terça-feira, abril 21, 2009

O mais profundo desejo

Ai de quem gritar outro nome! Não há, meus amigos, não há desejo nenhum maior do que o de ser livre. Podem tirar do homem os seus bens, o seu conforto e até o futebol aos domingos, mas é sempre demasiado cruel retirar-lhe a capacidade de decidir por si e assim, por ele mesmo, definir o seu destino, a sua fortuna, pelas suas próprias escolhas.
O amor à liberdade tem subido às cabeças e as vidas de milhões de jovens foram sacrificadas nas guerras do século passado (e de tantos séculos antes...) em defesa desse ideal.
Hoje é o dia de Tiradentes, o meu herói. Um homem que de seu, além dos instrumentos de dentista e de umas poucas mudas de roupa, tinha o ideal da liberdade a arder a cada respiração sua. Queria-a para si, mas também a queria para todos os outros e, principalmente para sua pátria. Traído por duas vezes, preso e quando do seu julgamento, quando confrontado com a possibilidade de trocar uma sentença de morte por uma de degredo no caso de negar a sua fé na independência do Brasil e jurar fidelidade à D. Maria I, preferiu sacrificar a própria vida do que negar aquilo que lhe dava mais sentido. Fê-lo honradamente, com a sua dignidade revolucionária que tantos outros contagiou mas que esses não partilharam ao ponto de partilhar com ele o mesmo destino e, por isso mesmo, ele é que é o herói que merece ser lembrado e, mais ainda, reverencidado pelo legado que nos deixou.
Curiosamente, nessa mesma semana comemora-se um outro dia de orgulho para a liberdade do mundo. Há quase 35 anos, jovens oficiais das forças armadas portuguesas, em associação com diferentes forças da sociedade e expressando um desejo uníssono do povo português, resolveram terminar com uma ditadura despótica e envelhecida, uma que privava as mulheres do direito de voto e que tinha lançado a juventude portuguesa ao sacrifício vão de uma guerra injusta por longos 13 anos. O 25 de Abril trouxe liberdade política à Portugal e às antigas colónias, que foram libertas do julgo da metrópole, mas não só isso, trouxe consigo uma corrente morna, embuída de convicto cheiro de cravos, de que era possível ter esperança em uma vida mais feliz e mais digna, em que os destinos que se revelassem, bons ou maus, teriam sido aqueles que foram escolhidos pelas pessoas, em liberdade, e não por qualquer outro que quisesse decidir por elas.
Essa corrente de sentimento ainda circula por esse valente e heróico país. Está nas mentes e nos corações, a impulsionar a todos com a sua força vibrante, a redimir das misérias, a trazer esperança quando das tristezas no seu significado de amor à liberdade e por isso, deve ser celebrado sempre.
Nesse 25 de Abril, mais que nos outros dias todos do ano, lembremo-nos daqueles que viveram sob a repressão e a tirania e sofreram-nas para que hoje pudéssemos escolher por nós mesmos, mas lembremos sobretudo de que o que moveu aqueles revolucionários de 1974, como aqueles que Tiradentes liderou em 1789, foi o mesmo e mais profundo desejo da alma humana que é desejo de ser livre.
Aos exemplos dos nossos heróis, a coragem para levar a cabo as nossas revoluções particulares para nos libertar das opressões que magoam e, por fim, ter coragem para dar efeito ao que nos pede o coração para fazer, sentir e viver.

terça-feira, abril 14, 2009

Não é fácil...

Passem-se dias, horas, meses, anos
Amadureçam as ilusões da vida
Prossiga ela sempre dividida
Entre compensações e desenganos.

(...)

Soneto de Aniversário, Vinicius de Moraes



Após um longuíssimo repouso, retorna a vida ao Colégio da Trindade, em Coimbra. O quarteirão inteiro que o velho edifício ocupa entre a Faculdade de Direito e a Couraça de Lisboa será o endereço do Tribunal Universitário Europeu, agora já em construção, como bem o sabem os passarinhos das árvores próximas e os turistas que espiam a obra a partir do pátio das escolas. Eu a observo da Sala do Mestrado, no Colégio de São Pedro, onde se defende tradicionalmente os relatórios e onde há uma pequena sacada que proporciona uma vista objectiva do velho colégio.
Sempre me chamou a atenção o facto das suas ruinas ali estarem, em meio à opulência do resto da universidade, do que me foi explicado que o dono não quis negociar o imóvel na altura em que o Estado Novo destruiu metade da alta de Coimbra para ampliar a universidade. Assim, desde o final dos anos de 1940 até o início dos anos de 1970, o Colégio da Trindade perseverou sem grandes reformas, tendo por último servido como residência até quando já não mais aguentava a sua decrepta estrutura, enquanto no seu entorno tudo era ampliado, aumentado e melhorado para o crescimento da universidade.
O dia, entretanto, chegou, como acima já foi anunciado. Afinal, o Colégio da Trindade vai ter destino ainda mais nobre que os seus congêneres da primeira infância da academia portuguesa, quando foram dadas as primeiras aulas, há mais de 700 anos.
Era bom se fôssemos como os prédios antigos e a nossa paciência fosse muito mais do que a condição humana nos permite. É pena que na nossa condição seja difícil ver que a redenção sempre nos alcança enquanto nos mantivermos de pé e com alguma dignidade na cara.
Os dias trazem a todos coisas novas, surpresas novas, idades novas. É bom ficar mais velho sem deixar envelhecer o amor, sem torná-lo amargo e desconfiado, sem contrariá-lo, sem desacreditá-lo. É a fé na sua graça, a sua parte mais íntima em nós, que o faz ser sempre belo e potente, como da verdadeira primeira vez.
É como tentam fazer ao Colégio da Trindade: ao invés de deitar todas as ruinas abaixo e construir um prédio novo e moderno, preservam tudo o que podem e das velhas fundações medievais vai se levantar um edifício recomposto em facilidades e propósitos. No fundo, ainda vai guardar os traços mais basilares da sua natureza, a gradação mais profunda da sua verdade, afinal, redimida.