Queria que as palavras tivessem sempre o peso certo da expressão interior. Que não se desperdiçasse adjetivos, que não se guardasse uma homenagem justa, que não se calasse a verdade pelo medo, que silenciasse o abuso que vem à fora para nada, a não ser para chatear... Mas talvez essa equação exata não fosse a melhor.
As palavras estão à disposição de todos, os loucos e os sábios. E assim temos de ver nos entrar pelos ouvidos coisas escabrosas, ou ficar à expectativa de um conforto que não é dado.
Acho bem que é nesse espaço entre o excesso e a falta que se encontra o mistério de viver em sociedade.
Criaturas curiosas e bugiadoras que somos, no interior mais secreto, esse ficar sem saber aguça, esse saber o que não interessa até distrái.
Como um longo e doce passeio pela margem do rio, onde as suas serenas águas passam indiferentes à cidade e aos carros, fico à espera de alguma mensagem, de saber como foi e o que esperam do que vai vir na sua viagem até a foz da Figueira, viagem que é tão boa, bem eu sei.
Mas o rio nada diz que ouvidos como os meus possam ouvir. Vão dizer: é a água a passar, tolo! Não... enganam-se muito os que assim pensam. Há ali pormenores, há ali cores, há ali gente e há ali, portanto, história. O rio sabe, melhor que ninguém, como as coisas são. Está ali a passar a séculos imemoriais e mansamente espera e segue, sem nada dizer do que sabe.
Por vezes confunde-me a sua perene inconstância... é sempre novo a cada novo momento, mas no caminho que segue, na margem que toca, nas gentes que banha e de quem arrasta o pensamento, é sempre o mesmo rio.
Mas na generalidade, os mistérios não assumem essa forma fluvial, antes, estão nas pessoas. Muitas poderiam até ver no rio, antes desse mistério que tudo sabe e nada revela, um óbvio que são obrigadas a tolerar, como os portugueses fazem todos os dias em relação ao seu mentiroso Primeiro Ministro. As pessoas preferem outras pessoas, eis uma verdade imutável.
Mas qual o mistério que há em nós? O que guardamos que nos torna interessantes aos outros? E mais, talvez até mais importante, qual o nosso óbvio repetido e aceito que aborrece, que se intromete pelos olhos e ouvidos dos outros e nos faz o cansativo lugar comum?
Se é o rio testemunha silenciosa, sabe bem que a convicção e a fé, em Deus ou mesmo em um ideal, conduzem as vidas das pessoas que realmente importam, como o fluxo do rio conduz os barcos que na superfície se arriscam.
Nada mais somos do que o exercício das nossas bugiações. A externação do que pensamos e sentimos. Com essa forma de influenciar os outros e se deixar influenciar por eles, fazemos o mundo em que vivemos.
Ao contrário do rio, que tudo sabe, mas nada diz, nós, que temos a pretensão de que sabemos, ao menos podemos falar, comunicar, fazer perceber, a dizer, maravilhar ou aborrecer.
E em alguma medida, essa é a vida que se tem para viver.