Vieste a este mundo de modo insuspeitado, como a vida deveria ser sempre. E que grande chegada, Puca-puca... Recordo da ligação do Fernando a dizer que eu seria tio e que dali a uns poucos meses haveria um casamento, tudo assim um bocado em cima do joelho, mas sempre com um imenso sentido de alegria.
Nasceste há sete anos, a 4 de Dezembro, um dia de sol em Coimbra, em que eu percorri as bancas de jornal e recolhi tudo quanto se havia publicado nesse dia, a pensar que no futuro irias gostar de ver como estava Portugal e o Mundo no momento da tua chegada.
Logo chegaram as tuas primeiras fotos, que causaram grande curiosidade: não eras parecida nem connosco, nem com a família da tua mãe: como todos os recém-nascidos, eras uma coisinha acabada de sair do conforto do ventre materno, rosada e chorona, ainda muito inchada. Um traço teu, no entanto, chamou-me logo a atenção: tinhas já um queixo delicado, como o da tua avó paterna, e podia-se adivinhar o contorno do teu rosto desde aquele ponto de acesso à forma dos teus sorrisos.
Vieste cá ainda bebé e encheste-me o coração de alegria: as tuas reinações mantinham-nos todos entretidos: os passeios a Fátima, ao Porto ou a Lisboa eram sempre o mote para fotos curiosas, como a que temos contigo na Avenida dos Aliados, em que te agarraste em simultâneo a mim e ao teu pai, sem querer estar ao colo só de um dos dois.
Depois fui eu que viajei ao teu encontro, doçura. Nos longos meses em que a tese foi sendo escrita, que grande conforto não me trouxeram as nossas brincadeiras de domingo nas Três Barras. Revivi contigo os momentos de uma infância privilegiada, em que livres e intrépidos, o teu pai e eu desbravávamos os limites da quinta, conhecendo ao pormenor cada árvore dos pomares, cada declive em direção aos córregos, a cor dos campos de pasto, o cheiro dos armazéns de café e o silêncio do açude que em nós fez-se (e faz-se sempre que lá estamos) no encontro com o nosso eu profundo.
Também tu e eu corremos pelos campos, nadamos na piscina, colhemos acerolas e comemos mangas, quase sempre contigo a cantar qualquer música... Aliás, fui eu quem te ensinou a assobiar e tu rapidamente dominaste este primeiro "instrumento musical" para de mais uma forma expressar os teus gostos.
Fazes parte disso tudo que somos nós, tens o nosso sangue e o assim a nossa grandeza e a nossa miséria... És inteligente e delicada. Pensas antes de falar e és muito cuidadosa. Uma sedutora como poucas, consegues sempre o que queres sem nunca, nunca forçar... És um exemplo para essa legião de chatos que vivem a insistir e espezinhar... Não, tu guardas a tua dignidade altaneira e tens aprendido rápido a ganhar e a perder. Mas também amas muito e sinceramente... e por isso te colocas muitas vezes em posições de fragilidade. Vai chegar um tempo em que poderás querer sentir de outra forma: se lá não estiver o tio para te olhar com amor e dizer "esquece, encanto", lembra do seguinte: amar é expressar gestos de generosidade convicta, não uma busca por validação.
Brinca com as tuas bonecas, escolhe as tuas roupinhas, e os teus sapatinhos, veste-te de princesa e inventa brincadeiras: vive a tua infância na alegria e na paz, sê a menininha linda e feliz que anda por aí a distribuir sorrisos e a fazer sorrir, sem qualquer antecipação.
Não vou pedir que não cresças. Seria egoísmo, ou tratar-te como se fosses um brinquedo, a servir ao nosso deleite. Vais crescer e estás a ser criada para seres uma mulher, digna da nossa casa e de ti mesma, e assim serás.
Porém, não nego que o teu riso de criança seja para nós a própria vida, pequenina. Conservá-lo é que queremos para ti, no dia dos teus anos e sempre, mas sem técnicas de redoma, que te previnam de experimentar o mundo. Do alto das montanhas das minhas convicções, majestosas como as da nossa terra, terás do tio sempre um abraço de amor e uma palavra de verdade, e nenhuma desilusão te poderá jamais deitar abaixo.