quarta-feira, março 29, 2006

Leve balanço

Vi Belo Horizonte pequena a desaparecer atrás de mim de dentro de um avião de élices: pequenino e bastante barulhento, mas que nas curvas fazia um leve balanço e cessava de tremer tanto.
Não supunha que houvesse linha aérea entre Belo Horizonte e outras cidades assim tão próximas, mas a prosperidade do Triângulo Mineiro fez sugir essa escala ao destino chamado Uberlândia, enquanto a nossa Manchester mineira, Juiz de Fora, continua com uma única linha regular para São Paulo: saudade do tempo em que era pioneira, pois agora há estudantes de mais e dinheiro de menos!
Nunca tinha vindo a Araxá, aqui tudo é muito plano e as ruas em geral bem largas: uma satisfação para quem está acostumado a ladeiras e curvas bem fechadas. É a terra de "Dona Beja" do Grande Hotel de águas termais, mas atraiu-me para cá o serviço: amanhã há uma audiência, a colhida de um testemunho.
Aterrissei distraído quando do avião tive um encontro quase aéreo, mesmo sem acreditar logo de início. Talvez pelo whisky servido à bordo, talvez pela docuça de curvar àquela velocidade e altura, desvencilhei-me do cinto aparentemente inútil num acidente aéreo, e encontrei em pleno vôo, desta vez sem élices barulhentas, mas de braços abertos e em frente a um horizonte lindo e aberto, um passarinho.
Desencantado de sua própria liberdade, planava bem longe, rumava a um destino desimportante e perseguido por puro instinto, rezava secretamente afeto, fomentava dentre as asas ensebadas amor, dava de comer no biquinho. Enfim sorri, depois de tantos dias tristes, meu melhor e mais franco sorriso para aquela desenvoltura nas acrobacias.
O que fazia esse bicho em Araxá, meu Deus? Não sei. Mas está por aqui. Eu que já o vi tantas vezes e conheço tão bem a sua natureza, eu que de um bicho desses fui companheiro e dono por longos anos, senti o peito espremer angústia, a garganta apertar sozinha e os olhos marejarem...
Voou depois para um lugar impercebido, sem dar um pio, sem qualquer sinal maior. Mas esteve aqui perto de mim, disse-me o seu "olá" e tão lindo fez-me lembrar de si com todo mérito que fazem por merecer os pássaros, criaturinhas muito livres e muito objetivas nos seus propósitos e alguns deles, como esse amiguinho, gloriosamente leal, desgraçadamente inesquecível.
Queria ter um bico como o dele, asas coloridas como as dele, queria mesmo era voar como ele quando fosse voltar para casa... mas não sou passarinho, vôo em aviões de élices, por vezes melancolicamente deselegantes.