terça-feira, julho 07, 2009

Depois de dois anos

Como se fossem meus os olhos de Verlaine no fim de sua vida, eu vi tudo isso de novo, com o coração esvaziado e a cabeça cheia de labirintos infantis mas difíceis de vencer.
Talvez tenha crescido ao meu lado uma criança madura e prudente que tem um sorriso contido e gosta de dar muitas ordens. Uma criança que não chora nunca e que nunca olha para trás.
Como o velho e amplíssimo salão do Instituto Granbery em Juiz de Fora, o pensamento mantém a sua elegância como que à espera. Mesmo tendo por princípio a acção, por vezes é preciso convir da natureza estática de certas coisas e deixar estar.
As ruas dos meus anos mais verdes perderam o encanto com a minha ausência. Ressentiram-se como o amor que os meus amigos me tinham. Já não sabiam meu nome, olharam-me como se fora um estranho e não como seu filho. Assim, uma brisa muito fria lentamente levou consigo o verde da borda dos meus olhos e eu fiquei fixamente a mirar a cidade, sem saber bem para que lado ir.
Como um trovão dos céus (embora o toque fosse amistoso e simpático, como o é), o telemóvel trouxe-me de volta à realidade. "Sim, sim, já estou cá, está tudo bem, sim, sim, obrigado, adeus." Que conversa estúpida, fez-me lembrar o propósito de tudo isso. De volta aos afazeres.
Seguiu à noite uma manhã de chuva. Detestável mais aos mais impressionáveis que a mim, propriamente, tive que adoptar a consciência inglesa de que um belo dia depende de nós mesmos unicamente e não da presença do sol.
De volta às galerias onde o negócio dos alfarrabes ainda é próspero e pujante, se calhar porque é alimentado pelo comércio de livros didáticos: umas mães a se desfazerem do inútil outras a tentar uma pechincha e os alfarrabistas a fazer algum dinheiro na intermediação. Também compram (depois de escolher com cuidado o que é conveniente) bibliotecas herdadas e talvez aqui esteja o grande interesse desses sítios: nunca se sabe o que se pode encontrar e nem em que estado de conservação!
Os alfarrabistas lembraram-se mais da minha ausência do que do meu nome. Tinham lá qualquer coisa boa, uma pequena pilha de livros de uma antiga colecção, embora, como é costume, não soubessem disso.
Da rua veio uma voz conhecida que me deixou cair aquilo. Fui correndo ver. A minha prima com uma colega, estava lá como a tinha deixado o meu último abraço. Sorriu, sorriu imensamente. Perguntou porque não lhe tinha ligado, fez que se aborrecia, sorriu de novo. Foi a minha taça de temperança, como fora noutros tempos, embora como então, não lhe tenha dito nada, nem do bem e nem do mal.
Fui dormir, como sempre, antes da criança vigilante ao meu lado. Olhava-me com uma expressão severa que já me tinha habituado. O seu silêncio calou-me um bocadinho mais e meus pensamentos não foram muito além. Ela que esteve nos sítios onde o meu coração floresceu e foi pleno, ela que viu quem me tinha amor e estima, ela que fez de uns e de outros pouco ou nada, também dormia sob a mesma lua pouco depois, sem pensamentos, sem sonhos, sem cócegas e sem amor verdadeiro.