quarta-feira, março 22, 2006

Num copo de café

Passei em frente a uma vitrine da Savassi, tinham chegado peças novas da coleção de inverno. Acho que as mais caras, já que o verão finalmente está a passar.
Muito bem montada a vitrine. Tinha lá uns três manequins, um sofá, um abajour, uma mesinha de centro bem pequena e uns outros adornos elegantes. Parei e fiquei a olhar. Os manequins nus não pareciam envergonhados e se toda gente fosse assim era muito melhor, refleti mais por hábito do que por ter chegado a uma conclusão brilhante.
Logo entrou o rapaz que organizava as roupas. Tavam amarrotas. Ele vestiu os manequins mesmo assim. Achei engraçado pois, afinal, eles não se importam muito em vestir roupas naquele estado, ao menos não ficava à mostra aquele simulacro de sexo que os seus criadres inspirados imaginaram para reproduzir fielmente o corpo humano.
Finalmente, depois de agasalhar a todos os bonecos, deu comigo de frente pra cena toda. Sorriu e perguntou se estava bom. Respondi que sim, mas sem entusiasmo. O rapaz notou e convidou-me para entrar na loja.
Era um rapaz, mas nem tão novo assim, tinha 33 anos, chama-se Artur, e é vendedor há uns 4 naquela mesma loja. Naquela manhã trocava as roupas dos manequins. Perguntou como faria. Disse-lhe que não colocaria o rapaz a olhar para a moça, deixando-os de lado para a rua, daí as pessoas não veriam a estampa das blusas, que eram bonitas. Outra coisa que sugeri foi que colocasse a outra moça deitada no sofá, já que tinha boas pernas falsas e a pose iria chamar atenção. Ele concordou. Isso passou-se há 3 dias.
Encontrei com o rapaz no centro da cidade hoje. Tomava um café antes de seguir para o Fórum. Aproximou-se e disse que a vitrine tava fazendo sucesso, que as blusas e jaquetas tinham se esgotado e encomendavam outras e agradeceu de novo. Fiquei contente e ri devagar. Era pai de uma boa estratégia de vendas, tinha lá direito a uma comissão! Mas valeu mesmo pelo divertimento daquilo.
Veio à lembrança o modo como fazia batalhas na infância com soldadinhos de chumbo. Bolava estratégias, armava grandes confrontos! Emboscadas surpreendentes eram a prova de um exército bem disposto para o combate, que não perde de vista o ideal da vitória! Mas só havia um soldado na brincadeira, e era eu mesmo.
Na loja também só havia um manequim, e era o Artur. Ao me convidar para ir até lá dar a minha opinião e mudar tudo, acho que estava me convidando para tomar parte na sua brincadeira e fez de mim um rapaz que mostrava como as pessoas deviam fazer pose com as novas roupas da estação mais fria do ano, isso, é claro, através dos meus representantes inanimados!
Vertendo um e outro gole daquele café de depois do almoço, que serve mais para despertar da sesta do que para agradar o paladar, achava-me muito bem vestido para a nova estação, com a expressão multiplicada pela representação da minha vontade, orgulhoso da minha liderança, segui com os meus trajes formais de inverno por sobre o corpo, senhor dos soldadinhos de chumbo e agora também de manequins de lojas de grife.