sexta-feira, novembro 22, 2019

Afrika Korps


A reflexão de hoje pode parecer estranha às sensibilidades mais exaltadas (para ficarmos por esta qualificação simpática), já que se refere à força expedicionária alemã na campanha no Norte da África durante a 2ª Guerra Mundial.
Ideologias totalitárias à parte, revejo-me nos soldados que lá serviram bravamente e que, numa fase posterior da guerra, foram realocados para defender o Reich na fronteira com a Bélgica, na épica batalha de resistência que ficou conhecida como "Floresta Negra".
Vento, areia, calor… fome, disenteria e mais umas tantas misérias que só a infelicidade da guerra faz despoletar em simultâneo… tudo vencido para além das batalhas, num ambiente bastante distante daquela Alemanha romântica dos lagos secretos, das montanhas enevoadas e dos grandes rios a deslizar serenos.
Terminada a campanha, depois de vitórias gloriosas e demonstrações incontestáveis de bravura e serviço prestado honrosamente, numa fase posterior da guerra, ao invés de uma merecida baixa, esses soldados do Afrika Korps foram transferidos para o front europeu ocidental, para proteger a Alemanha do avanço dos aliados, sobretudo dos americanos, que haviam desembarcado na Normandia.
Ali sim houve provas de desespero e destemor, misturados e sem ser possível avaliá-los moralmente. Dia após dia, mês após mês, numa resistência ferrenha, cada metro de território era defendido com toda a gana daqueles soldados em vencer… e viver!
Neste carrossel de vitórias e derrotas, em que devemos manter a compostura sem perceber bem porquê, parece-me haver verdade na mentalidade do soldado alemão na floresta negra. Mesmo frente a um presente em tudo desfavorável, aquele soldado decidiu ser o que era, fazer o que lhe competia, e da melhor maneira que estivesse ao seu alcance. Não tinha escolha? Não é bem verdade: poderia sempre desertar. Aliás, não era difícil fazê-lo naquele momento: a Alemanha estava claramente a perder a guerra e os aliados prometiam acolhida favorável aos desertores alemães. De tudo em tudo, os que fizeram uma escolha consciente, firme na decisão em ser o que eram, sem subterfúgios, merecem toda a consideração.
Por vezes, (por muitas vezes), a vida é injusta. Ninguém se importa com os teus sonhos, ou com as tuas expectativas de futuro… isso não diz nada a ninguém… a não ser a quem te ame… mas mesmo a estes, é mais a preocupação contigo do que propriamente o luto pela tua perda. A justiça é um ideal e não uma condição natural. Daí que a não aceitação do injusto traga tanto sofrimento: achamos que as nossas ideias fazem o mundo, e não contrário.
Eu desci desse gira-gira de tolos já há algum tempo. Compreendo as limitações do mundo e estou em paz com elas. Não lhes faço guerra e menos ainda acho que há justificativa em qualquer tipo de revolução. Já não sou criança! Devemos é nos alinhar às condições naturais e viver pelas nossas virtudes, sem pretensões egoístas de colher a felicidade no exterior de nós mesmos.
Títulos, comendas, caviar… nada disso importa, old pal. Nos anos mais verdes, talvez ficasses impressionado com uma ou outra circunstância desse tipo. Querias ser o doutor, o presidente, o comendador… A tua mãe ficaria muito orgulhosa, de certeza, mas afinal, por detrás dos títulos, o que haveria? Tu saberias responder? Eu sei.
No frio da tua vigília, o que existe é o rifle na tua mão, a farda úmida e fria a te pesar no corpo, o sopro de ar espesso que te sai dos pulmões. Abre os olhos, vê a realidade. É no momento presente que realmente existes. As tuas glórias passadas te irão iludir a identidade e os medos de não as repetir no futuro te irão paralisar quanto ao que realmente deverias de fazer. Esquece o que foste, abdica de tentares controlar o que serás…  no presente é que está a tua redenção de sofrimento, de privação, de tanta vida que já desperdiçaste...
Mas como fazê-lo? Perguntar-me-ias… Not easy, old sport, mas nada te fará mais completo e realizado. Primeiro, um esclarecimento: certamente que és o resultado das tuas experiências e que temos sonhos projetados para o futuro que são belos e mesmo visam o bem dos outros… A questão não é fingir que o passado ou o futuro não importam, mas sim de subordina-los ao que realmente existe, que é o presente. É mesmo para inverter a pirâmide que tem a sua base no que foi e no que será e na ponta o presente, para que o a agora seja a base determinante e as suas perspetivas só interessem no que possam compor, apoiar ou fazer melhor o presente. Trata-se de reorganizar a compreensão do tempo em ti, assim deixares de ser um escravo das ambições e frustrações da mente.
Quando o inimigo interno se achegar a ti, o agora se vai materializar de forma inescusável. E então a força da tua luta veterana, talvez já distante do fulgor dos teus vinte anos… não interessa, desde que esteja convicta em quem verdadeiramente és, vai afinal se vingar das dúvidas e seus sequazes, deixando-lhes claro que para se imporem à tua grandeza, primeiro vão ter de passar por cima de ti, e que vai ser uma luta renhida.