Esta insinuação de que Bonifácio seria um seu mentor sempre o perturbou imenso. Pedro tinha um génio muito forte e foi educado para ser um homem honrado e leal - por toda a vida viveu por estes princípios. É óbvio que não era somente a vontade dele, era a vontade de todo um povo que ele soube ouvir. Bonifácio teve influência? Sim, claro que sim, era dos homens mais influentes daquele momento. Porém, não cabe apontar para qualquer indecisão por parte de Pedro quanto a isso. Romper com Portugal era para ele uma questão muito difícil, pois significava romper com o seu pai, o Rei de Portugal, pessoa a quem jurara lealdade e estava afeto por fundos vínculos de amor filial.
Recebeu, no entanto, com ânimo sereno os abaixo-assinados de milhares e milhares de brasileiros de São Paulo e do Rio de Janeiro de que não se cumprissem contra a vontade do Regente as ordens das Cortes, o que por si só insinuava o grito popular pela independência. Quando decidiu ficar no Brasil no famoso 9 de Janeiro, penso que já estava na antessala da libertação do Brasil, então decidida no seu coração. Sentia-se amado e querido pelos brasileiros, e pelo amor que lhe era dado, nunca deixou de corresponder.
Fez a independência e cunhou, ele próprio, a expressão "independência ou morte". As cores verde e amarela, consideradas as cores nacionais do Brasil, foram também por ele acolhidas em representação da sua Casa de Bragança com o verde, e da Casa de Habsburgo de dona Leopoldina com o amarelo.
Tomou para si a Nacionalidade Brasileira, rejeitando a sua nacionalidade de origem, facto que perdurou por toda a sua vida, mesmo quando estava à frente do governo de ditadura para restaurar a ordem constitucional em Portugal e como regente em nome da sua filha a Rainha D. Maria II - nunca negou a nacionalidade brasileira.
Causa-me grande tristeza que venham aí uns professores de história (sabe-se lá onde obtiveram as suas licenciaturas!) que dizem que Pedro era português. Pedro foi português até a independência do Brasil, depois disso e, repito, para o resto da sua vida, foi brasileiro, condição que nunca negou.
As condições para que tivesse a nacionalidade brasileira são claras e justificadas: tendo vindo de Portugal ainda na infância, aos 8 anos, foi no Brasil que cresceu e se tornou homem. Foi no Brasil que fez as suas cavalgadas e conquistou, pela primeira vez a montanha do Corcovado do Rio de Janeiro onde hoje se encontra o Cristo Redentor. Foi no Brasil que Pedro amou e sofreu por amor. Foi no Brasil que se casou, e teve quase todos os seus filhos (a única filha nascida fora do Brasil - não em Portugal, mas sim na França - foi a princesa Maria Amélia). No Brasil apoiou seu pai contra as brutais pressões das Cortes Liberais, ganhando aí sua confiança e começando desde então a participar nos assuntos do governo do Reino Unido. No Brasil viu o sentimento nacional aflorar frente às imposições abusivas e prepotentes das Cortes Liberais em Lisboa, tendo então tomado para si a condição de verdadeiro herói ao desafiar a guarda que o acompanhava, também ela leal ao Rei de Portugal, e a desafiá-la a matá-lo ou a morrer pela espada dele, ali junto ao Ipiranga, caso não se fizesse naquele momento a independência do Brasil.
E assim, como fez Alexandre, o Grande, com o nó górgio, Pedro de um só golpe libertou o Brasil e criou um novo Estado, ao qual dedicou-se completamente para que realizasse o designo que acreditava ser o dele: mantê-lo unido e feliz, sob o signo da Justiça.
Por ímpetos das juventude e pela mesma força de caráter que lhe serviu bem em momentos críticos, não foi unânime sempre, é bem verdade.
Por conta desses rompantes, no entanto, querem imputar-lhe uma outra inverdade que é a da imposição da Constituição brasileira de 1826.
Não há disputa de que esta Carta foi outorgada, ou seja, dada ao povo pelo poder executivo, e não promulgada, oferecida pelo seu poder legislativo. Porém, não se queira com isso dizer que a Constituição do Império do Brasil foi imposta aos brasileiros, pois aí reside uma profunda injustiça com o seu processo histórico e com o seu valor enquanto diploma legal.
Antes de mais, é preciso perceber que o parlamento do Império no período que se seguiu à independência vivia ainda um momento de convulsão política que já vinha deste o tempo em que se preparava a independência. Um novo país surgiu e era tempo de dar-lhe feição. Esta oportunidade única por vezes distraia os legisladores do verdadeiro objetivo, que era promulgar a Carta Constitucional, e assim perdiam-se em discussões, por vezes comezinhas, que em nada dignificava a grandeza da função que lhes tinha sido confiada. A discussão de fundo, no entanto, tinha que ver com o conflito entre a ideologia liberal do anteprojeto e a posição radical de alguns constituintes.
Assim sendo, observando uma demora completamente injustificada e prejudicial para a elaboração e votação da Carta, o Imperador considerou que deveria intervir. Dissolveu a assembleia e formou uma comissão a que encarregou de terminar os trabalhos.
Uma vez que a Constituição ficou pronta, não coube ao Imperador impô-la sem mais aos brasileiros. A Carta foi submetida à plebiscito em todas as Câmaras Municipais do Brasil, com destaque para a do Rio de Janeiro, onde foi aprovada com elogio.
Nenhuma outra Carta constitucional deste período foi aprovada com tamanha participação dos representantes do povo.
Cabe comentar ainda de outros episódios da vida de Pedro que parecem por vezes enevoados, como as rebeliões contra a união do Império e a forma como reagiu às mesmas, ainda quanto aos seus muitos amores (uma feição que é objeto de frequente caricatura e flagrante exagero quanto à sua vida sexual).
Cabe aqui dar uma palavra sobre dona Leopoldina e uma outra sobre dona Amélia.
Dona Leopoldina foi uma princesa com valores e ideais verdadeiros. Amava o Brasil e acreditava em todos os sonhos de construção de um novo país. Foi uma das pessoas mais importantes para a independência, pois também influenciou Pedro à sua medida.
Tinha, porém, um traço que fazia com que Pedro não fosse apaixonado por ela, embora a amasse: não tinha uma personalidade forte. Dizia sempre que sim e não se levantava contra nada. Não havia nela nenhuma réstia de conflito e, para Pedro, a falta de paixão acesa era algo que não lhe ascendia o fogo do espírito.
Assim foi que Pedro se aproximou de outras, em especial Domitila, uma mulher calculista e manipuladora e que, sem o amar verdadeiramente, quase arrastou Pedro para uma espiral de destruição.
Depois da morte de Leopoldina, em alguma proporção causada pelos desgostos com Pedro, o Imperador sofreu um bom bocado. Primeiro porque realmente amava (sem no entanto nunca ter estado apaixonado) Leopoldina, por outro, tinha conseguido para si tão má fama, que nenhuma princesa queria se casar com ele.
Depois de muito esforço, lá se arranjou uma linda princesa para consorte do Imperador. Veio dona Amélia da Baviera com a sua personalidade delicada e decidida, pronta a unir o seu destino ao de Pedro.
Dizem as crónicas da época que o Imperador, ao ser avisado da chegada no porto do Rio do navio que trazia a noiva, não aguentou ter que esperar no cais e tomou um barco para ir à bordo do navio. Lá chegando, ao ver a princesa pela primeira vez, desmaiou, dizem alguns, pelo encantamento da beleza de Amélia.
Jurou-lhe fidelidade e amor infinito e pode-se dizer com franqueza que não se portou mal por todo o tempo em que estiveram casados, até a morte de Pedro.
Continuo a escrever aqui qualquer coisa sobre o nosso Pedro numa segunda crónica.
Reservo para esta próxima a grande aventura de Pedro para libertar Portugal do absolutismo e da tirania, contra a crença do falhanço da empresa por parte de todo o mundo.
quinta-feira, fevereiro 28, 2013
Fé e doutrina
De certeza que a beleza e a fatalidade da vida está nas surpresas que o correr dos dias nos apresenta. Qual não foi a minha surpresa quando vi na TV a notícia da resignação do Papa Bento XVI, talvez um perfeito misto de belo e trágico. Senti-me triste, senti-me órfão na fé, pois o Papa é para o católico o seu líder espiritual. Tinha especial carinho pelo Papa Bento XVI que, ainda que tenha tido um brilhante percurso académico e de doutrinador, falava sempre com serenidade, simplicidade e amor, indo ao foco das questões. Falava-me sempre ao coração e eu ouvia com muito gosto.
A voz fatigada daquele que conduziu por oito anos a nossa Igreja denunciava a frustração pela impotência em enfrentar os desafios ao seu futuro.
A inversão de valores que corrompe o mundo não deixa de fora os fiéis e nem mesmo o clero. Cabe à cabeça da Igreja, cada vez mais, ter que lidar com denúncias de abusos sexuais de crianças, casos de vazamento de informações e documentos da Santa Sé e corrupção no banco do Vaticano, além de conspirações de uma suposta ala homossexual nos mais altos quadros da Igreja.
Se isso já não seria pouco para ser combatido por um jovem no pleno de suas forças, que se dirá de um ancião que percorre as últimas milhas do seu caminho na terra?
Joseph Ratzinger é, logo a seguir à qualificação de sacerdote, um académico. Ama o pensamento e o raciocínio puro e, portanto, odeia a mentira e a especulação perniciosa.
O rigor do seu escrutínio pessoal quanto ao valor e da substância da doutrina cristã é, por si só, uma prova substancial da grandeza, da verdade e do significado da obra da Igreja no mundo.
Nunca como nos tempos que correm o homem precisou mais da Igreja: há carência de amor, há carência de compreensão, há carência de caridade, há carência de humildade e de perdão.
Se a grandeza da civilização ocidental assenta maciçamente na fé cristã, sobretudo na fé católica, os efeitos do ateísmo aliados à estupidificação do pensamento e dos valores pela sociedade de consumo tem produzido indivíduos arrogantes, religiosamente ignorantes e intolerantes, que são apressados em julgar e condenar a Igreja sem se aperceberem que todos seus valores morais e mesmo o seu pensamento foram moldados pela doutrina cristã - que lhe chegou como um reflexo da versão original, mas ainda assim poderoso o bastante para se impor onde nada mais há.
Penso sinceramente que o Santo Padre resignou porque sabe que a Igreja precisa de atravessar estes tempos difíceis com a sua mensagem de amor, paz, caridade e perdão. A nossa fé na Igreja é o que nos dá a nobreza de sermos seres humanos, e não meros animais soltos na selva à mercê dos seus instintos. Acreditamos em uma força maior que nós próprios e que nos faz ser melhores do que já somos, leva-nos, assim, a ver para fora de nós mesmos, a pensar nos outros, no bem dos outros, a nos colocarmos na condição dos desfavorecidos, dos doentes, dos desesperados, dos abandonados, dos excluídos por este mundo onde o valor do caráter parece contar sempre menos do que o valor do poder económico, onde a fortaleza moral esmorece frente ao consumo de um bem que dê conforto ou, ainda mais fútil, um estatuto social mais elevado.
Eis a luta que se trava nos dias que correm, como antes também já se travava em outros domínios: as liberdades contra as igualdades.
Sabe o Santo Padre que há que haver equilíbrio, o que só se alcança com o desenvolvimento espiritual, com a prática de uma fé. A ambição verdadeira, portanto, é convidar o homem para nascer para a religião conhecendo o mundo que está para além de si mesmo - eis o chamado de Deus.
Foi grande Papa Bento XVI ao ter a coragem de resignar colocando a Igreja à frente de si mesmo, como já o fizera diversas vezes antes. Que o seu exemplo lance sobre o seu sucessor uma poderosa determinação em cumprir com o destino da Igreja: ser sempre e genuinamente a irredutível defensora da mensagem cristã do amor, da caridade e do perdão.
terça-feira, janeiro 22, 2013
E o vento levou... Será?
As grandes chuvadas da noite anterior não podiam adiantar com verdade o que se passaria no dia a seguir. Uivos longos e perniciosos do vento logo de manhã tiraram da cama no fim de semana quem precisava de descanso após uma dura semana de trabalho. Os que tinham de sair para trabalhar de certo que enfrentaram alguma resistência por parte da natureza para chegarem ao posto de trabalho.
Mais intenso no norte e centro do país, a ventarra correu o país inteiro e causou danos variados, como milhares de árvores tombadas (aqui em Coimbra a tempestade levou ao chão árvores plantadas no tempo da expansão ultramarina e trazidas das antigas colónias na Índia e na África), placas de sinalização de trânsito também foram abaixo, e mesmo a morte de um senhor de idade que tentava resgatar o gato que tinha fugido em pânico dos uivos horripilantes do vento (o pobre animal devia pensar que era o juízo final e devia ter lá as suas culpas a apurar!). Isso sem falar nos postes de eletricidade tombados e nos cabos que se partiram e assim deixaram às escuras metade do país no sábado e no domingo.
Segundo os cientistas, os ventos de até 130km/h registados em Portugal continental são resultado de mudanças na pressão atmosférica, assim como das condições típicas do início da transição do inverno para o outono. Todavia, custa acreditar...
Ouvimos muitas pessoas mais velhas, algumas com 80, 90 e mesmo centenária a dizer em uníssono: nunca cá tínhamos visto uma tal tempestade! E não é de se duvidar.
Os ventos do furacão Katrina que passou por Nova Iorque tinham ventos de 130km/h! Vejam lá que nos falta talvez o protagonismo mundial da Big Apple, mas em termos da brutalidade da natureza, pudemos ver bem do que foi capaz.
De tudo em tudo, parece-me que este dia em que os portugueses ficaram nas próprias casas, reféns deste constrangedor mal tempo, serviu para compreender melhor aqueles que vivem em terras distantes e sofrem regularmente com os desastres naturais, como as populações das Caraíbas com os furacões e os Japoneses com os terremotos.
Esta esmagadora força que está na natureza e que nos acostumamos a desconsiderar está latente no significado destes desastres. Por mais tecnológica e avançada que seja a nossa civilização, não vamos nunca escapar à verdade natural de que estamos à mercê das forças da natureza. A regra da vida e da morte lembra-nos isso, mas quando esta imposição de poder é demonstrada no exterior fica ainda mais clara esta verdade.
Antes de conformar a natureza, moldá-la, domá-la, procurar modificar o seu código genético à nossa conveniência, talvez fosse mesmo melhor (e mais inteligente) saber respeitá-la na sua condição de parâmetro universal. A própria ciência o faz! Vejam lá: científico é o que é desafiado vez após vez em relação às forças e condições naturais e prova-se sempre verdadeiro. Ora, também daí deveríamos tirar uma regra preciosa, mas esta de cunho das ciências sociais aplicadas, de que é também pela natureza que devemos medir o respeito a ela própria pelo parâmetro que somos parte de um ecossistema: afinal, também o homem é um animal, um animal racional, mas ainda assim um animal.
Esta simples verdade salvaria milhões de pessoas de vidas em vão, desperdiçadas na crença irrefletida de que são únicos e especiais e de que nunca nasceu e nem voltará a nascer alguém tão especial quanto elas. Todavia, se ouvissem às regras universais da natureza (e também se soubessem um bocadinho de história!) saberiam que todas as milhares de gerações que existiram para lhe dar a vida, cada uma delas, também acreditou na mesma falácia.
Carpe diem, pois as forças naturais estão vigilantes e nunca falham.
segunda-feira, dezembro 31, 2012
No mundo, uma criança nasceu
Para grande alegria de todos que vêem nesses dias a esperança da renovação, o nascimento é talvez o emblema maior deste sentido.
Uma vida que começa é como o início de uma nova linha que aponta para um horizonte onde não podemos ver. Lá estão os dias de verão das suas férias, as surpresas e as prendas esperadas, as cartas e os livros que quer ler, os grandes feitos que irá render ao mundo através dos seus talentos e do seu trabalho, os amores que encontrarão, a par de outros que também o irão tentar, os caminhos sinuosos do seu coração.
Ao olhar para trás, na perspectiva de um passado cheio de dúvidas, é que se tem a certeza de que o futuro chega não importa o quanto nos preocupemos com ele. Impõe-se à nossa vida como dita a própria contagem do tempo, afinal, ninguém pode deter o sol quando ele se põe ou se levanta.
Acho curioso como o nascimento do Senhor Jesus serve também para firmar em nós essa convicção da renovação das coisas à mercê do que não podemos controlar.
Veio Ele ao mundo para ser o Cristo, ou seja, o Messias, para redimir a humanidade, e assim o fez. Todavia, no momento do nascimento, era só um bebé, sem grandes aspirações para além das que têm os bebés todos: ter a atenção da mãe e do pai, ser bem alimentado, protegido e poder descansar. Nisso vejo que o menino Jesus tinha imenso potencial e é mesmo assim que o Natal deve ser para nós: renovação da esperança no potencial que o amanhã nos reserva.
As cartas do jogo da vida não estão todas dadas quando do nascimento, antes estão nas nossas próprias mãos e as jogamos todos os dias, com todos com os quais temos algum relacionamento. Ao nascer temos um baralho novo. Nas nossas cartas, ninguém nunca tocou naquele momento.
Tudo pode ser feito, tudo pode ser alcançado, o potencial é incomensurável, o futuro coloca-se todo aos pés de quem pode começar assim puro e limpo uma vida de redenção do que não trouxe nem paz e nem felicidade para um período novo em que um novo comportamento irá fazer a vida também diferente.
Podemos, também nós, os nascidos há muito tempo, nascer de novo, se tivermos a grande coragem que um tal ato exige. Todavia, não vale a pena ser tolo... é um projeto ambicioso! Prende-nos ao antigo estado a pregüiça, o desânimo, a falta de motivação em geral e quando damos por nós já chegou Dezembro outra vez e está tudo como d'antes. Para prevenir tal acontecimento, temos de encontrar os nossos motivos (daí é que vem a motivação) e bem fortes motivos devem ser! Dou-vos um: querer fazer da nossa vida mais do que uma existência à espera dos outros. Se quisermos verdadeiramente, podemos ter uma vida sublime. Sabeis como são as vidas sublimes? Ora, são as vidas vividas em prol de algo maior que nós mesmos. Nenhuma vida grandiosa foi egoística, antes pelo contrário, foram vidas voltadas para os outros e nisso há muita verdade e nesse caminho encontra-se seguramente a bendita felicidade e a paz.
Na esperança de uma nova vida que podemos fazer para nós próprios também há muita inocência e de certeza que o Senhor Deus lá do céu irá abençoar este esforço. Força!
Quanto aos que escolheram este Dezembro para nascer de facto, o meu bem haja e as minhas boas vindas a este maravilhoso e fantástico mundo que nos foi legado pelos nossos antepassados.
É nossa suprema responsabilidade conduzi-lo com amor e zelo para que estes pequenos que só agora juntaram-se a nós possam também apreciá-lo e fazê-lo melhor.
No fim das contas, mas ainda tendo em conta a ideia acima referida da perspectiva do tempo, nós não somos proprietários de nada, no máximo temos a posse das coisas por um determinado período de tempo. Assim, há que preservar e viver pensando que sempre haverá um amanhã.
Devemos todos querer nascer melhor, amigos. O futuro pede de nós esta alegria e esta determinação.
Uma vida que começa é como o início de uma nova linha que aponta para um horizonte onde não podemos ver. Lá estão os dias de verão das suas férias, as surpresas e as prendas esperadas, as cartas e os livros que quer ler, os grandes feitos que irá render ao mundo através dos seus talentos e do seu trabalho, os amores que encontrarão, a par de outros que também o irão tentar, os caminhos sinuosos do seu coração.
Ao olhar para trás, na perspectiva de um passado cheio de dúvidas, é que se tem a certeza de que o futuro chega não importa o quanto nos preocupemos com ele. Impõe-se à nossa vida como dita a própria contagem do tempo, afinal, ninguém pode deter o sol quando ele se põe ou se levanta.
Acho curioso como o nascimento do Senhor Jesus serve também para firmar em nós essa convicção da renovação das coisas à mercê do que não podemos controlar.
Veio Ele ao mundo para ser o Cristo, ou seja, o Messias, para redimir a humanidade, e assim o fez. Todavia, no momento do nascimento, era só um bebé, sem grandes aspirações para além das que têm os bebés todos: ter a atenção da mãe e do pai, ser bem alimentado, protegido e poder descansar. Nisso vejo que o menino Jesus tinha imenso potencial e é mesmo assim que o Natal deve ser para nós: renovação da esperança no potencial que o amanhã nos reserva.
As cartas do jogo da vida não estão todas dadas quando do nascimento, antes estão nas nossas próprias mãos e as jogamos todos os dias, com todos com os quais temos algum relacionamento. Ao nascer temos um baralho novo. Nas nossas cartas, ninguém nunca tocou naquele momento.
Tudo pode ser feito, tudo pode ser alcançado, o potencial é incomensurável, o futuro coloca-se todo aos pés de quem pode começar assim puro e limpo uma vida de redenção do que não trouxe nem paz e nem felicidade para um período novo em que um novo comportamento irá fazer a vida também diferente.
Podemos, também nós, os nascidos há muito tempo, nascer de novo, se tivermos a grande coragem que um tal ato exige. Todavia, não vale a pena ser tolo... é um projeto ambicioso! Prende-nos ao antigo estado a pregüiça, o desânimo, a falta de motivação em geral e quando damos por nós já chegou Dezembro outra vez e está tudo como d'antes. Para prevenir tal acontecimento, temos de encontrar os nossos motivos (daí é que vem a motivação) e bem fortes motivos devem ser! Dou-vos um: querer fazer da nossa vida mais do que uma existência à espera dos outros. Se quisermos verdadeiramente, podemos ter uma vida sublime. Sabeis como são as vidas sublimes? Ora, são as vidas vividas em prol de algo maior que nós mesmos. Nenhuma vida grandiosa foi egoística, antes pelo contrário, foram vidas voltadas para os outros e nisso há muita verdade e nesse caminho encontra-se seguramente a bendita felicidade e a paz.
Na esperança de uma nova vida que podemos fazer para nós próprios também há muita inocência e de certeza que o Senhor Deus lá do céu irá abençoar este esforço. Força!
Quanto aos que escolheram este Dezembro para nascer de facto, o meu bem haja e as minhas boas vindas a este maravilhoso e fantástico mundo que nos foi legado pelos nossos antepassados.
É nossa suprema responsabilidade conduzi-lo com amor e zelo para que estes pequenos que só agora juntaram-se a nós possam também apreciá-lo e fazê-lo melhor.
No fim das contas, mas ainda tendo em conta a ideia acima referida da perspectiva do tempo, nós não somos proprietários de nada, no máximo temos a posse das coisas por um determinado período de tempo. Assim, há que preservar e viver pensando que sempre haverá um amanhã.
Devemos todos querer nascer melhor, amigos. O futuro pede de nós esta alegria e esta determinação.
quarta-feira, novembro 14, 2012
Os responsáveis pela ruína de Portugal
A ver as filas de
pessoas à porta dos Centros de Emprego logo cedo de manhã, a ler nos
jornais sobre o crescente pedido de vistos de trabalho e estudo de
recém-licenciados para o Brasil, ou simplesmente apanhar o vôo só de ida para Inglaterra, Alemanha..., e ver os
idosos com suas pensões miseráveis serem obrigados a ir recolher comida
aos restaurantes populares e ficarem a depender da caridade das juntas
de freguesia para conseguir comprar os remédios, ver as empresas a
dispensar empregados e a sofrerem os maiores constrangimentos para pagar
os impostos e à Segurança Social, jovens casais a deixar de ter filhos por não ter como sustentar-lhes, em tudo isso se vê a ruína de Portugal.
Uma tal situação de penúria que não se compara a que se vivia na onde de emigração para a França nos anos de 1960, quando também não havia muito dinheiro, mas havia trabalho. Hoje há desesperança e muita confusão quanto a quem culpar, mas não é difícil perceber quem é responsável por esta situação.
Uma tal situação de penúria que não se compara a que se vivia na onde de emigração para a França nos anos de 1960, quando também não havia muito dinheiro, mas havia trabalho. Hoje há desesperança e muita confusão quanto a quem culpar, mas não é difícil perceber quem é responsável por esta situação.
O
Estado português, agora posto à trela pela Troika do FMI, da Comissão
Europeia e do Banco Central Europeu, pôs a si mesmo nessa situação pela
irresponsável ambição de obter o apoio dos portugueses oferecendo-lhes
um estado social paternalista que pagava por tudo e ao invés de estimular a livre
iniciativa empresarial, confiando pateticamente na continuidade perene
dos fundos comunitários para apoiar essas leviandades de governação
pública, sem pensar no futuro dos portugueses, contando com a estratégia de resistir a tudo e a todos como se fosse um herói que fez o que pôde para evitar a catástrofe para logo em
seguida, fora do governo, apressar-se para pôr as culpas nos seus sucessores.
Muito
dessa estratégica política maquiavélica só poderia ser concebida por um
grupo político extremamente ambicioso, descomprometido com os
verdadeiros e legítimos fins a que um governo de Portugal deveria
cumprir, mas sempre atento às oportunidades que o poder coloca aos que
compõem as suas fileiras, seja através das nomeações, seja através das
oportunidades enevoadas que se apresentam aos que controlam a chave do
tesouro que paga pelos contratos públicos com as empresas privadas.
Aliado
a isso e com a cumplicidade desse mesmo governo, o setor bancário
concedeu o crédito barato para que os portugueses pudessem comprar casa,
carro e mobiliário a fim de viver à altura de um sonho sustentado por
artimanhas e aspirações ardilosamente inspiradas que não encontrou eco
na frágil economia portuguesa.
Assim
se fez a ruína de Portugal, caro leitor. À custa de muita mentira, a
que os portugueses, de uma parte, quiseram acreditar de coração e, de
outra parte, por ignorância e ideologia obsoleta, pensavam tratar-se de
uma obrigação do Estado dar apoios sociais e direitos laborais a tudo e
todos, desprezando e maltratando as pequenas e médias empresas.
Hoje há greve geral, mas
para quê? Portugal encontra-se à mercê dos seus credores internacionais
e não há greve nesse mundo que possa alterar as obrigações a que o
governo anterior se comprometeu e o atual tenta a muito custo fazer cumprir.
Causa-me uma profunda tristeza ver Portugal nesse triste estado, com o povo cabisbaixo, sem ver no horizonte o futuro de grandeza que os nossos antepassados nos legaram.
Esta antiga nação, com seu forte sentimento familar, com a sua religiosidade interiorizada e com o seu amor pela pompa e pela circunstância,
não foi concebida e nem existe para ficar à mercê de forças políticas
nefastas e corruptas que usam o país para alcançar os seus objetivos
obtusos, que se opõem flagrantemente aos princípios que orientam a administração pública.
São estes os verdadeiros culpados por toda a miséria, por todo o sofrimento, por toda a privação.
Portugueses, acordai! É tempo de julgar e punir as irresponsabilidades dos que conscientemente nos conduziram pelos caminhos desastrosos, arruinando as ruínas do Estado e arrastando todo o resto do país para o precipício dos desesperos a que chegamos.
Ao atual governo, à parte da sua falta de habilidade em comunicar, não cabe imputar culpas pela herança maldita que está a tentar gerir.
É tempo de mudar os conceitos e homenagear a Justiça!
Paris não pode ser refúgio de luxo para os traidores de Portugal!
domingo, outubro 21, 2012
E então, garotão?
Nesses dias em que a política da minha terra andou a dar o que falar por conta das eleições municipais, é quase impossível não associar estas agitações democráticas ao meu tio que muito apreciava essas atividades, participando ativamente dos pleitos como candidato ao legislativo e ao executivo municipal, sendo eleito e cumprindo mandatos muitas vezes para as diferentes funções: a dedicação de uma vida inteira ao bem de uma terra.
Mas este ano já não pôde cumprir o que certamente seria mais uma campanha para prefeito, já que há pouco mais de dois anos levou-lhe a vida uma colisão brutal, após um despiste, após uma curva em declive, sobre uma pista molhada de chuva, sobre uma ponte, não muito longe da nossa terra.
Não me incomoda a morte porque sei que ele viveu, talvez não tanto quanto possivelmente lhe iria permitir a natureza (razoavelmente, pois já vinha sofrendo com doenças do coração e fora operado no ano anterior), mas viveu.
Ao longo dos incompletos sessenta anos que andou por entre a gente, foi o próprio carisma e muitas vezes, a própria amizade, o amor e a coragem. Não conseguia dizer que não a ninguém, e talvez por isso fosse muito criticado e também por isso tenha perdido muito do património que já estava a ser transmitido por herança na minha família há quatro ou cinco gerações.
Sorria muito e nos cumprimentava com o costumeiro sorriso, com as bochechas do sorriso..., os seus óculos de aro dourado e o clássico bordão: " - E aí, garotão?".
Quando era criança, lembro-me bem de uma festa de aniversário em que foi o meu tio, sem me trazer ali nenhum presente. Claro, menino mimado que era, e sabendo que um primo tinha recebido um cavalinho lindo de prenda do meu tio, não podia deixar por menos e quando ele me cumprimentou eu fui logo perguntando se iria ganhar um cavalo também. O pobre do meu tio, que por óbvio tinha uma predileção por aquele meu primo, não estava preparado para aquilo e disse assim: " - Eu vou te dar mais que um cavalinho, vou te dar a bezerrinha mais linda que eu já tive". Claro que eu não fiquei contente, mas de qualquer das formas, foi um grande presente. No dia seguinte, bem cedo, o tio não se tinha esquecido do presente, e mandou entregar na quinta do meu pai uma linda bezerrinha.
Era cafeicultor, como o pai dele, e também tinha outras atividades agropecuárias
Não negava nada a ninguém, aquele bom, gentil homem, nem mesmo a um sobrinho mimado.
O meu pai amava-o com uma dedicação notável. Desde criança, sempre o vi muito envolvido nas campanhas políticas do meu tio, argumentando quanto a temas de que normalmente não falava, colocando dinheiro no que normalmente não punha, indo a onde normalmente não ia. Eis o tipo de dedicação que o meu tio provocava não só no meu pai, seu irmão, mas em toda a gente.
Eu próprio, apenas um pouco mais velho do que no episódio que contei acima (creio que completava então cinco anos), ajudava também nas campanhas e ia com o meu pai aos comícios. Para mim, como é claro, eram momentos muito aliciantes e a figura do meu tio era para mim e para o meu irmão e primos e tios, como para os primos e demais parentes dele também, uma grande referência na nossa família.
Por dezasseis anos compôs o executivo municipal, por quatro anos como vice-prefeito e outros doze na função de prefeito. No início do seu percurso foi ainda vereador por um mandato de quatro anos.
Fez pelos pobres sobretudo: casas sociais, calçadas das ruas, centros de saúde, escolas, tantas obras e tão abrangentes que não haveria a cidade que há hoje sem o esforço desenvolvido por todos os anos que esteve a frente dos destinos da municipalidade.
Não foi, todavia, perfeito. Nem na seara familiar, nem na profissional e nem na política. Errou por vezes ao querer ser bom demais. Dizia o avô dele, meu bisavô, que "o homem tem que ser 'bão', o que é 'bão, bão', arrebenta no chão", e nisso há muita sabedoria.
Emprestava dinheiro a quem o levava sem intenções de pagar de volta, ajudava com a sua influência e posição, quem não lhe tinha verdadeiro respeito ou não reconhecia o seu trabalho, dava oportunidades ou confiança a quem não as sabia aproveitar, ou que não estava ao nível de fazer valer as oportunidades ou confiança, e acabava por comprometer o seu nome.
E pelo bem e pelo mal, feito por vezes sem conseguir antever a maldade, foi sobretudo muito amado e vai ser ainda lembrado por muitos anos.
De mim, o "garotão" terá sempre a memória de quem muito o respeitava e amava. Morreu quando eu terminava a minha dissertação de mestrado, e por isso lá consta uma dedicatória à sua memória. Recordo hoje e sempre, como com relação ao meu pai, a sua juventude (o que aqui não tem a ver com a idade). Amava a vida e amava a nossa terra e por estes amores muito sofreu e muito sorriu.
Que Deus o tenha na Sua infinita misericórdia, pois a nós só resta ter muitas saudades do nosso "garotão".
domingo, setembro 30, 2012
No fim da tarde a brisa conta mais histórias
Recebi hoje um convite de casamento de um amigo querido, completamente apaixonado por uma baiana já há mais de 3 anos.
As linhas poucas falaram-me ao coração sem que nelas houvesse sentimentalismos tolos. Falou-me naquela linguagem que nós usávamos nos tempos da nossa adolescência.
Ele e eu estivemos a trabalhar juntos em muitos projetos dos clubes em que participamos, nem sempre a concordar, aliás, com bastante discordâncias - todas elas cheias de respeito um pelo outro e tendo em conta o bem da equipa. Aliado a isso, muita amizade, muito convívio, muito riso e muito choro partilhado naqueles anos que eu aprendi a recordar como os mais marcantes da minha vida. Assim crescemos.
É curioso que no ano passado, exatamente por essa mesma época, casava-se outro grande amigo, este mais próximo de mim e assim, fui atravessar o oceano imenso para participar das cerimónias e dar-lhe o meu abraço amigo e revê-lo e vê-lo feliz - para mim o maior presente.
É estranho como algumas pessoas entranham-se na nossa alma e nada e nem ninguém os pode tirar de lá.
Dou-me conta disso como se ouvisse histórias desses tempos contadas na brisa de um outono que se anuncia com confiança - já arrefece mais no fim das tardes!
Contam-me de um sonho intenso, de uns rapazitos com o emblema no peito a acharem-se grandes capitães do futuro, a mandar e a obedecer com dedicação e fé no que faziam. Este amálgama de propósito e confiança uniu-nos de uma forma que até hoje espanta-me um pouco.
Conheço-os tão bem que era capaz de qualquer coisa por eles e não tenho razões para duvidar da recíproca.
Como sou bom amigo, dos novos, velhos e desconhecidos amigos, vou dividir consigo, caro leitor, uma dessas histórias.
Era este vosso escritor apenas um adolescente, quase adulto, que queria fazer valer o potencial de uma frágil instituição que por capricho das circunstâncias calhou-lhe liderar sem amarras. Essa observação final é muito importante, pois não era balizado por tutores alguns, não tinha acima da minha cabeça a batuta de ninguém, senão o olhar atento do Nosso Senhor.
Pois bem, isso calha bem a um rapaz ambicioso como eu era, mas faltava-me a motivação para levar aquilo à frente. Aos que tinham vindo antes de mim houvera apenas a obrigação de fazer, mas eu não queria esse motivo, sabia que tinha que existir algo a mais, senão não seria possível.
Então dei-me conta que se apelasse para a razão mais simples das coisas isso faria com que os outros também percebessem. A simplicidade é uma poderosa ferramenta para o convencimento das coisas complexas.
Lembrei-me da amizade, que para o clube chama-se "companheirismo". Nós não tínhamos isso e enquanto não fosse esse o sentimento reinante, nada poderia existir e menos ainda perdurar.
Fiz todos os possíveis para levar os integrantes do clube a um encontro que haveria em Ouro Preto. Levantamos fundos, trabalhamos juntos, e lá fomos nós participar por quatro dias do encontro mineiro da minha associação.
Havia diante de mim apenas o desconhecido, além de algumas horas valentes em um auto-carro e uma perspectiva incerta de sucesso ou fracasso.
O encontro em tudo excedeu as expectativas. Havia entre os participantes muita alegria pela amizade! Logo nos deixamos contagiar e no regresso à casa éramos companheiros e não mais apenas "sócios do mesmo clube".
Em verdade, agora revistos, aqueles poucos dias fizeram muito mais do que dar alma à instituição, deram a mim próprio a perspectiva da alma humana que não pode estar comprometida com nada onde não esteja verdadeiramente o seu coração.
E por partilhar esta verdade com os meus verdadeiros irmãos de ideal, quando falam-me, falam muito alto em mim. Qualquer que seja a mensagem, sempre contam-me mais histórias e ajudam-me assim a revisitar os tempos em que talhamos com maço e cinzel o caráter uns dos outros e nos tornamos homens de bem.
sexta-feira, agosto 31, 2012
A transpirar por pouco ou nada
Recordo-me de outros Agostos que surgiram impercebidos na minha vida para depois tornarem-se meses a recordar.
Quis que este Agosto fosse um mês pleno de momentos de descanso, sem preocupações, onde pudesse recompor o espírito e verter aqui novas esperanças, mas não foi assim e nem poderia ser. A cumprir obrigações é que se aprende que cá estamos é para servir e não para nos servir.
Não quero chatear ninguém com essas queixas, antes, pelo contrário, convidar a vir comigo pela vereda do sentido que há em querer descansar.
Penso numa pessoa que faz uma hora de corrida todos os dias na esperança de emagrecer, mas na verdade não perde peso porque ignora que o exercício cardiovascular desacompanhado de exercícios de resistência física de pouco valem.
Da mesma forma, estar de férias, mas ao mesmo tempo sob preocupações e constrangimentos, não leva ao resultado pretendido, que no caso é descansar.
Em um e noutro caso, estiveram a transpirar por pouco ou nada.
Guardo assim, deste meu Agosto de 2012 que não vai nunca mais voltar, uma saudade de algo que não cheguei a ter, como a de um amigo que na verdade nunca cheguei a conhecer.
Imagino que assim, no meu sonho, possa recordá-lo risonho e quente, cheio dos momentos felizes que nós esperamos ter no mês de férias.
Resta a mim aqui defender o verdadeiro Agosto - não vale a pena ser injusto. Não foi em realidade um mês assim passado a pão e água, em algum canto escuro e húmido... Houve nesse mês muito encanto em doses contidas. Foram tantos quases bonitos que quase se compunha um só inteiro! Procurei sempre ocupar o tempo com coisas úteis e boas e valeu-me alguma leitura que eu ali a brutos murros tentei defender dos que pretendiam levar-me a outros caminhos, não exatamente piores, mas talvez para mim, naquele momento, menos convidativos. E como todos sabem, por cortesia, não se deve negar os bem intencionados convites dos que nos querem bem. E lá ia eu com o sorriso triste dos que são forçados, sem encontrar naquilo nem o sentido e nem as pessoas verdadeiramente... Na verdade, estive, muitas vezes, à espera de gente e de encontros que simplesmente escaparam completamente, o que também deixou-me receoso de não encontrar neste mês mais contentamento.
Já há muito tempo acompanha-me o pensamento do chamado "verão do ano que vem", do qual acho que já falei aqui. Por vezes quero planeá-lo, tê-lo em perspectiva e um dia vivê-lo sem constrangimento algum.
Imagino um Agosto em que possa finalmente ir ver um jogo do Vasco da Gama, em que a praia não me fuja pelos dedos e fique apenas o cheiro, quando esteja a ler sem ter gente a chatear a cada cinco minutos, que não tenha que atender e nem fazer telefonemas e nem ligar computadores e nem estar a escrever disparates.
Ai, Agosto do meu sonho, o mês em que eu canto a mim próprio como o de alguma liberdade e gozo. Onde foste, lindo menino? Por que rua, por que avenida triste, cinza e ampla te foste conduzir para longe de mim?
Que não seja longa a espera e que antes que o sinta possa ter de novo a chance de fazer bem, de viver o mês das férias verdadeiramente.
Quis que este Agosto fosse um mês pleno de momentos de descanso, sem preocupações, onde pudesse recompor o espírito e verter aqui novas esperanças, mas não foi assim e nem poderia ser. A cumprir obrigações é que se aprende que cá estamos é para servir e não para nos servir.
Não quero chatear ninguém com essas queixas, antes, pelo contrário, convidar a vir comigo pela vereda do sentido que há em querer descansar.
Penso numa pessoa que faz uma hora de corrida todos os dias na esperança de emagrecer, mas na verdade não perde peso porque ignora que o exercício cardiovascular desacompanhado de exercícios de resistência física de pouco valem.
Da mesma forma, estar de férias, mas ao mesmo tempo sob preocupações e constrangimentos, não leva ao resultado pretendido, que no caso é descansar.
Em um e noutro caso, estiveram a transpirar por pouco ou nada.
Guardo assim, deste meu Agosto de 2012 que não vai nunca mais voltar, uma saudade de algo que não cheguei a ter, como a de um amigo que na verdade nunca cheguei a conhecer.
Imagino que assim, no meu sonho, possa recordá-lo risonho e quente, cheio dos momentos felizes que nós esperamos ter no mês de férias.
Resta a mim aqui defender o verdadeiro Agosto - não vale a pena ser injusto. Não foi em realidade um mês assim passado a pão e água, em algum canto escuro e húmido... Houve nesse mês muito encanto em doses contidas. Foram tantos quases bonitos que quase se compunha um só inteiro! Procurei sempre ocupar o tempo com coisas úteis e boas e valeu-me alguma leitura que eu ali a brutos murros tentei defender dos que pretendiam levar-me a outros caminhos, não exatamente piores, mas talvez para mim, naquele momento, menos convidativos. E como todos sabem, por cortesia, não se deve negar os bem intencionados convites dos que nos querem bem. E lá ia eu com o sorriso triste dos que são forçados, sem encontrar naquilo nem o sentido e nem as pessoas verdadeiramente... Na verdade, estive, muitas vezes, à espera de gente e de encontros que simplesmente escaparam completamente, o que também deixou-me receoso de não encontrar neste mês mais contentamento.
Já há muito tempo acompanha-me o pensamento do chamado "verão do ano que vem", do qual acho que já falei aqui. Por vezes quero planeá-lo, tê-lo em perspectiva e um dia vivê-lo sem constrangimento algum.
Imagino um Agosto em que possa finalmente ir ver um jogo do Vasco da Gama, em que a praia não me fuja pelos dedos e fique apenas o cheiro, quando esteja a ler sem ter gente a chatear a cada cinco minutos, que não tenha que atender e nem fazer telefonemas e nem ligar computadores e nem estar a escrever disparates.
Ai, Agosto do meu sonho, o mês em que eu canto a mim próprio como o de alguma liberdade e gozo. Onde foste, lindo menino? Por que rua, por que avenida triste, cinza e ampla te foste conduzir para longe de mim?
Que não seja longa a espera e que antes que o sinta possa ter de novo a chance de fazer bem, de viver o mês das férias verdadeiramente.
terça-feira, julho 31, 2012
Há centenas de anos atrás
Ah! minha Dinamene! Assim deixaste
Quem não deixara nunca de querer-te!
Ah! Ninfa minha, já não posso ver-te,
Tão asinha esta vida desprezaste!
Como já pera sempre te apartaste
De quem tão longe estava de perder-te?
Puderam estas ondas defender-te
Que não visses quem tanto magoaste?
Nem falar-te somente a dura Morte
Me deixou, que tão cedo o negro manto
Em teus olhos deitado consentiste!
Oh mar! oh céu! oh minha escura sorte!
Que pena sentirei que valha tanto,
Que inda tenha por pouco viver triste?
Luís de Camões
Quem não deixara nunca de querer-te!
Ah! Ninfa minha, já não posso ver-te,
Tão asinha esta vida desprezaste!
Como já pera sempre te apartaste
De quem tão longe estava de perder-te?
Puderam estas ondas defender-te
Que não visses quem tanto magoaste?
Nem falar-te somente a dura Morte
Me deixou, que tão cedo o negro manto
Em teus olhos deitado consentiste!
Oh mar! oh céu! oh minha escura sorte!
Que pena sentirei que valha tanto,
Que inda tenha por pouco viver triste?
Luís de Camões
Como poucas composições poéticas, este soneto persevera na minha vida como um norte nunca pálido sobre o sentido do amar e do seu sentido reflexo, o amor.
Ainda menino, imaginava o poeta a voltar de Macau com a sua chinesinha Dinamene. E então aquela súbita separação provocada pela tragédia que não poderia ser esperada. Náufrago e sozinho, o pobre poeta recompõe-se a si mesmo para lamentar o fim que tomara de súbito aquela a quem queria consigo, mas já não podia mais ter. Imaginava os seus olhos a lançarem-se para o espaço, em busca talvez de algum sinal, ou no horizonte do mar, a tentar adivinhar nos destroços também aquela pequenina mão a acenar a clamar pela sua ajuda contra a gula do oceano que afinal acabou por sepultá-la para sempre.
De volta à pátria, sobrava-lhe, como tantas vezes na sua vida miserável, a pena e o papel, e lá foi o nosso poeta renascentista enviar-nos a sua mensagem imemorial acerca do amor.
Prefiro muitas vezes esse soneto ao "Amor é fogo que arde sem se ver", não que este último não tenha em si um lirismo e uma qualidade ímpares, talvez possa ser colocado entre os melhores sonetos que buscam definir o sentimento, mas falta-lhe o elemento particular que o localiza no tempo e embora o intemporal seja muitas vezes uma qualidade, para a minha sensibilidade não o é, ao menos não no momento que venho aqui deixar esse relato, caro leitor.
A poesia vivida, a que Vinicius comprometeu-se obsessivamente, convence mais do que os belos discursos abstratos sobre a natureza das coisas. A diferença entre uns e outros, no entanto, não são os pormenores privados que fazem as pessoas de caráter fraco consumirem as revistas sensasionalistas sobre as celebridades, mas antes a compaixão nos versos, a dizer, a forma como se divide um sentimento verdadeiro. Vemo-nos nele e reconhecemos no poeta um ser humano não só capaz de compor a beleza na forma da poesia, mas sobretudo em um ser humano igual a nós mesmos, a sofrer e a sorrir com as desventuras e alegrias da vida.
Ao meu coração fala muito mais alto o lamento sincero do poeta que perante a "dura Morte" da sua amada pode consolar-se um pouco com a poesia e isso parece-me totalmente correto. Afinal, que é a poesia senão a mais doce amiga dos que estão à mercê dos próprios sentimentos? Apenas os seus versos podem falar com intimidade às recônditas partes do nosso ser e assim dar-lhes algum conforto e, sobretudo, libertá-las dos seus íntimos carrascos.
Assim foi com Camões, assim é comigo e contigo, leitor, não duvides, mesmo que a prova venha de centenas de anos atrás.
Ainda menino, imaginava o poeta a voltar de Macau com a sua chinesinha Dinamene. E então aquela súbita separação provocada pela tragédia que não poderia ser esperada. Náufrago e sozinho, o pobre poeta recompõe-se a si mesmo para lamentar o fim que tomara de súbito aquela a quem queria consigo, mas já não podia mais ter. Imaginava os seus olhos a lançarem-se para o espaço, em busca talvez de algum sinal, ou no horizonte do mar, a tentar adivinhar nos destroços também aquela pequenina mão a acenar a clamar pela sua ajuda contra a gula do oceano que afinal acabou por sepultá-la para sempre.
De volta à pátria, sobrava-lhe, como tantas vezes na sua vida miserável, a pena e o papel, e lá foi o nosso poeta renascentista enviar-nos a sua mensagem imemorial acerca do amor.
Prefiro muitas vezes esse soneto ao "Amor é fogo que arde sem se ver", não que este último não tenha em si um lirismo e uma qualidade ímpares, talvez possa ser colocado entre os melhores sonetos que buscam definir o sentimento, mas falta-lhe o elemento particular que o localiza no tempo e embora o intemporal seja muitas vezes uma qualidade, para a minha sensibilidade não o é, ao menos não no momento que venho aqui deixar esse relato, caro leitor.
A poesia vivida, a que Vinicius comprometeu-se obsessivamente, convence mais do que os belos discursos abstratos sobre a natureza das coisas. A diferença entre uns e outros, no entanto, não são os pormenores privados que fazem as pessoas de caráter fraco consumirem as revistas sensasionalistas sobre as celebridades, mas antes a compaixão nos versos, a dizer, a forma como se divide um sentimento verdadeiro. Vemo-nos nele e reconhecemos no poeta um ser humano não só capaz de compor a beleza na forma da poesia, mas sobretudo em um ser humano igual a nós mesmos, a sofrer e a sorrir com as desventuras e alegrias da vida.
Ao meu coração fala muito mais alto o lamento sincero do poeta que perante a "dura Morte" da sua amada pode consolar-se um pouco com a poesia e isso parece-me totalmente correto. Afinal, que é a poesia senão a mais doce amiga dos que estão à mercê dos próprios sentimentos? Apenas os seus versos podem falar com intimidade às recônditas partes do nosso ser e assim dar-lhes algum conforto e, sobretudo, libertá-las dos seus íntimos carrascos.
Assim foi com Camões, assim é comigo e contigo, leitor, não duvides, mesmo que a prova venha de centenas de anos atrás.
sábado, junho 30, 2012
Relato aqui os meus estudos
Aprendi, caros leitores, mais alguns bons conceitos, leis e dimensões dos respectivos regimes no meu primeiro ano do curso de doutoramento. Aprendi, sobretudo, a brutal diferença desses estudos para os de mestrado. Não no sentido académico, que por si só também é diferente - no doutoramento há mais responsabilidade com a qualidade dos escritos, há mais profundidade no pensamento (tendencialmente) - refiro-me às condições da vida deste escritor.
Entreguei no fim do mês os meus dois relatórios finais às cadeiras que frequentei como se tirasse de cima dos ombros o peso dos majestosos himalaias. Tamanha carga ganhou peso e volume por conta das outras obrigações da vida que no contrário do tempo do mestrado ainda não haviam. Por agora, foram todas as obrigações juntas - profissionais, académicas e sociais - do que por vezes vi-me literalmente sem saída com relação ao tempo que tinha para dedicar a cada atividade, permanentemente à expectativa de não conseguir fazer tudo bem, como é a norma para esses balabarismos das atividades.
Como antes, todavia, tive muito gosto em estudar, pesquisar e escrever. Sinto viva alegria em aprender, porque acredito que assim alargo os horizontes da minha vida e da minha compreensão. No aspecto da ciência do direito, sinto que torno-me um profissional mais útil aos que vão se servir dos meus serviços, assim como credencio-me a ter opinião em matérias que antes estavam fora do meu conhecimento.
Mas não pensem que não custa. Sempre custa aprender. Não refiro-me às propinas - que para uma universidade pública como é a Universidade de Coimbra, estão nos seus máximos históricos a tirar muita gente do ensino superior por carência económica - falo antes da própria condição de querer aprender, de saber ouvir os que sabem mais que nós, de humildemente apanhar nos livros e ler e ler e ler à procura do famoso conhecimento e depois de tanto lutar para alcançá-lo, saber levar na cabeça os equívocos de não ter feito a jornada na perfeição - eis a fama verdadeira da nossa faculdade de direito que eu muito agradeço, pois desafia-me sempre a ser melhor, mas que também inclui-se no sofrimento da aprendizagem.
Aprendi muito, estou contente (agora que já passou toda a aflição!), mas acho que a melhor lição foi recordar da necessidade de aprender sempre, de ser curioso e corajoso para romper os limites que por vezes nós mesmos levantamos diante do nosso potencial e que trava os sonhos que temos para a nossa visão da vida. Por vezes, não se trata de fazer um curso, mas de querer refletir sobre o que vai mal e ter coragem para escutar quem sabe mais do que nós, de dedicar-se ao estudo informal de qualquer matéria para poder fazer um trabalho melhor, sobretudo, de não se esconder no saber que já se tem por medo de ficar surpreendido com o conhecimento que está além, com o desconforto que poderá trazer, com o novo eu que ele trará consigo.
Não tenhas medo, leitor. Lembra que o medo procura o que há de mau em ti para prevalecer - as inseguranças, o receio, a preguiça até - antes escuta o que há de bom - a curiosidade, o sonho, o encantamento pelo novo e pelas surpresas, e avança com coragem rumo a saber mais e a tornar-te melhor.
Quanto mais souberes, menos temerás, ao menos assim me parece. Portanto, apanha naquele desejo de estudar francês a sério, ou de aprender sobre apicultura ou costura, não importa o tema desde que importe a ti, e mãos aos livros. Não poderás estar em melhor companhia.
Entreguei no fim do mês os meus dois relatórios finais às cadeiras que frequentei como se tirasse de cima dos ombros o peso dos majestosos himalaias. Tamanha carga ganhou peso e volume por conta das outras obrigações da vida que no contrário do tempo do mestrado ainda não haviam. Por agora, foram todas as obrigações juntas - profissionais, académicas e sociais - do que por vezes vi-me literalmente sem saída com relação ao tempo que tinha para dedicar a cada atividade, permanentemente à expectativa de não conseguir fazer tudo bem, como é a norma para esses balabarismos das atividades.
Como antes, todavia, tive muito gosto em estudar, pesquisar e escrever. Sinto viva alegria em aprender, porque acredito que assim alargo os horizontes da minha vida e da minha compreensão. No aspecto da ciência do direito, sinto que torno-me um profissional mais útil aos que vão se servir dos meus serviços, assim como credencio-me a ter opinião em matérias que antes estavam fora do meu conhecimento.
Mas não pensem que não custa. Sempre custa aprender. Não refiro-me às propinas - que para uma universidade pública como é a Universidade de Coimbra, estão nos seus máximos históricos a tirar muita gente do ensino superior por carência económica - falo antes da própria condição de querer aprender, de saber ouvir os que sabem mais que nós, de humildemente apanhar nos livros e ler e ler e ler à procura do famoso conhecimento e depois de tanto lutar para alcançá-lo, saber levar na cabeça os equívocos de não ter feito a jornada na perfeição - eis a fama verdadeira da nossa faculdade de direito que eu muito agradeço, pois desafia-me sempre a ser melhor, mas que também inclui-se no sofrimento da aprendizagem.
Aprendi muito, estou contente (agora que já passou toda a aflição!), mas acho que a melhor lição foi recordar da necessidade de aprender sempre, de ser curioso e corajoso para romper os limites que por vezes nós mesmos levantamos diante do nosso potencial e que trava os sonhos que temos para a nossa visão da vida. Por vezes, não se trata de fazer um curso, mas de querer refletir sobre o que vai mal e ter coragem para escutar quem sabe mais do que nós, de dedicar-se ao estudo informal de qualquer matéria para poder fazer um trabalho melhor, sobretudo, de não se esconder no saber que já se tem por medo de ficar surpreendido com o conhecimento que está além, com o desconforto que poderá trazer, com o novo eu que ele trará consigo.
Não tenhas medo, leitor. Lembra que o medo procura o que há de mau em ti para prevalecer - as inseguranças, o receio, a preguiça até - antes escuta o que há de bom - a curiosidade, o sonho, o encantamento pelo novo e pelas surpresas, e avança com coragem rumo a saber mais e a tornar-te melhor.
Quanto mais souberes, menos temerás, ao menos assim me parece. Portanto, apanha naquele desejo de estudar francês a sério, ou de aprender sobre apicultura ou costura, não importa o tema desde que importe a ti, e mãos aos livros. Não poderás estar em melhor companhia.
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