Coimbra passa as noites em claro... não mais nos bares e nas ruas, como na época da festa das latas, mas na solidão dos quartos, sobre as secretárias e os livros, a trabalhar no solitário processo da assimilação dos conhecimentos que, somado ao constante medo do chumbo, marca essa altura do ano para os estudantes. A época de exames está quase no fim, é verdade, mas não será esquecida enquanto perdurarem as obrigações acima das vocações.
Este é o ambiente de opressão geral que é compartilhado na cidade académica, nada capaz de provocar uma onda de suicídios, mas é claro que incomoda, deixando na boca um gosto amargo logo que o pensamento vem à cabeça.
Somado a tudo isso, ainda há as obrigações de cuidar da alimentação, dos exercícios físicos, da casa... Do que não há tempo para nada, nem para quem mais o mereceria, o que realmente faz apertar o coração...
Lado outro, também há vantagens, como não? A pesquisa e a investigação progridem a bom passo: recolha bibliográfica, marcos teóricos, hipóteses, variantes, estratégias de acção e resultados possíveis ocupam as mentes dos estudantes do mestrado em direito, e também desse que vos escreve, meus leitores, no entanto há faíscas de boa fortuna nas cinzas do inverno e para além das opressões e tirania, há ventura, já que nossos conhecimentos nos tornam pessoas mais úteis e preparadas. Um pensamento preenche a imensidão, como um dia disse Blake.
Foi inevitável, nessas circunstâncias, recordar uma das cenas mais doces do cinema de animação: a "the work song" do filme Cinderella, dos estúdios Disney, produção de 1950. A versão brasileira é especialmente bela, pela maneira como a canção foi traduzida, pelas palavras escolhidas: assentam ao ouvido como o amor verdadeiro ao peito.
Nessa cena, os ratinhos e os passarinhos, os únicos amigos que a solitária e sobrecarregada de tarefas da Cinderella tinha, decidem ajudá-la a ir ao baile, preparando o seu vestido, já que ela não teria tempo de fazê-lo por si mesma, devido às suas obrigações (injustamente impostas, diga-se de passagem).
Para Março teremos a IX Semana Cultural da Universidade de Coimbra, maioritariamente encabeçada pela Faculdade de Direito. Digamos que será nossa primavera, nosso grande baile, uma vez que os eventos são bastante interessantes e vão envolver toda a comunidade académica, sempre com um conteúdo interactivo.
Um primeiro renascimento para os convívios e as serenatas, as preparações para a Queima e os fados do Diligência, o estar com quem se quer estar... mas sem descuidar da dissertação!
Entre o frio e a neblina, a chuva constante e os livros pesados para cima e para baixo nas ladeiras antigas, transparece ainda mais o bom propósito do esforço e a liberdade de se ter escolhido esse caminho que, mesmo que custoso, é nosso.
Força, Cinderella.