À beira do mar chega uma brisa que muito viajou antes de encontrar o continente, foram milhas e milhas onde a pressão atmosférica fez o ar mover-se a uma tal velocidade e sem nenhum obstáculo, que enfim encontrou o continente encorpado de sal, umidecido pela água, bem disposto para inspirar.
Olhar o mar... ver que a imensidão não tem limite, que o limite o mundo é que tem, na fronteira da curvatura da terra. Mas os olhos não se detêm às fronteiras, vêem além.
Como se houvesse uma torre imensa à beira do mar, no topo da qual fosse possível ver todos os reinos do mundo, insistem os olhos em perseguir o horizonte de onde segue oculto o mar.
Pois digo que não há horizonte mais bonito.
Vivamente me lembro de uma vista no campus da Universidade Federal de Juiz de Fora onde era possível contemplar um horizonte aberto. Ficava na praça cívica, próximo à Biblioteca Central, um grande vão aberto onde não se intrometia montanha nenhuma, nem prédio nenhum, era apenas um largo rebaixado de bosque com o lago do campus no fundo e mais abaixo, há uns 3 quilômetros, a cidade de Juiz de Fora. O sol se põe bem à frente de quem admira a paisagem, de modo que a linha da cidade fica dourada e com pigmentos alaranjados as folhas das árvores e o lago.
Ao fim do dia, via-se o pôr-do-sol mais bonito do mundo acadêmico, engrandecido pelo fato de que quem vive nas montanhas não tem horizontes abertos: há sempre algo à frente para interromper a vista, como se vivéssemos numa liberdade cercada, além de tardia.
Era ali que o coração liqüidava as mesquinhas preocupações e um bom vento livre, vindo talvez do litoral, soprava os cabelos, esfriava o corpo e convidava a um café na cantina da biblioteca. Havia filosofia demais para aquela vista.
Considerávamos, eu e os demais miradores, que valia morrer olhando para algo assim, que se fosse para ter fixada na alma uma última lembrança da vida, eternamente cristalizada, que fosse uma como aquela boa vista.
Não fosse a morte o argumento preferido dos poetas fatalistas, não fosse o morrer a mirar o mar a final sutileza da balada da Moça do Miramar, de entristecida poesia com essa mesma figura de linguagem, teria entre os meus sentimentos o desejo dessa morte, evidentemente secreto. Mas não é exatamente assim comigo.
Do fundo do coração, sei de uma coisa: meu último olhar não será para um livre horizonte sem fim, onde supostamente significaria ver liberdade, ou onde questionaria a metafísica do mundo... Será para dentro dos olhos do meu amor, donde colherei minha gota de transbordo da coragem, minha bandeira altaneira da esperança, minha alegria perene.
Não preciso estar em lugar nenhum para ver o infinito, senão perto deles, pois tenho nestes olhos o meu mar.