Nem só de tijolos e livros se faz uma faculdade de direito. Bem o sabe quem estuda ou já estudou em Coimbra.
Cá onde os corredores falam mesmo se vazios, não na voz dos fantasmas a assombrar, mas na história impossível de não notar, há uma reputação a pesar nos ombros desses pobres caloiros que entram para o 1.º ano: honrar essas tradições. Fardo por vezes demasiado pesado, especialmente para os que minguam em talento, possível razão, talvez caiba especular, da grande evasão que acontece: dos 400 caloiros que se matriculam todos os anos, menos de 100 terminam a licenciatura e dois terços ou metade disso seguem para o mestrado e muito menos para o doutoramento.
Essa grande evasão é fundada, dizem alguns, no rigor do curso, onde a obtenção da quantidade mínima de valores (10) para aprovação é em si uma batalha dura, seja qual for a cadeira. Os que terminam o curso com média de 14 valores, mínima para seguir para o mestrado, são uma minoria avalassadora, prémio, não de génios iluminados, mas dos que trabalharam imensamente, com uma carga de organização e de leituras diárias que assustariam qualquer estudante de direito do mundo.
Uma porta, no entanto, resta aberta à beleza: mais que os maquinadores, que reproduzem o conhecimento sem sobre ele refletir, a faculdade de direito deita rosas no caminho dos que se expõe a estarem errados, mas que tentam levar os caminhos do conhecimento jurídico mais à frente, desenvolvendo novas teorias, novas tecnologias capazes gerar paz e justiça social.
É assim que mais de 50 anos após sua morte, Manuel de Andrade, natural de Estarreja, ainda influencia o pensamento dos que por esses corredores andam e nem só.
No convívio social, era um homem de trato simples e muito calmo, dizem os que com ele conviveram, não era dado à discussão leviana... conversava à dois, conciliava, aconselhava, não impunha.
Como professor, acompanhava com atenção o evoluir dos alunos, pois leccionava cadeiras em diferentes anos, provendo-lhes com suas "lições", sempre receoso de publicar seus estudos. Suas ideias, claras e atentas à letra da lei, sempre em busca de uma sua materialização com a participação de um intérprete que lhe confira o positivismo que interessa, penetraram profunda e perenemente no pensamento dos seus alunos, e alguns desses se tornariam mestres dos nossos hodiernos mestres, numa influência espraiada da postura de um professor de direito de Coimbra que ainda hoje se vê plena e consistente.
Talvez por isso tenha levado 12 anos, depois de sua licenciatura, para tirar o doutoramento. Fê-lo, entretanto, com um brilhantismo que já não se pode aspirar igual. Obteve aprovação da tese com 20 valores, a única nota máxima atribuída pela faculdade de direito no século XX. Distinção conferida, ao que parece, por mérito e com justiça.
Feito hoje nome de um dos prémios outorgados anualmente pela faculdade (ao aluno com maior média final de licenciatura), ainda ressoa aos (a dizer, quase todos) que nunca conheceram-no essas façanhas e maneiras. Mais que tudo, surpreende por ter se consagrado na humildade de não querer superar, suplantar, destruir ou implantar. Ensinou o direito e o fez honestamente, sem vaidades maiores e, por isso mesmo, a sua memória ainda muito nos ensina.