Há alguns anos, quando era membro ativo do meu capítulo, havia uma preocupação grande em formar os neófitos nos princípios da ordem, mais que tudo, alertá-los para as vicissitudes do mundo, dar-lhes armas não para se defenderem delas, mas para combaterem-nas e destruí-las.
Assim foi que, quando tive a felicidade de tomar posse como mestre-conselheiro, decidi instalar no capítulo um grupo de estudos da história templária e sua principiologia aplicada à Ordem De Molay. Isso porque os princípios da ordem, apesar de muito abrangentes e marcantes para formação de um rapazinho, deixam de fora princípios outros que são bons de serem aprendidos na tenra idade em que se toma paixão pelos ideais que vão dar o norte do resto da vida. Cabe a observação que isso aplica-se apenas aos cavalheiros, ou seja, quem se pauta pelo que acredita e assim se conduz, não aos hipócritas e demagogos do mundo, que vivem pela promoção da opressão e do medo.
Pois bem, dito isso, veio a escolha do nome, que pela tradição iniciática, deveria trazer a inspiração de seu propósito, 'corpo filosófico virtude suprema' pareceu excelente, não fosse o fato de que na nomenclatura maçônica o termo 'corpo filosófico' aplica-se a um de seus graus, o que nos evidentimente desconhecíamos. Azar o nosso, que não pudemos fazer o grupo de estudos funcionar com aquele nome, mas a parte da 'virtude suprema' foi uma grande lição na vida capitular de todos nós, isso porque a mais alta das virtudes para a liderança virtuosa é a humildade, a ausência do seu antônimo, o egoísmo.
Isso ensinou-nos a vida templária em muitos sentidos, quer pelo voto de pobreza dos monges, quer pela fé num ideal acima dos interesses particulares, mas principalmente pelo exemplo de lealdade e tolerância do último grão-mestre daquela ordem e patrono da nossa, Jacques de Molay.
É interessante notar que o amor filial, a reverência pelas coisas sagradas, a cortesia, o companheirismo, a fidelidade, a pureza e o patriotismo coroam uma vida juvenil limpa e honrada em direção à plenitude adulta, entretanto, é a humildade que freia as paixões da vaidade, é ela que nos lembra nossa condição de fragilidade e da relativadade das relações sociais.
Humildade para viver, essencialmente, na selva de indiferença e egoísmo em que vem se convertendo o nosso mundo. Humildade para celebrar, precisamente, a amizade pura, a finalidade maior da vida depois do encontro com Deus. Humildade para amar, incondicionalmente, quem com humildade nos ama, sem os mesquinhos interesses de outros sentimentos que podem se transvestir, mas que não são jamais o amor, ao mesmo tempo que são, certamente, inimigos de qualquer humildade. No amor, pela intensidade e importância que tem na vida, a intromissão do egoísmo é imensamente mais danosa que noutros sentimentos.
Grande vilão que é, o egoísmo se transveste nos ciúmes, na carência, no jogo de cenas, onde o que se quer do outro é alguém que nos dedique seu tempo e preocupações, alguém que nos diga como somos especiais e únicos, alguém que tenhamos orgulho de exibir como nosso, não pelo amor a ele, mas pelo que os outros vão pensar de nos virem com ele, alguém a quem não se queira dar nada, nem mesmo respeito, em paga por um amor incondicional. Desta maneira um amor impuro draga energias de quem nele crê por vezes anos a fio até que quem é vítima desse doentio comportamento, resolve libertar-se, fazer-se livre do castelo de ilusões que ele construiu associado a alguém que nada queria construir, mas sim usar. Esse sim o cancro do coração, aquele que faz alguém capaz de transfigurar de virtude o que é vício e para alimentá-lo levar consigo nesse jogo covarde os puros sentimentos dos outros.
Quem assim age, evidentemtne, nunca foi tocado pelo brilho de qualquer amizade, eis que acha-se melhor que os outros, eis que acredita-se acima e merecedor de alegrias mesmo que elas importem na desgraça alheia, pouco importa o que sentem os outros, pois o que vale é o seu umbigo, eis o centro do universo de gente assim... o quinhão ruim que alimentam com pus e mentiras e que é o grande responsável por essa gente ser privada de uma vida de paz e felicidade, sendo premiados com a triste companhia interesseira e fugaz de seus pares ou por fim com a solidão.
Aos neófitos dizíamos sempre para serem puros de pensamentos, palavras e ações, mas que não permitiessem que os fizessem de tolos, que a virtude do seu coração é que o levaria os outros a serem bons também, mas talvez não estivessem completamente protegidos à partir apenas dos ensimentos templários para combater quem lhes mente com sorrisos e um afecto tão traiçoeiros.
Em tudo é má a falta de humildade em quem tem outras virtudes, mas no amor é certamente a maior das crueldades, a vilania das vilanias.