domingo, agosto 25, 2019

Aloquete ou cadeado

 

Parte fundamental da vida é fazer o corpo estar na sua melhor condição... acredito que corpo e mente são uma unidade inseparável... não existe nada dessa bobagem de vida intelectual, ou vida de aparências sem abstrações. Existe vida. Física e intelectual são suas expressões, ou momentos de uma única realidade. Tudo isso para dizer que gosto muito de treinar!
Ora bem, há uns tempos reiniciei as visitas ao ginásio e tem sido fantástico. Para além de uma infraestrutura em tudo adequada (desde a secção para exercício cardiovascular, as máquinas para musculação e a secção de pesos livres), conta ainda com um grande balneário, com cacifos para as nossas coisas, além de piscina interior, jacuzzi, banho turco e sauna. Não que me tenha feito esquecer completamente meu antigo ginásio (não exageremos), mas digamos que estou bem ali para já.
Nesta rotina de ir para lá, vestir o fato de treino, treinar, regressar para pôr o fato de banho, depois finalmente voltar e vestir-se novamente para partir, um pequeno instrumento é fundamental: o aloquete do cacifo.
Pois é, é assim que chamam ao cadeado as gentes cá do norte! Descobri-o quando o meu aloquete velhinho deixou de me obedecer... sim, foi mesmo isso. Com três carreiras de combinação e alguns anos de uso, o pequenino cansou-se de abrir e fechar... resolveu trancar lá dentro as minhas coisas quando voltei do treino.
Cansado, suado e desiludido com o minha sessão de jacuzzi a ser injustificadamente adiada, pensei: vou partir isso. Pois, mas o aloquete era valente, não se deixava ir com qualquer abanão. Pronto, vamos ver se há suporte técnico. Lá fui eu à receção ver se arranjava quem me arrombasse o cacifo. O senhor António, a trabalhar na casa há 14 anos (desde quando abriu, disse-me ele), é que foi tratar do assunto. Trouxe lá de dentro um alicate de meio metro de comprimento e num golpe maneiro, rompeu com aquilo. "Cá está o seu cacifo." Fantástico. Lá fui eu seguir com a rotina!
Depois enquanto tomava o banho, fiquei a fazer o luto do aloquete. Quantas vezes não houve cadeados a meio das coisas! Malditos aloquetes, a meterem-se no meio do caminho... mas por outro lado, santos aloquetes, que me salvaram de muito sarilho escusado, fechando o caminho a especuladores.
É um bocado como a pergunta que a poesia lança ao poeta quando ele quer desprender o poema do limbo: "Trouxeste a chave", ou no caso do finado aloquete: "Sabes a combinação?".
Quando era miúdo, um dia na catequese colocaram a questão do "coração fechado", e o símbolo era mesmo uma porta fechada a cadeado. Não sei bem porquê (se calhar porque todos os outros miúdos diziam que sim), disse que não havia ali nada aberto. Pronto, a catequista encontrou o mote para o sermão de abrir o coração a Jesus...
Mas não basta discursos para abrir o coração. Isso é muito pouco. O que é determinante é que ele se reconheça no que está lá fora. Há quem saiba a combinação ou tenha a  chave, e o aloquete deixa de ser teimoso, não é preciso chamar o Sr. António com o alicate de meio metro...
De toda forma, vou comprar um aloquete novo, com quatro carreiras de combinação, e praticamente impossível de abrir por formas sorrateiras.