Saiu de casa após o jantar sem o casaco, era uma noitinha quente como essas que vamos tendo agora na primavera, o que contribuia para ter o pensamento leve. Nas suas roupas um cheiro forte de alecrim, na pele um frescor de menta, aroma seu que a brisa docemente carregava consigo.
A essa imagem da boa composição de seu aspecto, à doçura de seus gestos e simplicidade das palavras, contrastava o que trazia dentro de si e que não se lia senão num fugaz fixar dos olhos vez por outra. Tentavam ver para além da vista que havia diante de si, tentavam alcançá-la na incorruptível paisagem dos seus sonhos, em que seu grande sorriso de bonança iluminava e aquecia como o próprio sol, o sol de sua vida.
As lembranças desses e doutros gestos assaltavam-no, no descuido de qualquer pensamento inocente era levado a cabo para ouvir a voz a dizer a certeza e o carinho, estava de novo presente para testemunhar a paisagem plena daquela presença, na atmosfera à sua volta o ar novamente vibrava com aquele riso, a mesma curiosa combinação de elementos que orbitava a mulher que como nenhuma outra percorreu os caminhos sinuosos que levavam ao seu coração.
Esperavam-no na tasca, seu copo já estava cheio e os abraços dos amigos ansiosamente à sua espera. Sua vida vinha tornando para caminhos demasiado previsíveis e aquela noite parecia como todas as outras em que negava a si mesmo: estéril e maçante, tudo aquilo a que diligentemente adimplia na vida, todos os seus dedicados esforços de êxito, suas noites longas de trabalho, nada daquilo tinha brilho, nada comunicava-lhe valor. Resignado, aceitava e seguia, sempre seguia em frente, não por gostar do que poderia o futuro trazer-lhe, simplesmente havia bons motivos maus, como o orgulho e a teimosia. Alguma coisa lhe provocara um impulso de revolta, entretanto.
Naquela noite depois de deixar a casa, sem que nenhuma estrela tivesse despencado do céu, sem que tivesse ganhado a lotaria, sem que nada de especial tivesse provocado o resultado, encontrava-se completamente convicto de sua condição: amaria.
Subitamente, seu coração ardeu à intensidade do sonho e lhe soube bem ter a face quente pela emoção e então quis que ardesse até a própria cinza, à grandeza de ser redimido pelo amor que tinha em si, violado e domado, naquela noite, exaltado.
Olhou a lua apaixonadamente e mandou-lhe um beijo com as mãos e disse para si mesmo o nome da mulher que amava e sentiu sobre o seu rosto o aproximar do seu rosto, o toque das suas mãos, a completude do mundo e do sentido de tudo que havia no seu abraço.
À condição do segredo e do destino, continuou resoluto o percurso. Ao chegar à tasca ouviu seu nome ser gritado, em seguida os copos ao alto: soube então que estava para sempre redimido.