quarta-feira, setembro 28, 2005

Uma tarde de chuva

Quanta reflexão cabe na tristeza. Talvez só se pense refletindo quando se enfrenta um problema, ao menos no que tange à vida quotidiana, e assim são os momentos de tristeza que propiciam esse compor de circunstâncias, essa tentativa de entender as pessoas e o mundo.
É engraçado que apenas o clima possa também influir nessa circunstância de reflexão, mas aqui ligada exclusivamente às condições naturais, afinal, quanta reflexão cabe numa tarde de chuva fria e fina!
Talvez num remorso de não haver tanta luz, talvez no condicionamento de ligar o frio e a chuva à miséria e ao desespero, de qualquer forma nunca vi ninguém celebrar um dia de clima ruim como o que tivemos hoje na ilha de Vitória. E que não coloquem a culpa nas frentes frias que chegam ao continente! Também no interior do país houve tempo idêntico.
Pois uma larga faixa de terras ficou imersa no cinza da tarde. Dentro dos movimentos da cidade, foi agradável, no fim das contas, não sentir tanto calor! Mas pareceu ainda mais triste a maneira maquinal com que as pessoas trabalhavam, pareciam engrenagens mal humoradas, enquanto que nos dias de sol costumam brincar mais uns com os outros e sorrir. Afinal, não é fácil brincar tendo que se proteger da chuva constante. Tempo maldito, tira a alegria natural.
Essa tola circunstância natural me fez lembrar da tese de Rousseau sobre a diferença entre as línguas do norte e do sul da Europa. Segundo Rousseau, as línguas setentrionais eram mais ásperas e duras precisamente pelas condições de vida, mais difícies, uma subsistência feita a base de luta diária. No sul os idiomas eram mais doces, as pronúncias mais moles e agradáveis de se ouvir: a isso devia-se a maneira de sobreviver mais fácil, concluindo que em condições mais favoráveis o homem podia dedicar-se às artes e aos sentimentos, enquanto que no norte o clima mais frio obrigava a todos a manterem-se ocupados em sobreviver.
Nós aqui vivemos em abundância: nem mesmo os que não trabalham morrem de fome! Há mesmo duas estações: uma seca e outra chuvosa (com exceção do que se passa no sul do Brasil, onde há definição melhor das estações ordinárias), no clichê da carta de caminha: tudo que se planta nessa terra dá e uma infidade de outros argumentos só viriam a confirmar não a luta pela vida aqui, no sentido da luta para não morrer de fome e de frio, mas sim a celebração ininterrupta dos sentimentos e das artes. A luta para não morrer de fome não é mais que uma idéia fantasmagórica para incendiar as ambições e medos profissioais, embora de fato ocorra com os miseráveis, no que não vou adentrar, apesar de ter que considerar também que esses têm assistência do Estado e juntos compomos uma grande "nação do sul", na idéia de Rousseau.
Mesmo com todas as circunstâncias favoráveis, basta uma chuvinha fria para todos lembrarem-se ancestralmente que a infelicidade está à espreita, que nosso caminho é um caminho cheio de cadafalsos invisíveis, que a morte, o desespero e a angústia são estados naturais, como o prova a própria natureza!
Inconscientemente, entretanto, há uma noção clara de que amanhã irá amanhecer outro dia e nesse dia novo, apartado por algum mistério suprafísico do anterior, há grandes chances de haver uma manhã ensolarada, daí então um prenúncio de felicidade ligada ao tempo que faz será suficiente para despertar o bom humor de todos e então recomeçarão as piadas e o andar despreocupado por entre as gentes.