Cheguei de volta ao meu país num dia quente de dezembro. Recebi o calor como um beijo de paixão e senti-me algo feliz depois de muito tempo. Revi os pais, os amigos queridos e os parentes... eles choraram e me abraçaram sorrindo e fiquei talvez um pouco constrangido... talvez desacostumado de ser amado.
Da janela do meu quarto, de novo a antiga e querida vista da Pereira do Vale e longe o rio Glória que enquanto menino eram o que eu conhecia, junto da doce certeza de que seria um novo país o que estaria além dessa minha pátria em miniatura.
Que imenso é o nosso mundo! Como são diferentes as pessoas, os costumes, as línguas! Como muda o gosto da cerveja de acordo com o país e como as moças tem diferentes maneiras de olhar e sorrir mesmo que insinuando sempre a mesma coisa!
Londres persevera na sua sina de pólo multicultural com destemor, mesmo sem contar mais com a minha prestimosa contribuição! De certeza, houve inquietação entre os turistas noruegueses e as garçonetes gregas do Soho, preocupação entre os colegas polacos de Ealing e os futebolistas ingleses aussies e argentinos do Queen's Park, grande ausência da alegria de viver entre os turcos jogadores de bilhar do Lancaster Hotel, choro convulsivo entre os queridos fellas brasucas e tugas de Kensal Rise e Maida Vale. Mas certamente outros virão e me substituirão com talento, de modo que em poucos meses (ai de mim! em semanas) já não haverá rastro na memória deles de que estive por lá. Já eu aqui não me esqueço de nada.
Assaltam-me as lembranças das longas e frias madrugadas, errando entre as ruas do centro da capital da Grã-Bretanha, procurando razão e motivo num céu sem estrelas e, entre os velhos prédios de pedras mudas aos apelos de que desaparecessem dali de repente, quanto fatalismo nos beijos lançados no ar e quantos cacos no chão dos caminhos que eu tomei! Já não se repetem as manhãs de nevoeiro em que eu me esforçava, indo de ônibus, trem, metrô... até finalmente alcançar o meu college e mais cedo nessas mesmas manhãs quando abria os olhos e do teto branco do quarto não me vinha nenhuma razão plausível, mas ainda assim eu continuava.
Também houve surpresinhas pequeninas que me deram uns sorrisos, como foi jantar a curiosa sopa de batatas, pimentão e pimenta do reino, além de outros condimentos misteriosos, carinhosamente preparada pela minha doce Katzia, sem saudades da grande mãe Rússia? Como não sentir falta de ouvir Andrew cantando Beatles com sotaque irlandês no banho e argumentando sobre a legitimidade do IRA com os olhos a brilhar? Ou do Milan convidando todo mundo para ir no estádio do Arsenal no fim de semana sem saber onde era? Ou das piadas muçulmanas do turco Yatek quando notava meus longos pensamentos indo a lugar nenhum? E quanto aos porres de cerveja e whisky em Piccadilly junto do meu querido amigo Pecoits? E por fim, já perto de voltar ao Brasil, a maravilhosa viagem pelo continente, até a Cracóvia e até o fundo revolto dos corações irremediavelmente apaixonados!
Cá no coração do menino, saudades de tudo de bom que ficou para trás.