Homem, bicho de pensamentos grandes e de emoções profundas! Já diziam as filósofas de plantão que classificam o amor como algo fora do plano das idéias e dentro do plano das coisas: vocês são todos uns mentirosos!
Que pena que me dá dessas mulheres! Quanta mentira contaram pra elas, a ponto de terem ficado traumatizadas e terem classificado tudo quanto é homem com mau e mentiroso! As que perdem são elas, pois tomam por mau um que eventualmente é bom, já que nem todos os homens são iguais, contrariando aí outra máxima feminina muito em voga desde sempre.
Há uma certa inflexão cheia de esperança de amor no ceticismo delas! Não que eu tenha alguma paciência para discutir e argumentar... gente radical fecha-se numa arrogância cristalizada... nada rompe facilmente e, digamos que para evitar a fadiga, não tenho ânimo de salvar-lhes de um destinho trágico, mas contemplo os seus grandes olhos de fatalismo com respeito.
Nesse tom tem se dado os meus embates sobre a nobreza masculina no campo dos sentimentos com a mãe de todas as céticas no assunto, a senhora Do Carmo, matrona e mal amada, que é minha vizinha e chega mesmo ao cúmulo, óbvio que para caçoar, de dizer aos homens a máxima dos que tem medo de tubarões: homem bom é homem morto! Cúmulo do ódio.
Já se vê, portanto, que não há sentimentos bons no ar...
Pois bem, vamos ao ponto: relatei aos amigos, reunidos no Bar do Figo, sobre a visita ao escritório da senhora Hildegart Goscht, vinda da zona rural de Domingos Martins reclamar de um instrumento de cessão de direitos patrimoniais que os irmãos homens enfiaram debaixo do nariz das irmãs para ficar com as terras da família e despojá-las desse direito, no mesmo instrumento constava a doação dos pais deles, por óbvio. Isso tudo os irmãos faziam felizes e de consciência limpa, já que na tradição dos pomeranos, povo alemão que vive próximo à fronteira sul com a Polônia e que mandou milhares de pares aqui para o Espírito Santo, só aos homens cabe herdar as terras, às mulheres cabe uma grande festa de casamento e nada mais!
Contado o caso, a Dona do Carmo exaltou-se absurdamente e em vários sentidos, que são uns covardes, machistas, aproveitadores... E a mim coube defender o gênero masculino, o que fiz mostrando, sem tolices, que a cultura se impõe à sociedade, não que a senhora Hildegart ficaria lesada, cuidaríamos de anular aquilo, mas os irmãos achavam que exerciam um direito!
E que assim como os irmãos Goscht cumpriam um ritual, também os homens em geral cumprem um ritual quando se envolvem com uma mulher: o ritual de buscar nelas algum amor, algum amparo para as dores que o mundo impinge, alguma esperança! Se por acaso a coisa descamba num final ruim, é porque o homem (ou a mulher no lado oposto) frustrou-se nessa busca e não teve generosidade de ser franco, de dizer "passe bem, não te amo", e esse não é o pior dos pecados.
O que não falta, de certo, são mulheres que não sabem se fazer amar, as que são tristemente enfadonhas, que dizem bobagens na proporção que respiram, que esnobam e fingem... felizmente há outro tipo que penso que predomina, para a felicidade geral da masculinidade: as bem amadas. Essas são, mais que tudo, amigas do homem, e se tem uma coisa que um homem de bom coração sabe ser é leal com os amigos de verdade, por isso ama com fé! Pois o amor pleno de amizade é o melhor de todos e o mais sincero também se for visto que amizade e amor diferem na intimidade e na exclusividade que há num e não há noutra.
Muitas são as mulheres que do berço ao túmulo insistem num amor diferente desse, e por isso, magoam muito quem as quer amar, de modo que se chamam "mal amadas", mas o amor mau foi fruto da sua falta de percepção de um amor mais verdadeiro, mais livre e que existe por si.
A dona do Carmo segue o seu percurso ao túmulo, mas a dona Hildegart não guarda nenhum remorso dos irmãos.