sábado, janeiro 26, 2008

Fragmento da pureza

Foi assim como um desses lampejos que cortam o coração quando se sente que está a sofrer um infarto: gritou-se na rua um apelo por libertade, toda a gente que lá estava deve ter percebido como foi doído, como percorreu a espinha a cortar, aquele pranto...
Imaginei donde viera, tentei refazer os caminhos por onde o mal seguir para talhar naquela cara tal expressão de horror, como deveria já vir sendo violentado por algum tempo, como tinha vincos marcados, e cicatrizes vermelhas onde abaixo pulsava seu sangue pleno dos seus sentimentos fortes, da sua cólera e da sua ira.
Abaixei o olhar ao meu colo, em seguida levantei às nuvens... que lindo céu para lançar engimas! Pudera a vida ser esse patético jogo de más certezas e dúvidas jeitosas para nos fazer ir por ela como imbecis bem recompensados por instantes pequenos de alegria, quando a parca parcela do que é prazeroso e feliz nos é dado parcimonicamente a fim de não esgotar a pobreza da garrafa onde é guardada.
Esvaziou-se a rua. Cada um que lá estava, que viu e sentiu tudo aquilo, tomou diferentes direções: à rua da indiferença foram muitos para distrair-se com alguma tolice engraçada, à rua da balbúrdia foram os que acharam bonito e quiseram continuar a fuzarca, porém sem o mesmo coração e alma nos gritos, à rua do lamento seguiram uns tantos mais decididos que queriam reclamar das coisas e conseguir algo com as queixas: pobres criaturas de Deus!
Eu, cá pleno deste horizonte sem fim que tenho em frente aos olhos, de coração quis passar a faca em todos, um desses desejos encolerados que temos quando não sobra mais paciência e é ultrajada a última barreira de tolerança, quando mesmo metem-nos o pé na dignidade. Pois uma morte por lâmina era o que mereciam os covardes. Esses uns que fazem sangrar a liberdade, esses canalhas que sorriem e querem parecer eficientes, os patéticos títeres da monotonia, da falta de alma das coisas, da monocromacia do mundo. Eis seus mais aplicados agentes, esses maus gestores do humor alheio.
Pude vê-lo ainda a respingar da roupa a sua ira, a sumir como um vento forte passa e depois dele não sopra mais nada, nem brisa mansa, nem o contínuo soprar mais forte, cessa tudo.
Pois na minha cara esse vento trouxe tudo o que tinha se proposto trazer e mesmo depois de ir, deixou marcada a sua mensagem de inconformismo. Há mesmo que ser assim, sem nenhuma tolerância com essa gente feia.