quinta-feira, dezembro 28, 2006

Um mar sem termo

Vinicius escreveu o "soneto do amor como um rio" em 1959, em Montevideo. Na época, o poeta servia como 2º Secretário da Embaixada do Brasil no Uruguai e estava casado com sua 2ª esposa, Maria Lúcia Proença.
Ao contrário de muitos poemas de amor, Vinicius gostava muito desse, a ponto de incluí-lo na seleção de sua Antologia Poética de 1967, a primeira delas.
Eu também gosto muito do poema, que faz um jogo de imagens entre o amor e o fluxo de um rio, enquanto desliza macio, noturno e sem termo. Precisamente, um sentimento a fluir de um para o outro, mas que se sublima nessa travessia e não no que cada um recebe de amor do outro... e como um rio, embora tenha águas diferentes, é sempre o mesmo rio.
É bonito também porque faz lembrar outros poemas com convições semelhantes, mas de outras épocas, como o "soneto do maior amor", composto em Oxford, em 1938, quase 20 anos antes, quando estava preocupado em estudar literatura e sentir saudades de Beatriz de Mello, a Tati, com quem se casaria por procuração mais tarde.
O terceto mais pessoal e mais delicado que o poeta escreveu é o primeiro deste soneto: "Louco amor meu, que quando toca, fere/ E quando fere vibra, mas prefere / Ferir a fenecer – e vive a esmo".
A decisão firme sobre os sentimentos não é só pela paixão, é por se tratar de uma fé, algo que não se abre mão com sorrisos... algo caro demais.
O "soneto de fidelidade", escrito na mesma época, mas já depois do encontro com Tati, também serve para afirmar as convicções deste mesmo ideal, como toda uma certidão do que se trata amar e venerar o amor: "E em seu louvor hei de espalhar meu canto/ E rir meu riso e derramar meu pranto/ Ao seu pesar ou seu contentamento" e este esforço porque afinal, poderá dizer do amor que teve que foi mais intenso e mais alto que tudo, que tudo valeu e tudo venceu, pois incorporava a própria fé na vida, seu sentido e beleza maiores.
Entre o "soneto do amor como um rio" e estes sonetos do maior amor e de fidelidade, quase 20 anos e um mesmo, irresoluto coração, à parte de tanta coisa que poderia ter mudado num homem nesse tempo.
O poeta acreditava nessa verdade, na de que não havia outra escolha possível que não a de viver sinceramente e intensamente, passou a vida perseguindo o ápice do sentimento, a crista dourada de uma paixão sem termo, infelizmente sem um sucesso matemático, digamos, mas evidentemente pleno de sentido na vida que teve, tendo amado muito e tendo sido muitíssimo amado.
Contra a verdade de que tudo que se ama morre, há que vencer a fé de que não morre nunca o que nos faz vivos, que acaba por ser nossas próprias convicções.
Eis a árdua missão do poeta, lembrar sempre ao seu leitor de se orgulhar, de defender e mais que tudo de acreditar nos próprios sentimentos de amor além de todos os quinhões ruins do mundo.