sábado, março 26, 2022

Um homem justo, correto e que não gostava de falsidades


Meu avô Toninho, segundo a tia Lila, o descendente mais parecido com Antônio Gomes de Paiva


"Salmos, 11
1.Do mestre de canto. De David. 
Eu abrigo-me no Senhor. 
Porque vós dizeis-me: 
«Foge para os montes, passarinho,
2.porque os injustos retesam o arco, 
ajustando a flecha na corda, 
para atirar ocultamente contra os corações rectos.
3.Quando os fundamentos se corrompem, 
que pode o justo fazer?»
4.O Senhor, porém, está no seu templo santo, 
o Senhor tem o seu trono no céu. 
Os seus olhos contemplam o mundo, 
as suas pupilas examinam os homens.
5.O Senhor examina o justo e o injusto, 
Ele odeia quem ama a violência;
6.Fará chover, sobre os injustos, brasas e enxofre, 
e um furacão violento. É a parte que lhes cabe.
7.Porque o Senhor é justo e ama a justiça, 
e os corações rectos contemplarão a sua face"


Apresentar aqui a memória do meu trisavô Antônio Gomes de Paiva, que a seguir vou chamar de vovô Antônio Gomes, não é uma tarefa fácil: ele faleceu há quase cem anos e a sua ancestralidade (ao menos aparentemente) não está ligada a São Paulo do Muriaé e suas freguesias, como os meus outros antepassados, além disso, ele teve uma vida muito reservada, livre de maledicências que a posteridade quisesse reproduzir.
Ainda assim, este pouco torna-se muito frente ao seu legado de transformação e criação, marcado pela discrição, o sinal fundamental dos amigos da verdade.
Vovô Antônio Gomes era filho de Gomes José de Paiva e Umbelina Rosa de Jesus. Muito pouco se sabe sobre Gomes e Umbelina. Os factos são que eram ambos lavradores e residiam em Rosário da Limeira, onde nasceram seus filhos. 
Tendo em conta as suas próprias declarações nas certidões de nascimento de seus filhos, o vovô Antônio Gomes nasceu na freguesia de Nossa Senhora do Rosário da Limeira, em São Paulo do Muriaé. Sua data de nascimento exata não é conhecida, mas a 29 de Abril de 1889, quando foi testemunha de um casamento em Rosário da Limeira, contava com 25 anos de idade. Daí, podemos afirmar que nasceu em 1863, ou 1864.
Gomes e Umbelina tiveram pelo menos mais três filhos: Galdino José de Paiva, falecido em um acidente com madeiras em 1876; Rita Umbelina de Paiva, que depois casou-se com Germano Alves Pereira; o irmão mais novo do vovô Antônio Gomes era João Gomes de Paiva, que ficou em Guiricema e lá formou família. Por fim, a irmã Hypólita Umbelina de Paiva, possivelmente nascida em 1865, em Rosário da Limeira, onde ela viveu por toda a sua vida. 
Hypólita foi casada com Antônio Calisto Monteiro. Hypólita e Antônio tiveram dois filhos: Gomes José Monteiro e Umbelina Monteiro. Infelizmente, Hypólita faleceu precocemente, vítima de bronquite, a 1 de Novembro de 1894.
A 28 de Setembro de 1889, aquando do nascimento e registro do neto com o seu nome, filho de Hypólita, Gomes José de Paiva ainda era vivo, sendo descrito naquela certidão com a profissão de lavrador e residente em Rosário da Limeira. Em Outubro de 1891, quando nasceu o seu outro neto, José, filho do vovô Antônio Gomes, Gomes José de Paiva já era falecido.
Já quanto a Umbelina, sabe-se que ao menos até abril de 1893, tempo do nascimento do neto Maximiano, meu bisavô, ainda era viva e descrita como residente em Rosário da Limeira.
Com a morte da irmã Hypólita em Novembro de 1894, o vovô Antônio Gomes deve se ter tornado o único apoio de sua mãe Umbelina em Rosário da Limeira. É capaz que a mudança de sua família com a vovó Augusta para Santa Rita do Glória tenha tido por condicionante a necessidade de olhar por Umbelina em Rosário da Limeira.
Contrariando o que se diz na família há algumas gerações, e mesmo o que consta na sua certidão de óbito, o vovô Antônio Gomes não era natural de Guiricema (então, freguesia dos Bagres, Visconde do Rio Branco), mas sim de Rosário da Limeira. No entanto, há curiosas e numerosas evidências que o ligam à freguesia dos Bagres.
A primeira dessas ligações prende-se a sua relação com a família Monteiro, também de Rosário da Limeira, mas com fortes ligações à Freguesia dos Bagres. Embora o seu cunhado Antônio Calisto Monteiro não fosse natural da freguesia dos Bagres (mas sim da freguesia de São Caetano do Xopotó), ele e a irmã do vovô Antônio Gomes casaram-se lá, que era também a residência dos sogros de Hypólita. Além disso, o vovô Antônio Gomes surge associado frequentemente ao cunhado, partilhando com esse a ocupação de negociante, e como residentes na povoação de Rosário da Limeira. Ademais, aquando do falecimento do pequeno José, segundo filho do vovô Antônio Gomes e vovó Augusta, Antônio Francisco Monteiro surge como uma das testemunhas de que o menino morreu de causas naturais e sem assistência médica. 
Mas as coincidências que apontam para a freguesia dos Bagres continuam. A 7 de Abril de 1889, casa-se Antônio Francisco Monteiro Júnior com Theodora Maria de Jesus, sobrinha do vovô Antônio Gomes. Theodora é órfã de pai, Germano Alves Pereira, tio da vovó Augusta, e filha de Rita Umbelina de Paiva. Já o noivo era filho de Antônio Francisco Monteiro e Ana Joaquina de Jesus. Ademais, a certidão de casamento diz que são primos: o que é verdade, já que a vovó Umbelina era da família dos Monteiro. Precisamente, Rita era sobrinha do pai do noivo, pois a sua mãe Umbelina e Antônio Francisco Monteiro eram irmãos. Os padrinhos de casamento foram  o sobrinho Antônio Gomes de Paiva e seu tio Antônio Francisco Monteiro.
Adicionalmente, aquando do falecimento de Hypólita, em 1894, a certidão de óbito foi feita por Manoel Zepherino Xavier, também da família dos Monteiros, pois surge como cunhado de Hypólita.
Por fim, numa ação judicial de 1910, em que foi feita a medição da Fazenda dos Monteiros, surgem como proprietários dos diferentes sítios Gomes José de Paiva, Francisco Antônio Monteiro, Manoel Antônio Monteiro e João Antônio Monteiro, além de Hipólito José Jesus, José Pereira da Costa, José Marciano Pereira e Matheus de Siqueira. Embora Gomes José de Paiva já fosse falecido pelo menos desde 1891, é provável que ainda não tivessem feito as partilhas daquelas terras e surge aqui uma evidente associação entre as famílias. Já a questão de saber onde ficava essa Fazenda dos Monteiros, o mais provável é que fosse em São Paulo do Muriaé, uma vez que o processo foi submetido na sua comarca.
Uma última referência à ligação a Guiricema surge já em 1944, quando é deferido o pedido de Galdino Gomes de Paiva, sobrinho do vovô Antônio Gomes, para que o seu engenho de rapadura em Guiricema fosse transferido a Onofre Vieira Ferraz. Este Galdino teve o mesmo nome do nosso tio Galdino. Um e outro, tiveram o nome em homenagem ao irmão mais velho do vovô Antônio Gomes, Galdino José de Paiva.
Gomes José de Paiva e Umbelina Rosa de Jesus tivessem as suas origens em Prados e Guarapiranga, freguesia de Mariana. Mas em um determinado momento, talvez por conta das terras dos Monteiro, mudaram-se para a freguesia do Rosário da Limeira, onde já nasceram o tio Galdino José, a tia Rita, o vovô Antônio Gomes, a tia Hypólita e o tio João.
Para ir mais a fundo na ancestralidade do vovô Antônio Gomes, é preciso recorrer à tradição familiar. Segundo o primo Paulo Afonso, por informação que obteve de sua mãe, tia Lilia, e esta da vovó Augusta, o Paiva do vovô Antônio Gomes era o mesmo de Mariana Luíza de Paiva, esposa de Belisário Alves Pereira.
Essa indicação seria muito facilitadora se "Paiva" fosse também o sobrenome dos pais de Mariana, no entanto, os seus pais se chamavam Manoel Silvério Vieira de Andrade e Maria do Carmo Fonseca e Silva. De onde, então, teria vindo aquele nome? 
Na pág. 15 do "História de Belisário, Tomo I", a prima Nina Campos diz que Mariana é descendente de Fernão Dias Paes. Os antepassados de Mariana eram de Sumidouro, uma freguesia da cidade de Mariana, portanto, na região das Minas.
Se formos ver a ancestralidade de Mariana Luíza de Paiva, vemos que a afirmação da prima Nina tem muita razão de ser: sua mãe, Maria do Carmo, era filha do português João Fonseca e Silva e de Ana Angélica Dias. 
Não se encontra ainda indicação da ancestralidade de Ana Angélica, mas tendo em conta o testemunho familiar, há razões para crer que fosse filha de Vicente Dias Paes e Marianna Luíza de Paiva. 
O casal viveu em Ouro Preto e experimentou o declínio da mineração de ouro. Ana Angélica não figurou no inventário de Vicente Dias Paes, mas o direito das sucessões da época excluía as filhas casadas das heranças necessárias, portanto, não seria algo invulgar.
Ademais, essa é a única via de ancestralidade que explicaria tanto a repetição do nome "Mariana Luíza de Paiva", dado sem relação com os sobrenomes dos pais, além de conformar a indicação de que ela seria uma descendente de Fernão Dias Paes.
Agora resta saber quem foi Marianna Luíza de Paiva, bisavó da nossa Mariana Luíza de Paiva, esposa de Belisário Alves Pereira. Essa referência é fundamental, já que o Paiva do vovô Antônio Gomes é o mesmo, ou seja, é o da mesma família Paiva, que o da avó de sua esposa Maria Augusta (Mariana Luíza de Paiva) que, por sua vez recebeu o nome em homenagem à sua bisavó (Marianna Luíza de Paiva). Assim, ao se verificar a origem do Paiva da bisavó da nossa Mariana, encontramos também a origem do vovô Antônio Gomes, mesmo sem conseguir refazer na inteireza a sua linha.
Marianna Luíza de Paiva nasceu em 1756 em Guarapiranga, freguesia de Mariana. O seu nascimento se deu no auge do período da mineração do ouro. Ela foi a terceira filha de Manoel Martins de Paiva e Thereza Maria da Silveira. O seu pai foi um rico minerador português, que emigrou do Porto para as Minas Gerais já com 40 anos de idade. Dele sabe-se que trouxe parte da família consigo, além de nunca se ter esquecido das suas origens e dos familiares que ficaram em Portugal.
Manoel Martins de Paiva teria sido, portanto, o primeiro Paiva da nossa linha no Brasil, uma vez que, segundo a vovó Augusta, o sobrenome do vovô Antônio Gomes seria o mesmo da sua avó Mariana, e esta seria descendente do referido português, ficaria então a questão respondida. Falta agora refazer a linha do vovô Antônio Gomes, ou seja, identificar quem foram os pais de Gomes José de Paiva e Umbelina Rosa de Jesus, e de onde vieram, para que se possa confirmar essa hipótese.

Forte de São João da Foz do Douro, no Porto: A freguesia onde nasceu Manoel Martins de Paiva

À parte da questão da ancestralidade, que é também a nossa, e daí evocar um profundo interesse, é devida uma palavra para se dizer, afinal, quem foi o vovô Antônio Gomes.
Muito de sua vida já foi contado quando fiz a crônica biográfica da vida da vovó Augusta: casaram-se em Rosário da Limeira por volta de 1887. Tiveram um total de 12 filhos, os primeiros em Rosário da Limeira, e os outros em Santa Rita do Glória. Para criação de seus filhos, mas suspeito que mesmo para a formação da família, muito contribuíram os tios de vovó Augusta: José Belisário Alves Pereira e Francisca Dias Paes.
Quanto ao seu casamento com a vovó Augusta, há poucos factos e algumas suposições bem fundadas, ao que me parece. Primeiro, eles tinham uma diferença de idades de ao menos 7 anos: no tempo da celebração do matrimônio o vovô Antônio Gomes tinha 23 anos e a vovó Augusta, 16. 
O enlace deve se ter dado através de um dos tios da vovó Augusta, José Belisário, sobretudo, pois ela era órfã de pai. Além disso, sua mãe casara-se com Cândido José Vicente em 1883, com ele formando uma nova família.
Em que pese poder ter havido ali um arranjo de conveniência de parte a parte, (pois a vovó Augusta precisava se casar, e o jovem vovô Antônio Gomes pode ter tido a ambição de se associar à família dela, proprietária de muitas terras na região), a verdade é que as mentalidades se alinhavam: ela era de temperamento forte e expansiva, uma mulher orgulhosa e algo dominadora; já ele parece ter sido um homem mais sutil, calmo e inclinado para uma vida reservada, portanto, de temperamento mais contido. Se fossem os dois bicudos, não se teriam beijado!
Provavelmente lá pelo fim do século XIX, ou início do século XX, vieram para Santa Rita do Glória por intermédio do tio da vovó Augusta, José Belisário Alves Pereira, que doou algumas terras ao vovô António Gomes, como foi o caso do sítio do Garganta, na fazenda Santa Cruz.
Lá o vovô Antônio Gomes deixou algum legado, pois construiu a casa sede do sítio. Não se notabilizou por grandes conhecimentos de arquitetura ou engenharia, já que a casa foi feita no meio alto das montanhas, longe de curso de água corrente ou poço de onde pudesse ser retirada, obrigando a se fazer um penoso percurso. Depois, a localização não foi bem estudada, pois ficava entre duas encostas, e daí a incidência solar ficava muito prejudicada. Assim, a casa oferecia condições que beiravam a insalubridade. 
O vovô Antônio Gomes não deve ter experimentado essas dificuldades, pois tinha casa no distrito de Santa Rita (vivia na povoação, assim como fez em Rosário da Limeira, ao menos desde 1892), a casa da Rua da ponte, com o quintal que ia ter ao rio Glória, onde ele fazia a curva. Hoje onde ficava essa casa está o Posto de Saúde batizado com o nome de um dos seus descendentes: Maximiano Gomes Martins.
Para além desse sítio do Garganta, possuiu também outras terras, como o ótimo sítio do Retiro, que fica no córrego dos Alves. Assim, continuou a viver da agricultura depois de terem vindo para Santa Rita.
Sobre a sua forma de estar na vida, era um homem reservado, como já disse. Aliás, muitos na nossa família guardam essa índole mais recatada e contida, sendo pessoas incapazes de uma brutalidade, uma feição de comportamento que só é saudável se for associada ao amor à verdade e à retidão numa vida ética.
A mansidão do comportamento, no entanto, contrasta com a forte convicção na defesa da correção. Um impulso que pode se assumir como uma cólera cega em face da injustiça e do mal entendido. Assim é porque a bondade suportada com convicção exige a defesa da justiça para ordenar com alguma estabilidade a natural ordem de sofrimento do mundo, na forma de uma vida pelas virtudes.
A tia Lila tinha 10 anos de idade quando o vovô Antônio Gomes faleceu, em 1925. Além de se lembrar da aparência dele, ao ponto de afirmar que entre as dezenas de descendentes, o meu avô Toninho seria o mais parecido de todos, também conta uma história que ilustra o seu comportamento.
Nas palavras do primo Paulo Afonso: "Mamãe contava que vovô Antônio Gomes era um homem justo, correto e que não gostava de falsidades. 
Um dia a casa do padre Zé Maria apareceu pichada, o que causou um grande alvoroço no então distrito. Um compadre do vovô o procurou para conjecturar: 
'- Tá sabendo o que aconteceu na casa do padre Zé Maria, compadre? Que absurdo! Que falta de respeito! É muita coragem fazer um trem desses! Um homem tão bom como o padre Zé Maria! Quem você acha que poderia ter feito uma barbaridade dessas, compadre?' 
'- Olha, compadre, quem fez foi fulano e quem mandou foi você!"
O vovô Antônio Gomes faleceu na sua casa na rua da Ponte, foi numa terça-feira, dia 10 de Março de 1925, às 16:30hs, de "morte natural", segundo o atestado prestado por Alcino Bicalho e a certidão de óbito em que foi declarante o seu genro, Vicente de Paula Lima. Tinha apenas 61 anos de idade. Deixou a vovó Augusta viúva ainda com quatro filhos menores de idade.
Parece que deixou boas heranças aos filhos, pois pelo relato de Paulo Afonso, o tio Afonso herdou 3 alqueires na Fazenda Santa Cruz, no sítio do Garganta, e mais metade do sítio do Retiro, ficando a outra metade para o meu bisavô Maximiano. A vovó Augusta deve ter ficado com a parte alta do sítio do Garganta, onde foi morar numa determinada altura na casa sede feita pelo vovô Antônio Gomes. Acredito que o apego à memória dele, associada àquela casa, feita por ele, tenha sido ao menos parte da razão da teimosia dela em não querer se mudar para a parte de baixo do sítio, perto da cachoeira, fonte de água corrente, e com melhor exposição solar, como queria o tio Afonso. Quando ela finalmente concordou em se mudar, o tio Afonso demoliu a casa velha e fez a nova exatamente no mesmo formato da casa antiga, para agradar à sua mãe viúva.
Embora tenha restado do vovô Antônio Gomes tão pouca memória, parece-me o suficiente para o considerar como um justo, o que muito me orgulha. Que Deus o tenha na sua infinita misericórdia.

sábado, março 05, 2022

Tirem esta pedra de cima da minha cabeça

Carolina com a sua avó Maria Augusta - finais dos anos 1940

Com o falecimento do vovô Antônio Gomes em 1925, vovó Augusta, ainda com filhos pequenos para terminar de criar, teve de recorrer ainda mais à ajuda dos seus tios José Belisário e Chiquinha, já com idades à volta dos 70 anos, além dos seus filhos mais velhos, embora estes já tivessem seus próprios filhos e dificuldades com que lidar. Tio Augusto tinha 36 anos nessa altura, e o vovô Miano, 32. 
Acredito que os seus velhos tios tenham sido das maiores ajudas. Não se tem notícia do ano em que faleceu o tio José Belisário. Sabe-se que a tinha Chiquinha ainda lhe sobreviveu por alguns anos. A prima Nina Campos ainda conheceu a tia Chiquinha.
Seu irmão Luciano Alves Pereira, um bem-sucedido comerciante em Belo Horizonte, na altura, também tentou ajudá-la nos primeiros anos de viuvez, acolhendo o tio Afonso em sua casa na capital do estado, para que fizesse os seus estudos. Mesmo que a temporada em Belo Horizonte não tenha sido das mais felizes para o tio Afonso, que ficava à margem de uma vida familiar muito movimentada, o gesto demonstra a iniciativa para aliviar as acrescidas responsabilidades da vovó Augusta, agora viúva.
A ida do tio Afonso para Belo Horizonte não deve ter sido uma decisão fácil para a vovó Augusta. Como filho mais novo, mais desprotegido, portanto, frente àquelas mudanças e por ter ficado órfão com apenas 10 anos de idade, havia ali um cuidado especial.
Tio Afonso ainda não era rapazito quando começou a namorar com a tia Lila, com quem estudava nas Escolas Reunidas, na sede do distrito, sendo ambos da mesma idade. Mas quando chegaram à adolescência, a tia Lila ficou mais inclinada para arranjar um casamento, enquanto o tio Afonso ainda era considerado novo para dar esse passo. Em consequência, a tia Lila terminou o namoro, e o tio Afonso ficou desconsolado. 
A processar aquela tristeza, o tio Afonso escreveu um poema muito bonito, chamado "Poema do Primeiro Amor". Em quatro estrofes, ele partilha os conselhos da vovó Augusta para lidar com aquilo:

(...)
Em meu peito se escondia 
As mágoas que então sentia
Sufocando o coração.
Minha mãe que observava
Perguntou-me como eu 'tava'
E por que tanta aflição?

E dela não ocultei,
Em desabafo contei
Todo o sofrido drama.
Enquanto tudo eu narrava
Ela me ouvia calada
Quanto ardia o peito, a chama.

E me disse firmemente:
"Não fique assim descontente.
Tens nas veias sangue nobre,
Bravo sangue altaneiro
Grandes forças de um guerreiro
Que de amor jamais foi pobre!

Se ela foge de você
E não quer dizer porquê
Dela deve se afastar.
Ninguém quer sentir-se preso.
Se for do destino o desejo
Ela um dia vai voltar."
(...)

Depois dessa desilusão, o tio Afonso foi para o Seminário, com ideias de abraçar a vocação religiosa, mas depois de poucos anos regressaria à Santa Rita para retomar o namoro com a tia Lila.
Com a partilha das heranças do vovô Antônio Gomes, a vovô Augusta em algum momento deixou a casa na rua da Ponte e foi viver na fazenda Santa Cruz, no sítio chamado Garganta, onde viviam da pecuária de corte. 
O "principado do Garganta" foi um sítio que o tio José Belisário doara ao vovô Antônio Gomes. A casa sede desse sítio foi construída pelo vovô Antônio Gomes, ficando no meio alto das montanhas. A localização entre duas encostas e o facto de não haver mina de água ali perto, impunha condições de vida difíceis, já que a incidência de sol era pouca, além de fazer com que fosse preciso ir buscar água à mina mais próxima.
Em 1933, quando o tio Afonso deixa o seminário e regressa a Santa Rita do Glória, ele foi viver para essa casa com a vovó Augusta e com o tio Thimóteo. Mas logo iria se mudar para a parte de baixo do sítio da Garganta, ao se casar com a tia Lila.
Tio Afonso havia herdado 3 alqueires de terra à margem da cachoeira da Garganta. Mais à frente, adquiriu mais 10 alqueires da Fazenda Santa Cruz, principalmente, às suas irmãs. Ali, com a ajuda de seu grande amigo José Rosa de Jesus, construiu a sua "casinha", como ele a chamava, no tombo da cachoeira do córrego Conceição, dispondo de água limpa e farta.
Enquanto o tio Afonso constituiu a sua família na parte de baixo do sítio da Garganta, a vovó Augusta e o tio Thimóteo continuavam na sede, na parte alta, em condições cada vez piores.
Em 1940, a vovó Augusta pede para o tio Afonso ir viver com ela: Eu não estou aguentando mais nada. Thimóteo cada vez mais sem expediente, mais nervoso e esquisito. Se você não me acudir, quando meu gadinho acabar eu vou morrer à míngua.
O tio Afonso respondeu com uma contraproposta, argumentando que o melhor seria que ela e Thimóteo fossem morar com eles na parte de baixo da Garganta, onde havia abundância de água e as áreas eram mais abertas. Trariam tudo lá de cima e construiriam uma casa nova para todos morarem juntos. A vovó Augusta não concordou, teimando com a sua ideia de que fosse o tio Afonso e família a irem morar na velha sede. 
Não se sabe bem a razão, talvez por reverência filial, a obedecer o mandamento da lei de Deus que manda honrar pai e mãe, talvez pelo apego sentimental que tinha à mãe, talvez porque sabia que ela e Thimóteo não podiam mesmo continuar sozinhos... talvez, ainda, por uma combinação dessas razões, o facto é que o tio Afonso concordou com a proposição da vovó Augusta.
Foram todos lá para cima morar juntos, mas a contragosto. Rapidamente, as crianças começaram a ficar doentes. Tio Afonso e tia Lila, obviamente, muito chateados com a situação, prejudicada ainda pelo ambiente pesado provocado pelas constantes brigas entre vovó Augusta e Thimóteo.
Tio Afonso diversas vezes pedia à vovó Augusta para fazerem as mudanças para a parte de baixo do sítio, mas ela teimava em lá permanecer, por vezes usando argumentos falaciosos: Criei os meus filhos aqui e nenhum morreu! Não era muito bem verdade, já que muitos dos filhos foram criados pelos tios José Belisário e Chiquinha, ou mesmo na casa na rua da Ponte, na sede do distrito. Além disso, nos primeiros tempos da família que formou com o vovô António Gomes, o segundo filho, José, faleceu com apenas dois meses de vida, na altura em que viviam num sítio do Rosário da Limeira, chamado Vargem Alegre.
Aquela teimosia, direta ou indiretamente, custou anos de vida muito duros para os tios Afonso e Lila. 
O tio Afonso ficou doente, sentindo o peito apertado, com problemas para dormir e, mais tarde, com dores de estômago. Desde então, segundo o mesmo, perdera a saúde. Essas dificuldades impuseram muitos problemas ao tio Afonso e, consequentemente, a toda a família, obrigando-o a procurar médicos para se tratar, principalmente, no Rio de Janeiro. Nessa cidade, era carinhosamente recebido pelo seu tio Luciano e, após a sua morte em 1944, pela sua prima Maria Angélica, e contava com a ajuda do primo Luciano Agliberto.
A tia Lila deu à luz o primo José Costa em um parto muito difícil, tendo que ser chamado um médico às pressas. A partir desse evento, passou a sofrer da moléstia conhecida como "queda do útero", sendo operada apenas muito mais tarde, em 1959, impondo-lhe um sofrimento acrescido às muitas dificuldades com que tinha de lidar, valendo-se do seu caráter amoroso e conciliador para que aqueles problemas não se tornassem ainda maiores.
Para piorar a situação, o tio Thimóteo também não estava bem. Havia passado por uma crise nervosa muito séria, assustando a todos. O tio Afonso não estava, mas ao regressar, foi falar com ele, perguntando o que se tinha passado. Respondeu-lhe que tinha sido uma situação da lida com o gado e que não era nada que o irmão tivesse de se preocupar.
O tio Thimóteo era uma pessoa inteligente e interessada nas coisas do mundo, procurando sempre se informar. Tinha um livro de aritmética que usava para estudar à luz da lamparina. No entanto, era muito sistemático e temperamental. Sentia-se revoltado por ter sido criado pelos tios José Belisário e Chiquinha, quando já eram idosos, e não se dava com a mãe, vovó Augusta, que também tinha um gênio difícil.
Poucos dias depois do evento em que teve a tal crise nervosa, estando o tio Afonso fora novamente, o tio Thimóteo trancou-se por dentro no paiol, lá tirando a própria vida. Tinha cerca de 45 anos de idade. O vovó Miano foi quem tratou de tudo, mas a situação delicada provocou um trauma nas crianças e, em verdade, em toda a família. O corpo ainda esteve na casa, deitado na cama, à espera das autoridades, o que também causou forte impressão nas crianças. 
Anteriormente à morte do tio Thimóteo, falava-se muito que ele possuía uma mala cheia de jóias e objetos de valor que teriam sido da sua família de adoção, talvez, a herança que recebeu do tio José Belisário e da tia Chiquinha. Sobre esse boato, o tio Thimóteo não desmentia, nem confirmava, apenas ria-se. No entanto, aquando do seu desaparecimento, as suas posses foram verificadas pelo vovô Miano e o tio Tonico, na presença da tia Lila e dos demais familiares, ficando evidente que não havia lá nada de valor.
Além de José, falecido aos 2 meses de idade, em 1892, e Thimóteo, a vovó Augusta ainda sobreviveu ao seu filho Galdino Gomes de Paiva. "Sô Dino", como o tio Afonso o tratava, morreu solteiro, não se sabe com que idade, mas não chegou a envelhecer. Ao que parece, vivia sozinho. Sabe-se que era de 1905, pois tinha 20 anos aquando do falecimento do vovô António Gomes. Há ainda um registro da transferência de um engenho de rapadura em seu nome, situado em Guiricema, autorizado a 9 de Agosto de 1944, em favor de Onofre Vieira Ferraz. Morreu na casa dos 40 anos de idade, provavelmente consumido pelo vício do álcool. Ficava de tal modo embriagado, que caia de seu cavalo e ficava pela estrada, e ninguém sequer o conseguia levar para uma sombra, já que tinha um cão que não permitia que ninguém chegasse perto.
Quando tudo parecia desandar, em meio a essas situações dramáticas, finalmente a vovó Augusta consentiu em fazer a mudança, dizendo ao tio Afonso que de outra maneira ele não conseguiria acabar de criar os seus filhos. Tudo isso se passou aí pelo ano de 1948.
Tio Afonso cumpriu a velha proposta que fizera à vovó Augusta muitos anos atrás: demolir a "casinha" que havia no tombo do córrego da cachoeira Conceição, lá construindo uma réplica da casa da sede, em que viviam, lá no alto.
Com alegria e ânimo, depois de muitos anos de sofrimento, a obra foi feita com grande esperança. A empreitada do tio Afonso, mais uma vez, contou com a prestimosa ajuda de seu amigo e compadre, (já que era padrinho no nosso querido primo Paulo Afonso), José Rosa, além de muitos parentes e amigos. Aproveitou-se a base da "casinha" e se aproveitou tudo quanto possível da casa antiga. A nova casa agora tinha água encanada direto da mina, além de receber muita luz natural. Foi também construído um pequeno curral com barracão. Depois também tratou-se do moinho e de uma pequena usina elétrica.
Todos acompanhavam as obras muito animados, inclusive a vovó Augusta. Prefiro acreditar que estava inconsciente de todo o mal que causara aos que tanto lhe estimavam. Em redenção, a sua famosa teimosia foi vencida unicamente pelo persistente amor do tio Afonso e de tia Lila.
Quando a casa na parte de baixo ficou pronta, todos se mudaram, e foi uma imensa alegria. O primo Ludolfo diz que esse foi o dia mais feliz da sua vida: acordou de manhã e viu a luz do sol a entrar pela janela.
Em 1953, o vovô Miano e a vovó Sinhá ofereceram uma grande festa para toda a família, que consistiu numa missa e num almoço, na sede da Fazenda Santa Cruz. É dessa ocasião que temos a maior parte das fotos de vovó Augusta: uma velhinha sorridente e animada com aquilo tudo.
No ano seguinte, precisamente, no dia 14 de Dezembro, a vovó Augusta faleceu. 
Ao agonizar, proferiu as suas últimas palavras, na forma de uma ordem: "Tirem esta pedra de cima da minha cabeça". O tio Afonso estava novamente no Rio de Janeiro a tratar da sua saúde. Quem estava com ela nesse momento foi a sua filha, tia Francisca Angélica, tratada por Chichica, a tia Lila, e o pai dela, Ludolfo Costa Lima, que pediu à filha para trazer uma vela para vovó Augusta. O primo Paulo Afonso, na altura com pouco mais de 2 anos de idade, tem lembrança de aparecerem muitas pessoas em casa naquela noite. O tio Tonico, Antônio Gomes de Paiva Júnior, foi quem tratou da certidão de óbito, em que consta a data e o local do falecimento da vovó Augusta, todos os filhos e respetivos cônjuges que lhe sobreviveram, e os bens que deixara.
Esta recoleção biográfica da vovó Augusta jamais teria sido possível sem os contributos fundamentais do primo Paulo Afonso, organizados no seu "Memórias". Com carinho e cuidado, comprometido com a verdade, Paulo Afonso tem sido o mais empenhado zelador das preciosas memórias de nossa família. A ele devo a nova consciência que ganhei sobre os nossos antepassados, além de lhe dedicar grande carinho e admiração.
Finalmente, resta-me concluir com um sentimento de gratidão por compreender a vida de vovó Augusta, enxergando-a como um elemento determinante para toda a nossa família. 
Não me parece justo julgar sem termos todos os elementos objetivos da realidade para o fazer. Em verdade, mesmo quando assim é, ainda podemos ser injustos. Por isso, não vou dar sentenças sobre a vida da nossa vovó Augusta, deixando para cada um as reflexões que achar úteis. Peço a Deus, com a intervenção da Virgem Maria, no entanto, que tenha piedade de sua alma e das alminhas de todos os meus antepassados; que na Sua infinita bondade e misericórdia possa acolhê-los como seus filhos, como uma pequena parte de Si, da mesma forma que os raios de sol são uma parte desse magnífico astro.