Abril tem 30 dias, maio tem 31, mas parece mais... Esses longos dias, em que escurece já tão tarde, deixa o pensamento também arrastado para mais que talvez noutra altura não fosse possível.
Maio da Queima das Fitas, com seus cantores da madrugada pelas ruas da alta, a perturbarem-me o sono, maio das longas viagens, maio da Feira de Azambuja, maio a mais não poder.
Suas longas tardes gostam mesmo é de se espalhar para além das 6 horas da tarde, mais duas, quase três.
É mesmo agora por esse mês de maio que já começam a se agitar os partidos com as eleições em julho, é já agora que o calor evoca um verão que ainda demora, ao menos para poder ser gozado, é já agora em maio que se delineia um novo ano na academia.
Lembro-me vivamente, com esse prematuro verão do fim de maio, da minha chegada à boa cidade de Coimbra, para cursar o mestrado. Lá como agora, o impulso da vida parecia levar consigo qualquer outra indisposição, não dando vez a nada a não ser o comando de gozar aquela gentil condição de preparar mas sem afobações e nem angústias.
Vêm-me o cheiro das sardinhas na brasa, o gosto do vinho de Cantanhede, a brisa morna da alta, o transpirar das tardes no árido paço das escolas.
No mesmo fluxo, emerge uma ansiedade positiva de querer ver surgir aquele tempo novo, que então não se podia adivinhar bem e que talvez agora o seu congênere atual seja mais bem talhado nos anos passados.
Faz parecer sempre uma lógica circular do tempo e da vida, que nos reconduz ao recomeço, sempre novo e diferente, no entanto. É bem capaz que seja assim porque a nossa personalidade o diz, porque pede sempre pelo mesmo, pelos mesmos caminhos e pelas mesmas pessoas, mesmo que não seja tudo exatamente o mesmo na sua individualidade, mas a similiridade acaba por buscar a si mesma.
Estive a ter uma doce leitura nas últimas semanas. "Querido poeta" é o livro de correspondências de Vinicius de Moraes. Trata-se mesmo de uma inscurção pelo coração e pela mente do poeta, durante toda a sua vida, pelas cartas mandadas e recebidas desde os anos de 1930 até a última cartinha em 1980, ano da morte de Vinicius.
Essa excessiva aproximação do privado serviu-me para admirá-lo ainda mais, para compreendê-lo, compreender a sua grande gana de se fazer ler e ouvir, seu grande empenho em fazer chegar às pessoas a sua arte, com o intuito inquestionável de dividir com os outros e não o de somar para si.
Mais ainda, a vida de Vinicius, como a minha também e a sua, meu leitor, mostra lindamente o caráter cíclico dos acontecimentos, como nós nos reconduzimos a um perene começo, sempre diferente, mas que traz em si os mesmos elementos da vida que escolhemos para nós próprios: a nossa decisão quanto ao que será do nosso amor, da nossa amizade, da nossa profissão, da nossa fé.
Na doçura de um novo momento, o bom é reconhecer nele seus constituintes passados, sem os quais não haveria, mas acho também que vale viver a sua novidade nas circunstâncias das boas surpresas e dos novos desafios, sem os quais esses longos ciclos da vida iriam dar a lado nenhum.
Tudo isso a se passar nesse nosso maio, maduro maio que teima em não acabar.